Acórdão nº 0604/13.1BALSB 0604/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução01 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

O Digno Magistrado do Ministério Público e o Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 14.05.2012 que anulou o despacho do Presidente da Câmara de 28.10.1999, dela vêm recorrer ao abrigo dos artºs. 102º a 106º LPTA, concluindo como segue: A – Recurso do Ministério Público: 1. A douta sentença recorrida evidencia erro de julgamento, desencadeado por deficiente interpretação do impugnado acto administrativo e traduzido na atribuição ao mesmo de um sentido decisório e alcance que, manifestamente, não corresponde ao seu; 2. Resulta clara e inequivocamente do texto da impugnada decisão administrativa que o indeferimento nela materializado assenta - conforme se consigna, aliás, no douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito destes autos - em duas específicas razões: I. Não poder licenciar-se para uma mesma parcela de terreno duas construções destinadas a habitação, a menos que se proceda ao fraccionamento do terreno por operações de loteamento ou de destaque',  II. Não ser possível proceder a qualquer destas operações naquela parcela de terreno, por a mesma estar integrada na RAN; 3. Não enfermando tal decisão administrativa do vício que a douta sentença lhe atribuiu (erro nos seus pressupostos de facto e de direito) e com base no qual a veio a anular; 4. Antes se encontrando a mesma em perfeita consonância com o enquadramento jurídico apontado como certo pela douta sentença recorrida para o tratamento da matéria nela dada por assente; 5. Sem prejuízo, ao não conhecer da questão sinalizada (como decisiva para a resolução do litígio em presença) no atrás mencionado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que declarou nula, por falta de fundamentação, a primitiva sentença, violou a douta sentença recorrida o comando contido no art° 660°, n°2, 1ªparte do CP Civil; 6. Omissão essa geradora da sua nulidade, nos termos do disposto no art° 668°, n°l, alínea d) do mesmo tipo legal; 7. Neste entendimento deverá a douta sentença recorrida ser declarada nula ou revogada e ordenada a prolação de outra, expurgada das atrás assinaladas falhas/vícios de que padece.

* B – Recurso do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia: A. A sentença recorrida decidiu anular o acto impugnado por entender que este padecia de erro nos pressupostos de facto e de direito; B. Fundou esta decisão na circunstância de o acto impor à recorrente contenciosa que procedesse a uma operação de destaque ou loteamento para que pudesse construir a edificação pretendida, operações essas proibidas pelo regime da RAN; C. O acto recorrido não tem o teor que dele extrai a sentença em crise, pois não impõe nada à recorrente, antes a informa que a edificação só seria possível se houvesse destaque ou loteamento, operações que são proibidas por Lei para o terreno em causa; D. Portanto, a sentença em crise padece de erro de julgamento, por fazer errada interpretação do teor do acto em crise; E. A sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão, pois que declara que naquele terreno é impossível qualquer destaque ou loteamento e anula o acto que decide precisamente o mesmo; F. A sentença é ainda nula por anular o acto com base em vício que não foi invocado pela recorrente contenciosa, que sempre aceitou que seria impossível haver destaque ou loteamento no seu terreno; G. E é também nula por violar o Acórdão deste Venerando Tribunal proferido anteriormente nos autos que circunscrevia o thema decidendum à questão de saber se seria exigível ou não um destaque ou loteamento no caso concreto em análise; H. Pelo exposto, a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento, por errada interpretação do teor do acto impugnado, incorre nos vícios constantes no art. 668°, n° 1, als. c) e d), e viola o disposto no art. 660°, n° 2 ambos do CP Civil, pelo que deve ser revogada.  Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que mantenha na ordem jurídica o acto impugnado, com o que farão Vas Exas, como habitualmente Justiça * A Autora, ora Recorrida contra-alegou e apresentou as conclusões que se transcrevem, prosseguindo na instância os Herdeiros habilitados por despacho de 29.01.2014 (fls. 281-182 dos autos): 1. O prédio da Recorrida é classificado como misto com uma única descrição registral, composto por uma casa de habitação inscrita na matriz sob o artigo urbano ...08 e por um conjunto de terrenos inscritos na matriz sob o artigo ...59 rústico.

  1. Constitui, pela sua utilização e destino social e económico um todo indiviso que também como um todo só pode ser transmissível. O seu fraccionamento está sujeito às regras legais da divisão material dos prédios.

  2. A casa de habitação do artigo urbano ...08 e a edificação licencianda a implantar nos terrenos inscritos na matriz do artigo rústico ...59, localizam-se dentro dos limites da área RAN, - e ainda que só a licencianda o estivesse, - dentro do PDM existente, na área designada por “Áreas de Salvaguarda - zona não urbana nem urbanizável.

