Acórdão nº 01036/18.0BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução01 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

O “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. (Centro Distrital de Viana do Castelo)”, Réu na presente ação administrativa, interpôs recurso de revista do Acórdão proferido em 30/9/2022 pelo Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. fls. 224 e segs. SITAF), que lhe negou provimento ao recurso de apelação e confirmou a sentença proferida pelo TAF/Braga em 30/4/2020 (cfr. fls. 147 e segs. SITAF), que julgara procedente a ação, contra o mesmo instaurada pelo Autor AA, anulando o ato de 12/1/2018 pelo qual foram declaradas nulas as prestações atribuídas ao Autor, a título de subsídio de doença, nos períodos compreendidos entre 9/9/2013 e 6/1/2015 e 9/3/2015 e 26/3/2016.

  1. O Recorrente (“ISS, I.P.”) concluiu do seguinte modo as suas alegações no presente recurso de revista (cfr. fls. 256 e segs. SITAF): «1 – Apesar de o douto acórdão recorrido ter confirmado a douta decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, e por isso se ter duplicado o entendimento expendido, o presente recurso de revista é, ainda assim admissível, a título excecional, nos termos do previsto no artigo 150º do CPTA.

    2 – A questão em apreço possui pela sua natureza e âmbito, relevância jurídica ou social que se reveste de importância fundamental, sendo a pronúncia sobre a mesma imprescindível para que se obtenha uma melhor aplicação do direito.

    3 - A primeira questão jurídica controvertida nos presentes autos, reconduz-se à problemática da natureza dos atos praticados pelos gerentes, tendo em conta que a gerência é, por força da lei e salvo casos excecionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir atuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito, constituindo uma verdadeira atividade profissional ainda que composta por diversas tarefas profissionais.

    4 - A segunda questão que decorre imediatamente da primeira, resulta na possibilidade de os Moe (membros de órgãos estatutários) poderem aceder ao subsídio de doença praticando simultaneamente atos “esporádicos” próprios da sua atividade profissional ao arrepio do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 24º do Decreto – Lei n.º 28/2004 de 4 de fevereiro, sendo certo que para esse efeito não se determina a quantidade de atos praticados por cada beneficiário, violando-se ostensivamente a equidade e o principio da justiça entre os beneficiários do sistema de segurança social.

    5 - Para efeitos da presente revista importa esclarecer de acordo com o disposto no artigo 150º do CPA e, em concreto, dos pressupostos de admissão de recurso que o legislador ali consignou que a questão ora colocada à apreciação deste Supremo Tribunal reveste-se de importância jurídica e social fundamental e a admissibilidade do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    Com efeito, 6 - “O recurso de revista excecional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II – Cabe ao recorrente a alegação dos pressupostos de que depende a admissão liminar do recurso excecional de revista, pois não é evidente ou notório que a questão que coloca se reveste importância jurídica ou social fundamental ou que a admissibilidade do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.” In acórdão do STA de 7/01/2020, proferido no processo n.º 1423/11.5BEBRG0691/14, recurso de revista excecional, 2ª seção 7 - Como foi já consignado pelo STA o recurso de revista previsto no n.º 1 do artigo 150º “só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efetivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de motivos das Propostas de Lei n.º 92/VIII e 93/VIII, “válvula de segurança do sistema” que apenas deve ser acionada naqueles precisos termos”. In acórdão do STA de 4/08/2016, proferido no proc. n.º 0438/16, da 1ª seção.

    8 - Importa salientar que do ponto de vista do recorrente, atenta a sua missão, as suas competências e, em concreto a razão de ser da prestação em causa: subsídio de doença como prestação substitutiva dos rendimentos de trabalho, impõe-se uma particular justiça e equidade na correta atribuição da prestação por forma a acorrer àqueles que em razão da sua concreta situação de incapacidade efetiva para o trabalho não fiquem desprotegidos, sem acesso a qualquer rendimento por forma a poderem acorrer à satisfação das suas necessidades básicas com um mínimo de dignidade. Destacam-se aqui os princípios da legalidade e a prossecução do interesse público a que o recorrente está vinculado no exercício da sua atividade.

    9 - Para o recorrente vinculado ao cumprimento estrito do princípio da legalidade impõe-se tratar os beneficiários e contribuintes que se encontram nas mesmas circunstâncias do mesmo modo.

