Acórdão nº 1625/19.6T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelSÍLVIA PIRES
Data da Resolução13 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatora: Sílvia Pires Adjuntos: Henrique Antunes Cristina Neves Autores: AA BB Ré: Fidelidade Companhia de Seguros, S.A.

* Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra Os Autores e a sua mãe, CC propuseram ação declarativa com processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a indemnização global de € 228.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação da Ré.

Alegaram que o seu pai e marido, respetivamente, faleceu na sequência de um acidente de viação imputável ao condutor de um veículo seguro na Ré.

Contestou a Ré, alegando que o acidente se deveu a culpa da vítima e impugnando alguns dos danos alegados e sua valoração.

Concluiu pela improcedência da ação.

Os Autores corrigiram pontualmente a petição inicial a convite do tribunal.

Foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo a Ré do pedido formulado, tendo-se consignado que não se vislumbra má fé de qualquer das partes.

* Os Autores e a sua mãe interpuseram recurso desta decisão, formulando as seguintes conclusões: 1. O Tribunal da 1ª Instância, salvo o devido respeito, errou de forma notória e evidente no julgamento da matéria de facto, dando factos como provados, quando há elementos factuais objetivos que os colocam totalmente em causa.

  1. Desde logo, a matéria de facto constante do ponto 3º dos factos dados como provados, que jamais deveria ter sido dada como provada.

  2. Naquele ponto, o Tribunal deu como provado que “o condutor do ciclomotor de matrícula ..-DU-.. executou a mudança de direção obliquamente na direção do portão da moradia, para onde se dirigia, de forma imprevisível e brusca”.

  3. Todavia, no ponto anterior, nº 2, o Tribunal dá como provado que o condutor do ciclomotor “após descrever uma curva que se desenhava à sua esquerda a que se seguia uma reta de mais de 100 metros e de ter percorrido nessa reta cerca de 40 metros em sentido ascendente foi-se aproximando do eixo da via, sinalizando a sua intenção de virar à esquerda para entrar no portão que dá acesso ao logradouro da sua casa de habitação”.

  4. E no ponto nº 4 dá como provado que o ciclomotor “foi colhido pelo veículo que circulava em sentido contrário, já dentro do aglomerado urbano da vila de ..., na parte lateral direita, junto ao pousa-pés, projetando-o para a valeta direita da estrada, considerando o sentido de marcha do veículo ligeiro de mercadorias onde ficou imobilizado e consciente”.

  5. E, ainda, no ponto 7º, foi dado como provado que “o acidente verificou-se dentro da malha urbana da vila de ..., onde a velocidade é limitada a 40Km/Hora, após essa placa indicativa e num local onde a velocidade máxima permitida é de 40 KM/Hora, conforme placa existente logo a seguir à placa sinalizadora da vila, considerando o sentido de marcha do veículo ..-NJ-..”.

  6. No ponto 8º o Tribunal deu como assente que “a estrada no local encontrava-se em bom estado de conservação e tem uma largura de seis metros, sendo que fazia bom tempo, havia boa luminosidade e o piso estava completamente seco”.

  7. E nos pontos 9º e 10º deu como provado que não existiam rastos de travagem por parte do condutor do veículo Peugeot e no sentido de marcha seguido pelo ciclomotor, não circulava qualquer veículo no momento em que ocorreu o acidente.

  8. Ora, entendem os Recorrentes, que matéria de facto dada como provada no ponto 3º dos factos dados como provados, deve ser dado como não provado, porquanto se baseou apenas no depoimento, pouco credível e contraditório, do condutor do veículo que embateu no ciclomotor e provocou a queda do falecido na valeta, situada na margem a direita da faixa de rodagem por onde circulava o veículo atropelante.

  9. Em primeiro lugar, porque a localização dos danos na carrinha, que embateu no poisa-pés do pendura do ciclomotor, se situa no para-choques na parte frontal direita da carrinha, considerando o seu sentido de marcha ...-..., e, por essa razão não coincidem com a versão relatada pelo condutor.

  10. Para além disso, a coincidência da existência do buraco nessa zona e dos danos no poisa-pés do pendura do ciclomotor, existente na parte lateral direita, nas proximidades da traseira, revelados pelas fotos contantes dos autos, e que o Tribunal, e as partes, não puserem em causa e que foram confirmados pelas testemunhas DD, perito da Seguradora, pela testemunha EE, pela testemunha FF e até pelo próprio condutor do veículo, que sinalizou o embate e o dano dele proveniente no lado direito do veículo que conduzia, no sentido ...-..., também não coincidem, de todo, com a versão relatada pelo condutor ao Tribunal.

  11. Por outro lado, porque a matéria de facto dada como provada e vertida no ponto 4º dos FACTOS PROVADOS, refere, inequivocamente, que o ciclomotor foi colhido pelo veículo que circulava em sentido contrário, já dentro do aglomerado urbano da vila de ..., na parte lateral direita, junta ao poisa-pés do pendura, projetando-o para a valeta direita, considerando o sentido da marcha do veículo ligeiro de mercadorias, onde o seu condutor ficou imobilizado e consciente.

