Acórdão nº 01301/21.0BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | ANABELA RUSSO |
Data da Resolução | 07 de Junho de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por AA e BB, visando a anulação dos actos de liquidação de IRS de 2019, com nºs ...68, no valor global de € 10.986,27, recorre para este Supremo Tribunal Administrativo.
1.2.
Tendo alegado, aí formulou as seguintes conclusões: «1.
Salvo melhor entendimento, a douta sentença em recurso errou na interpretação e aplicação do direito, porquanto, é de aplicar o limite estabelecido no artigo 78º, nº7, do CIRS, aos casos de dedução à colecta de despesas elegíveis do SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria tributável aos sócios (pessoas físicas) de sociedade em regime de transferência fiscal.
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Nas sociedades em regime de transparência fiscal (TP), como seja as sociedades de profissionais (advogados, revisores/técnicos oficiais de contas, arquitectos, engenheiros e outros), à determinação da matéria colectável da sociedade não se segue a liquidação em sentido estrito nem o pagamento do correspondente IRC, uma vez que essa matéria colectável é imputada a cada um dos sócios da sociedade (artigo 6º, nº1, CIRC).
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Nos casos em que os sócios da sociedade em regime de TF sejam pessoas físicas (isto é, pessoa singular e não pessoa colectiva) estamos perante uma tributação das empresas cuja disciplina é partilhada pelos Códigos do IRC e do IRS, regulando o primeiro a tributação desse rendimento enquanto rendimento empresarial gerado numa empresa societária, e estabelecendo o segundo uma pessoalização da tributação desse mesmo rendimento através da sua integração no rendimento global relevante em sede de apuramento do IRS a pagar." 4.
Resulta do regime legal do SIFIDE II que o mesmo foi pensado pelo legislador para as sociedades ditas "normais", "regra", seja pelo que consta das normas específicas daquele regime [artigo 33º a 42º do CFI (Código Fiscal do Investimento)] seja pelo enquadramento do mesmo no CFI, sendo que em parte alguma o legislador (do CFI) se referiu senão à colecta de IRC.
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Os benefícios fiscais (BF) operam por via de diferentes técnicas de atribuição/modalidades (artº.2º, nº2, EBF), entre elas, deduções à matéria colectável e deduções à colecta, que se distinguem “(…) pela diversa natureza da realidade quanto à qual se verifica a dedução: no primeiro caso essa realidade é, (…), o objecto do imposto; no segundo caso o próprio imposto (prestação tributária) em si mesmo considerado.".
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O SIFIDE II opera, como BF que é, por dedução à colecta de IRC, pelo que, a ser aplicado em contexto de sociedades profissionais como a do caso (cujos sócios sejam pessoas físicas, insiste-se, sendo distinto o caso de sócios pessoas colectivas) sempre exigirá e relevará alguma adaptação/interpretação (art.º 11.º da LGT, art.º 10.º do EBF, art.º 9.º e art.º 11.º do CC) e, de sobremaneira o de levar em linha de conta a teleologia substancial da política económica corporizada.
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Os BF são medidas excepcionais no seio do sistema fiscal, pois que, constituem despesas fiscal e introduzem um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que os mesmos sejam justificados por motivo ou interesse público relevante capaz de lhe dar fundamento.
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Foram objectivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação que determinaram legislador à consagração do regime de TF.
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Por via da TF procede-se a uma imputação especial: a imputação aos sócios da Matéria Colectável determinada nos termos do CIRC, “integrando-se [essa matéria colectável] no seu rendimento tributável [dos sócios]", "para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso", "nos termos da legislação que for aplicável" (art.º 6.º, n.º 1 do CIRC).
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Somos remetidos, nos casos como os dos autos, para o CIRS (“legislação que for aplicável” - art.º 6.º, n.º 1 do CIRC, pelo que, surge uma divida, não de IRC, mas sim de IRS) e em momento algum o legislador referiu a necessidade de afastar quaisquer regras do CIRS que pudessem ser convocadas a aplicar-se em contexto de BF – o que poderia, se assim o intencionasse, ter feito, designadamente, no EBF, (vide, art.º 43º A, n.º 11, do EBF).
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O IRS é um imposto único e progressivo, e, na estruturação desta tributação do rendimento o legislador teve sobremaneira em consideração o Princípio da Igualdade, traduzido em concreto pelo sub-princípio da tributação em função da Capacidade Contributiva, a qual será, aliás, não propriamente a capacidade contributiva individual e isolada do sujeito passivo de per si mas, antes, a capacidade contributiva do seu agregado familiar.
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Nos casos como o dos autos, estamos perante sujeitos passivos de IRS, cujos rendimentos se enquadram no último escalão (cfr. art.º 68.º do CIRS), situação à qual, pela aplicação das normas próprias, normas do CIRS, se aplica o limite constante do art.º 78.º, n.º 7, al. c), do CIRS.
