Acórdão nº 02373/07.5BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 16 de fevereiro de 2021 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., SA, visando o acto de liquidação de Imposto Municipal de Sisa e de Imposto sobre as Sucessões e Doações (doravante Sisa) e respectivos juros compensatórios, no valor global de € 191.492,00.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 196 a 226 do SITAF;

  1. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A..., S.A., melhor identificada nos autos, contra a liquidação de Sisa e respetivos juros compensatórios, no valor total de 121.992,00€, da qual foi notificada pelo ofício nº ...97, de 23.04.2007, do SF de Lisboa 3, e em consequência condenou a Fazenda Pública no pedido de anulação da liquidação de SISA e juros compensatórios impugnada nos autos.

  2. Em causa nos autos está a aquisição e posterior transmissão realizada pela Impugnante, ora Recorrida, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., e Rua ..., ... andares, sótão e saguão, inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...03 e a indagação do fim da mesma, nomeadamente, se o seu destino era a revenda ou não e se a alienação do imóvel teve ou não como destino novamente a sua revenda, de forma a aferir a legalidade da liquidação de Sisa em causa, nos termos do disposto nos artigos 11º, nº 3, 13º-A e 16º, nº 1, todos do CIMSISSD.

  3. Entendeu o Tribunal a quo que o negócio definitivo celebrado entre a Impugnante, ora Recorrida e a B..., o negócio de transmissão do imóvel celebrado a 13.08.2004 foi um contrato de compra e venda e não uma permuta, apesar de a designação do escrito assinado por ambos ser “Permuta” [ponto D) dos factos dado como provados].

  4. Daí, concluiu o Tribunal a quo que, uma vez que o valor que se pode atribuir à prestação em espécie, corresponde a apenas 8% do valor global do contrato, tal facto retira “de forma clara e indubitável, a natureza de permuta ao contrato celebrado (…) sendo a entrega das frações configurada como a prestação meramente acessória ou complementar”.

    Vejamos E) O Imposto Municipal de Sisa incidia sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis qualquer que seja o título por que se operem (cfr. art.º 1.º e 2.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD).

  5. O art.º 11.º n.º 3 do CIMSISSD isentava de Imposto Municipal de Sisa “as aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios revenda”.

  6. A isenção prevista no n.º 3.º do artigo 11.º depende do reconhecimento de que o adquirente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda, o que se afere através de uma certidão passada pela repartição de finanças competente, na qual conste que no ano anterior foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim [art.º 13.º-A do CIMSISSD].

  7. Já o art.º 16.º n.º 1, do CIMSISSD, refere que “As transmissões de que tratam os n.ºs 3.º, 8.º, 9.º e 12.º, alínea a), e 21.º, 26.º 30.º e 31.º do artigo 11.º e n.º 7.º do artigo 12.º deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente: 1.º Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda;”.

  8. Ora, aqui chegados, importa começar por referir que sendo certo que o nomen iuris atribuído pelas partes a um determinado contrato não é determinante para a respetiva qualificação, certo é que “Em 13.08.2004, junto do ... Cartório Notarial ..., Representantes da Impugnante e da B... assinaram o escrito denominado “Permuta” [Cfr. ponto D) dos factos dados como provados] J) Mas, ainda assim, analisemos o raciocínio levado a cabo na sentença ora recorrida de forma a concluir que o contrato definitivo celebrado entre a ora Recorrida e a B..., o negócio de transmissão do imóvel celebrado a 13.08.2004 se insere na categoria de contrato de compra e venda e não de permuta.

  9. Afirma o Tribunal a quo o seguinte, “Nos autos temos que a Impugnante adquiriu o prédio em questão em 30.12.2003 pelo preço de 1.700.000€, tendo em 13.08.2004 transmitido o mesmo pelo valor global de 2.494.000€, ou seja, com um “lucro” de 794.000€, (…)”, tendo o pagamento do preço fixado de 2.494.000€ sido realizado em dinheiro [no montante de 2.302.541€] e em espécie, através da entrega futura de quatro frações autónomas [correspondentes ao montante de 191.459€].

  10. Pelo que considera o Tribunal a quo que sendo percentualmente, atendendo ao valor global do negócio, a prestação realizada em dinheiro sobejamente superior à prestação em espécie, tal transforma o contrato em causa nos autos num simples contrato de compra e venda, exatamente porque “(…) a prestação pecuniária em causa nos autos é realmente a prestação principal do contrato, sendo a entrega das frações configurada como a prestação meramente acessória ou complementar”.