  12. Ora, como o poisa-pés se destina ao pendura do condutor, tal significa que o ciclomotor estava preparado para transportar o condutor e outra pessoa, como se observa pelas fotos juntas aos autos, situando-se na parte lateral, mais próxima da traseira do dito veículo.

  13. Acresce que, é o próprio condutor que, nas declarações prestadas em audiência de julgamento refere que, conforme se transcreve “(…) vinha em sentido contrário ao senhor da motorizada, eu avistei o senhor da mota e ele vinha encostado ao centro da faixa de rodagem a uma velocidade moderada, ele vinha devagar. E vinha a olhar, eu fiquei com a ideia que ele estava a olhar para umas pessoas que estavam do outro lado da rua numa casa lá em cima. E eu pensei o senhor viu-me eu vou passar e ele está a aguardar que eu passe para fazer a transversão, para... como é que eu hei de dizer, ele queria cortar para o lado, para o lado contrário da estrada, ou seja, ia-me cortar a minha passagem. Mas eu fiquei com a ideia que ele me viu e que estava a aguardar que eu passasse por ele para ele fazer, então, a mudança de direção, entrava lá para o portão dele ou o que seja, para a casa. No entanto, o senhor, de repente, cortou à minha frente e eu não tive, não consegui parar, pronto. Não tive reação, não deu para parar.” (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:07:29).

  14. Referindo, ainda, que o senhor da motorizada ia muito devagar ao centro da via, sem o pisca ligado e não estava parado e que ficou com a ideia de que ele queria virar à esquerda, porque estava ao centro da estrada a olhar para o outro lado (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:09:41 a 00:11:07).

  15. Para depois dizer o contrário e confirmar, quando instado pelo mandatário dos Autores, que, afinal, a motorizada tinha o pisca ligado (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:13:45 a 00:14:01) e que “ (…) o embate foi na estrada.” (Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:14:14)..

  16. Refere o dito condutor do veículo ligeiro de mercadorias que quando o ciclomotor iniciou a mudança de direção a distância “(…) não eram mais de 10, 15 m.” (Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:15:58).

  17. Retificando, de seguida, referindo que era muito menos que isso e que não chegava a 10m (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:16:12 a 00:16:18).

  18. Confirmou, o mesmo condutor, a instâncias do mandatário dos Autores, que vinha na sua mão de trânsito, encostado à direita e que “ (…) a mota ficou logo em frente ao carro, não deve ter fugido mais de 1 m (…) e que (…) ficou praticamente à frente do carro. O senhor ficou, também não ficou, ficou logo ao lado, ficou na valeta. Só que a mota como vinha na perpendicular, talvez seja por isso que o senhor tenha caído mais para valeta.” (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:18:37 a 00:18:49).

  19. Mais confirmou que não vinha nenhum carro em sentido contrário (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:20:22) e ainda, que bateu com a carrinha “(…) talvez um palmo à direita do centro” “Com a frente do veículo.” E “Com o para-choques (…).” (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minutos 00:21:02, 00:21:30 e 00:21:35).

  20. E que, quando avistou o veículo “(…) não vinha a mais de 50 km/h.” (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:23:42). Mas que não sabia se, naquele local havia limite de velocidade ou qual era, efetivamente, esse limite (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:23:51).

  21. Confirmando que foi ele que bateu e que viu que a grelha do carro “(…) tinha lá uma marcazinha onde bateu (…) (cfr. Faixa 0220106160809_2823068_2870705.wma, Minuto 00:24:44).

  22. Perante tudo o que se acaba de descrever, não se compreende, como é que o Tribunal considerou credível o depoimento desta testemunha, se as contradições existentes no mesmo são notórias, evidentes e diversificadas, e são desmentidas de forma total pela localização dos danos comprovados pelas diversas fotografias, juntas pela própria Ré, pelo Sr. Perito da Seguradora e testemunhas que estiveram no local logo após acidente e cujo depoimento é escrito na motivação da decisão de facto, pelo próprio Tribunal.

  23. Em primeiro lugar, pelas declarações prestadas pelo condutor do veículo que embateu no ciclomotor do sinistrado falecido, ficamos sem saber se a mudança de direção foi feita de forma perpendicular ou oblíqua.

  24. Por um lado, porque nessa altura, ou seja, no dia do acidente e uns dias depois, quando a mente e memória ainda estavam bem frescas, nunca o condutor referiu que o ciclomotorista mudou de direção de forma oblíqua.

  25. Por outro, porque só no dia em que foi ouvido pelo Tribunal (ou seja, mais de 6 anos após o acidente), é que veio fazer tal afirmação, em contradição com a descrição, que começou inicialmente por fazer perante o Tribunal.

  26. Aliás, é o próprio Tribunal que, em 2º...

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