    10 – É fundamental para o recorrente que gere a carreira contributiva de milhares de beneficiários e contribuintes, garantir a determinabilidade, segurança e uniformidade na aplicação do direito, por forma a alcançar sempre a sua melhor aplicação.

    11 - Atentas as competências e responsabilidade social do recorrente o acórdão ora em crise põe em causa essa segurança, determinabilidade e uniformidade na aplicação do direito.

    12 - A proceder o entendimento ora expendido é posto em causa o princípio da igualdade entre os contribuintes que passam assim a ser tratados de modo diverso: uns não acedem à prestação de subsídio de doença, por terem praticado alguns atos próprios da sua atividade profissional, por violação da alínea c), do n.º 1, do Decreto – Lei n.º 28/2004, de 4/2, enquanto outros, na vigência da mesma norma, por praticarem tais atos, é-lhes garantido, ainda assim, o acesso à prestação, como seja o caso do recorrido.

    13 - Ao decidir situações idênticas o recorrente deve decidir aplicando critérios idênticos a todos os contribuintes sob pena de beneficiar uns em detrimento de outros.

    14 - Daqui resulta a pertinência do presente recurso e a sua relevância social e jurídica que se cruza com a determinabilidade, segurança e uniformidade na atuação do recorrente ao aplicar a alínea c) do n.º 1 do artigo 24º do Decreto – Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro por forma a que os beneficiários e contribuintes possam contar com os mesmos procedimentos que lhes confiram certeza e segurança nas relações jurídicas e também sociais.

    15 - Sem tal certeza e segurança a confiança dos contribuintes fica posta em causa e atuação do recorrente deixa de poder pautar-se por critérios de uniformidade.

    16 - A relevância jurídica da questão em apreço é essencialmente uma relevância prática consubstanciada nos casos futuros que certamente se multiplicarão com o precedente agora criado, no sentido de se uniformizar a aplicação do direito, evitando-se assim a disparidade de critérios perante contribuintes em iguais circunstâncias.

    17 - A relevância social nasce também do facto de o entendimento vertido no acórdão em crise, no que toca à interpretação concedida à alínea c) do n.º 1 do artigo 24º do Decreto – Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, conduzir à necessidade de clarificação atenta a repercussão nas decisões administrativas que, sucessivamente, vão ter de aplicar a referida norma aos beneficiários do subsistema previdencial da segurança social.

    18- Importa, pois, a intervenção do STA, para clarificar o modo de decisão dos processos de atribuição de subsídio de doença pendentes e futuros por forma a aquilatar-se da aplicação do preceito em causa em caso de prática de atos de gerência na pendência do recebimento de subsídio de doença 19 - A relevância social traduz-se na necessidade de aferir constantemente de situações semelhantes à dos autos, na aplicação sucessiva do normativo em questão encontrando-se o recorrente subitamente espartilhado por um entendimento que implica uma decisão diversa e contrária àquilo que os serviços do recorrente vêm praticando.

    20 - Impõe-se, pois, uma harmonização e clarificação para que as situações futuras possam ser decididas numa perspetiva de determinabilidade, segurança e uniformidade.

    21 - No caso concreto a necessidade da admissão do recurso prende-se, pois, com a interconexão dos aspetos sociais, decorrentes da repetição das mesmas situações e o risco evidente de não se decidir de modo uniforme mas, também pela errada aplicação do direito ou, pelo menos, por uma melhor aplicação do direito, sustentada pela prolação de uma decisão diversa da ora produzida, ao arrepio das normas em vigor.

    22- Pelo que entendemos estar preenchidos os requisitos constantes do artigo 150º do CPTA.

    23 - O acórdão ora crise sufraga a tese proferida em 1ª instância e reconduz a questão colocada à apreciação do TCAN a “saber se nos períodos em causa…o 1º de 9/09/2013 até 6/012/2015 e o 2º de 9/03/2015 até 26/03/2016…o A por ter recebido prestações de subsídio de doença também exerceu atividade profissional que o impossibilita de receber tais prestações, como decorre da al. c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto .- Lei n.º 28/2004, de 4 de Fevereiro”.

    24 - Não podemos concordar com tal posição, salvo o devido respeito e melhor entendimento, alheio aos princípios basilares do sistema de segurança social e das preocupações e responsabilidade social que o mesmo encerra e do elemento teleológico da norma que não pode ser afastado da preocupação em efetivar a proteção social na doença pelo subsistema previdencial, o qual provém das contribuições sobre os salários ou sobre os...

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