  11. De acordo com o ensinamento do Professor Inocência Galvão Telles in Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, página 469, os contratos mistos têm carácter unitário, resultando da fusão de dois ou mais contratos ou de partes de contratos distintos, ou da participação num contrato de aspectos próprios de outro ou outros (4 Vide, sobre este tema, o acórdão do STJ, de 12.09.2009, proferido no Processo n.º 09B0210, acessível em http://www.dgsi.pt).

  12. Em tal fusão, os elementos correspondentes a vários tipos contratuais agrupam-se de forma a realizar a função social unitária, ou formando um acordo pela conjugação de parte dos elementos de diversos contratos típicos, ou introduzindo elementos estranhos a uma determinada espécie contratual.

  13. Em qualquer das situações descritas, ocorre a fusão e não o simples cúmulo, sendo que o contrato misto é um contrato, composto por diversos tipos contratuais.

  14. No contrato misto, os diversos elementos contratuais distintos integram-se num processo unitário e autónomo de composição de interesses, aferido com base em dois critérios essenciais: um centrado na unidade ou pluralidade da contraprestação; outro alicerçado na unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação” – Ac. TRC de 8.01.2011, processo n.º 2022/08.4TBFIG.C1, disponível em www.dgsi.pt.

  15. Ora, sendo certo que a compra e venda é “o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou de outro direito, mediante um preço” [art.º 874.º CC] e que os seus elementos caraterísticos são a transmissão da propriedade e o preço [obrigatoriamente uma prestação pecuniária], certo é que as partes em causa, a ora Recorrida e a B... celebraram um contrato com as caraterísticas do contrato de compra e venda.

  16. No entanto, o facto de nesse mesmo contrato constarem igualmente elementos do contrato de permuta [considerando que parte do preço global, concretamente o montante de 191.459€ foi pago através da entrega das quatro frações], enquadra o mesmo na categoria de contratos mistos, contrariamente à posição do Tribunal a quo.

  17. Considera a doutrina (Nomeadamente Antunes Varela, em Das obrigações em geral, vol. I, pág. 293, 9.ª ed., Almedina, Almeida Costa, em Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, e Francisco Brito Pereira Coelho, em Contratos complexos e complexos contratuais, pág. 241-242, ed. de 2014, Coimbra Editora) que as situações em que uma das partes realizou duas prestações principais justapostas respeitantes a diferentes tipos de contratos [compra e venda e permuta], e a outra parte uma prestação unitária, estamos perante um negócio misto de compra e venda e permuta, na modalidade de contratos combinados (Ainda que as partes, além de efetuarem uma troca de bens, tenham incluído uma prestação em dinheiro, por aqueles bens não terem igual valor. Neste sentido, Menezes Leitão, em Direito das obrigações, vol. III, pág. 168, da 5.ª ed., Almedina, e Carlos Ferreira de Almeida, em Contratos II, pág. 133, ed. 2007, Almedina T) É certo que, face ao disposto no artigo 939.º do Código Civil, que manda aplicar as normas que regem a compra e venda aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens, onde se inclui o negócio de permuta, o regime deste contrato é o da compra e venda.

  18. Ainda assim, tal remissão legal não faz do contrato celebrado pelas partes, a ora Recorrida e a B..., um contrato de compra e venda, mantendo-se como um contrato misto de compra e venda e permuta, na modalidade de contratos combinados, ao qual se aplica “(…) na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas” as normas relativas ao contrato de compra e venda.

  19. No entanto, veja-se que esta remissão para o regime da compra e venda, ao abrigo do disposto no art.º 939.º do CC não tem aplicação no caso concreto, exatamente porque entra em contradição com a isenção ora em causa, prevista no art.º 11.º n.º 3 do CIMSISSD.

  20. A isenção prevista no art.º 11.º n.º 3 do CIMSISSD não se aplica a contratos mistos de compra e venda e permuta, na modalidade de contratos combinados, mas tão só a puros contratos de compra e venda.

  21. Ora, tal facto é totalmente independente da remissão feita pelo art.º 939.º do CC para o regime da compra e venda, uma vez que nada no referido regime permite a aplicação da referida isenção a contratos que não sejam de pura compra e venda.

  22. ...

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