  3. A ora Recorrida pediu o licenciamento da edificação a construir com o destino assinalado no processo administrativo, instruindo-o com o parecer prévio da Comissão Regional da Reserva Agrícola, que lhe concedeu autorização para a construção. Consultada a Direcção Regional do Ambiente/Norte pela Entidade Recorrente, a mesma também emitiu parecer favorável.

  4. Ao tempo do pedido de licenciamento da edificação a construir estava também em vigor o Dec-Lei 448/91 que nos seus artigos 5º e 8º só permitia as operações de destaque ou loteamento nas áreas classificadas como urbanas, urbanizáveis ou industriais.

  5. O despacho de 28/10/1999 contenciosamente anulado pela sentença ora em recurso, indeferiu a construção licencianda, por não poder licenciar-se na mesma parcela duas construções destinadas a habitação sem que se proceda ao fraccionamento do terreno por operações de loteamento ou destaque, operações estas que também não são permitidas por o terreno estar integrado na RAN.

  6. A construção duma edificação ao destino indicado nem sequer envolve o fraccionamento dum prédio ou parcela dele. Consequentemente.

  7. A sentença ora em recurso não merece a censura que os ora Recorrentes lhe imputam. O acto do despacho de 28/10/1999 ora anulado com o provimento do recurso contencioso, é que merece censura, ao indeferir a pretensão da Recorrida com a exigência da necessidade das operações de destaque ou loteamento para o seu deferimento em violação das já citadas disposições do Dec-Lei 196/89 n° 2 do artigo 9º, do PDM artigos 39 e 40, e do Dec. Lei 448/91 artigos 5º e 8º.

    Termos em que, deverá ser confirmada a sentença recorrida.

    * Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.

    * Em 1ª Instância foi julgada provada a seguinte factualidade: A. Em 05 de Março de 1999 a Recorrente requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia o licenciamento para a construção de uma “casa para pessoal agrícola localizada na Quinta ..., no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., com o nº de matriz rústico ...59 e urbano ...08, com a área total de 56.580...” - (cf. fl. 01 do PA e fls. 10 a 21 dos autos); B. Relativamente à situação da Recorrente, na reunião de 09/10/1998 da Comissão Regional de Reserva Agrícola de Entre Douro e Minho foi concedido parecer favorável à utilização de 150m2 de solo agrícola para a construção de uma habitação para caseiro (cf. fl. 02 do PA); C. A construção da moradia requerida pela Recorrente está implantada, em termos do PDM, dentro da Reserva Agrícola Nacional - RAN - (cf. fl. 04 do PA - parte final - parecer de 1999.04.14); D. Sobre a Informação nº 349/CJ do Departamento Jurídico do Município de V. N. Gaia, foi proferido pelo respectivo Presidente da Câmara Municipal, em 28 de Outubro de 1999, o despacho de indeferimento ao requerimento da Recorrente, notificada dos seguintes fundamentos: «1. Não é possível licenciar-se para uma mesma parcela duas construções destinadas a habitação, sendo necessário proceder ao fraccionamento do terreno ou, em alternativa, proceder a uma operação de destaque de parcela; 2. Sendo certo que não é possível proceder-se a uma operação de destaque ou de loteamento naquela porção de terreno uma vez que está integrada na Reserva Agrícola Nacional, o mesmo já não se poderá dizer quanto à parte restante da parcela, desde que se demonstrem cumpridos os condicionalismos impostos pela lei.» - (cf. fls. 13 a 16 do PA - parte final) - acto recorrido.

    Em via de apelação e ao abrigo do disposto no artº 662º nº 1 CPC/2013 (anterior 712º nº 1 a), 1ª parte) ex vi artº 1º LPTA amplia-se a matéria de facto com fundamento nos documentos constantes dos autos e do PA (vd. acórdãos do STA nºs 44424 de 08.07.99, 43455 de 23.09.99 e 44430 de 13.10.99) E. A Recorrente é dona e legitima possuidora de um prédio denominado Quinta ou ..., sito no lugar ..., Rua ... da freguesia ..., ..., descrito na Conservatória sob o nº ...50 do L° B - 65 correspondente à actual 02307/070499 da referida freguesia, como prédio misto, composto por uma parte urbana constituída por uma casa mais que centenária com área ajardinada envolvente, destinada a habitação da proprietária, inscrita na matriz sob o artigo ...08 urbano com a área coberta de 252 m2 e descoberta de 274 m2, e por parte rústica constituída por terrenos de cultura contíguos inscritos na matriz sob o artigo rústico ...59 com a área de 51.700 m2 e, ainda por um outro terreno de cultura, separado destes por estrada municipal, inscrito na matriz sob o artigo rústico ...9, com a área de 4.880 m2 – docs. fls. 10 a 21 dos autos.

    F. Com excepção de uma pequena área de arvoredo de bravio, a parte rústica está destinada à exploração agrícola da fruticultura com instalação de um pomar de...

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