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Esta interpretação é a única que, no entender da FP (e da signatária do voto de vencida na decisão do CAAD de 26 de Setembro de 2022, proc93/2022-T), acautela o objectivo sagrado, neste contexto, da neutralidade fiscal – senão pensemos: os Advogados, os Revisores/Técnicos de Contas (pense-se nestas classes de profissionais) em prática da sua actividade através de uma sociedade (TF) veriam aberta a porta à "anulação" dos seus rendimentos em IRS (e do dos seus cônjuges/agregado familiar), designadamente, rendimentos oriundos de diversas fontes, e sem qualquer limite à invocada dedução, por via da aplicação de poupanças/capitais no capital de fundos de investimento [cfr. al. f) do art.º 37.º do CFI), enquanto que aos Advogados em prática individual (e seus agregados familiares) tanto fica vedado.
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Ainda, tendo em consideração os fins da TF, que também são, os de evitar a evasão e combater o planeamento fiscal ilegítimo, não se pode deixar de salientar que, no seio de um instituto pelo qual, desconsiderando-se a personalidade colectiva para efeitos de tributação do rendimento, também se pretendeu fazer face ao denominado "abuso de pessoa colectiva", uma fórmula como a seguida na douta sentença em recurso, revela, em alguma medida, a utilização do instituto da personalidade colectiva precisamente ao arrepio do visado pela TF – dito de outro modo, é utilizada a personalidade jurídica da sociedade em TF para se adquirir um direito a um BF que, de outro modo, não poderia adquirir-se (o BF vem previsto, vimo-lo, em sede de IRC e não em sede de IRS), que não se encontra ao alcance de SPs de IRS (ignoremos agora uma situação como a dos autos) e, depois, fazendo uso do mesmo instituto (TF) deduz-se, ademais sem um limite, ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (rendimento que contém - pode conter - em si tudo o que aflorámos - rendimento do agregado familiar oriundo de diversas fontes) o crédito de imposto originado, como vimos, em IRC. Terá tanto sido querido pelo legislador? 1.3.
Notificados da interposição do recurso e da sua admissão, vieram os Impugnantes (doravante Recorrentes) contra-alegar, formulando, a final, as conclusões que infra se reproduzem: «1.
A presente impugnação judicial foi deduzida pelos ora recorridos contra a liquidação de IRS processada pela AT relativamente ao ano de 2019, com desrespeito pela sua declaração de rendimentos Mod/3, e contra o subsequente indeferimento de reclamação graciosa apresentada.
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Vistas a petição inicial, a douta sentença em recurso, as alegações da Recorrente e as considerações do articulado supra – conclui-se que nos autos está unicamente em causa o julgamento sobre a aplicabilidade ou inaplicabilidade dos limites estabelecidos no art.º 78.º/n.º8 do CIRS aos benefícios fiscais reconhecidos em sede de IRC a sujeitos passivos de IRC e imputados aos sócios de sociedades transparentes nos termos do art.º 90.º/n.º 5 do CIRC.
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De todo, não está em causa a possibilidade de os sócios das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal se “apropriarem” do benefício concedido em sede de IRC.
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A decisão do tribunal a quo pronunciou-se pela inaplicabilidade de tais limites, acolhendo o pedido nesse sentido formulado pelos impugnantes/ora recorridos, que, com base nessa tese de inaplicabilidade, pediam a reforma da liquidação em crise, que a douta sentença determinou.
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A Fazenda Pública (FP), inconformada, veio recorrer, pugnando pela aplicabilidade dos limites e consequente manutenção da liquidação de IRS – imputando erro de direito à decisão de primeira instância.
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Todavia, nos reparos ao decidido, a Ilustre Representante da Fazenda Pública (RFP) limita-se (vejam-se as respetivas CONCLUSÕES) a manifestar a discordância com o sentido da decisão (logo na CONCLUSÃO 1), não concretizando qualquer erro de fundamentação da douta sentença ou de contradição entre os fundamentos e a decisão.
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E tanto bastaria para a improcedência do recurso, porque aqui o que está em causa não é o alinhamento dos argumentos que poderiam, na tese de quem assim pense, sustentar a liquidação controvertida – mas o julgamento sobre os supostos erros cometidos na decisão, para o que não chega afirmar que não se concorda.
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Não obstante, os recorridos não se dispensam de contraditar a posição exposta pela Ilustre RFP que, como compete, vem expressa nas CONCLUSÕES da sua alegação.
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Saliente-se, à partida, que as considerações que a Ilustre RFP faz sobre o regime das sociedades transparentes (apuramento da matéria coletável em sede de IRC e subsequente imputação dos rendimentos aos sócios para tributação destes, no caso em IRS) são irrelevantes para a sustentação sua tese de aplicação dos limites.
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Essas considerações ajudariam, se necessário, a sustentar a tese dos recorridos, porque do n.º 5 do art.º 90.º do CIRC decorre que o incentivo fiscal segue o regime da imputação do rendimento.
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O limite que a Ilustre RFP pretende ver aplicado e com cuja aplicabilidade os recorridos discordam está estabelecido no CIRS (art.º...
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