Acórdão nº 11/22.5T8TCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução30 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. AA, BB, CC, DD, todos residentes em ..., EE, residente em ..., FF, e GG, residentes em ..., todos por si e na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de HH, intentaram acção declarativa contra II e JJ, casados, residentes em ..., peticionando que: a) Ser declarado que a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de HH, é dona e legítima proprietária do prédio identificado no anterior artigo 10º; b) Serem os RR condenados a reconhecerem a propriedade plena da herança ilíquida e indivisa sobre o referido prédio; c) Serem os RR condenados a reconhecer que o seu prédio identificado no anterior artigo 14º se encontra onerado com uma servidão a pé e por veículos de tração mecânica, com a largura de 2,5 metros e o comprimento de 12 metros, na extrema sudeste do seu prédio, constituída por destinação de bom pai de família, ou, d) Subsidiariamente e caso assim se não entenda, serem os RR. condenados a reconhecerem o direito de passagem dos AA, nos moldes identificados na anterior alínea c), constituído por usucapião; e) Serem os RR condenados a reconhecerem que tal servidão parte da Rua ... e se inicia pelas aberturas identificadas no anterior artigo 39º e segue o percurso identificado no anterior artigo 46º, até atingir a abertura do prédio da herança identificada no anterior artigo 34º; f) Serem os RR. condenados a repor a configuração inicial das entradas elencadas no anterior artigo 39º, mantendo as mesmas livres e desimpedidas; g) Serem os RR condenados a absterem-se, por qualquer forma ou meio, de impedir, limitar, dificultar ou perturbar o direito de livre acesso e passagem dos AA. pelo percurso identificado no anterior artigo 46º; h) Serem os RR condenados a pagar à 1ª A. a quantia de 3.500 €, por conta dos danos morais sofridos por estes.

Alegaram, em síntese, que os prédios dos quais os autores e réus são proprietários advieram de um mesmo prédio mãe (actualmente prédios confinantes), tendo a 1ª autora, juntamente com o seu falecido marido, exercido actos de posse sobre o prédio do qual se arrogam proprietários, isto desde os inícios da década de 70, local onde edificaram a sua habitação. Referem que aquele prédio lhes foi doado verbalmente pelos seus anteriores proprietários, razão pela qual, face aos actos de posse exercidos e ao período temporal durante o qual os mesmos ocorreram, consideram ser a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu marido sua legitima proprietária, invocando para o efeito a aquisição pela via da usucapião. Referem igualmente que o seu prédio sempre foi composto por duas aberturas, uma delas em frente à fachada da residência aí edificada (estrema nascente), e a outra junto à estrema norte, a qual tem a dimensão de 7,10 metros e não tem contacto com a via pública, acedendo à mesma através de uma passagem (melhor identificada quanto à sua configuração na petição inicial) que se iniciava junto à entrada para o prédio dos réus e desembocava junto à aludida entrada na estrema nascente. Referem que essa passagem e aberturas existem há mais de 40 anos, sempre tendo passado pela mesma a pé e de veículos de tracção. Sucede que os réus têm vindo a impedir a passagem dos autores no aludido caminho de acesso ao prédio do qual se arrogam proprietários, colocando obstáculos no seu trajecto e um portão junto à entrada de acesso ao mesmo, situação que se mantém até à presente data. A 1º A. sofreu danos morais com tal conduta.

Em momento posterior, vieram os autores referir que no dia 29 de Janeiro de 2022 os Réus procederam à colocação de pedras de granito na parte onde desembocava a servidão de passagem em causa, fazendo um muro a separar o prédio dos autores do prédio dos réus. No mesmo acto, retiraram os paralelepípedos que se encontravam a pavimentar a aludida passagem. Como consequência de tal conduta dos Réus, peticionam que: a) Serem os RR condenados a remover as pedras identificadas no anterior artº 3º e consequentemente o muro construído no dia 29 de janeiro de 2022 e a repor a passagem como a mesma se encontrava antes das citadas obras; b) Serem os RR. condenados como litigantes de má-fé e, por via disso, a pagarem uma indemnização aos AA. de valor nunca inferior a 3.000 € e no pagamento de uma multa a fixar.

Os réus contestaram, aceitando parte da factualidade alegada pelos utores na sua petição inicial, mas impugnando aquela que contende com a aquisição do direito de propriedade sob o prédio identificado no artigo 10º daquele articulado, assim como a matéria que contende com a alegada constituição da servidão de passagem que os autores afirmam onerar prédio dos réus. Referem, ainda, que os autores, a terem acedido ao seu prédio através do prédio dos réus, apenas o terão feito por razões de familiaridade e boa vizinhança, ou seja, por mera tolerância. Concluem que a acção deverá ser julgada totalmente improcedente. Vieram, ainda, os réus pugnar pela improcedência do pedido adicionado pelos autores, alegando que as obras entretanto realizadas no local se deveram a um mero exercício legítimo do seu direito enquanto proprietários daquele prédio.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi admitida a ampliação do pedido nos termos exarados pelos autores no seu anterior requerimento sob a referida a).

* A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em conformidade decidiu: a) Reconhecer que a Herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de HH e aqui representada pelos AA, é proprietária do prédio descrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ..., do concelho ..., sob o artigo ...11, composto de casa de habitação, quintal e um anexo, que confronta do nascente com estrada e a norte com II e mulher JJ, tendo esse direito sido adquirido por usucapião; b) Condenar os RR a reconheceram que o prédio inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo ...87, sito à ..., limite da freguesia ..., do concelho ..., se encontra onerado com uma servidão de passagem a pé e de veículos de tracção mecânica, a favor do prédio rústico descrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ..., do concelho ..., sob o artigo ...11, composto de casa de habitação, quintal e um anexo, pelo traçado identificado nos pontos 19 3 23 da matéria de facto dada como provada, tendo a servidão sido constituída por usucapião; c) Condenar os RR a manter o acesso à servidão identificada em b) livre e desimpedida, bem como a remover as pedras identificadas no ponto 37 da matéria de facto dada como provada e na reposição integral da faixa de terreno como antes se encontrava antes dos factos descritos no ponto 38 da matéria de facto provada; d) Absolver os RR dos demais pedidos deduzidos pelos AA.

* 2. Os RR recorreram, tendo formulado a seguintes conclusões: F.1) Quanto à matéria de facto 1. Não se consideram de relevo para o presente recurso os factos considerados como provados na decisão recorrida constantes dos factos provados de 1º a 15º e ainda 28º e seguintes.

  1. Quanto aos factos provados de 16º a 18º eles não dizem respeito à servidão pretendida pelos autores, mas sim ao acesso direto da casa do artigo 10º à via pública, sendo por isso irrelevantes.

  2. Relativamente aos factos provados de 19º a 23º devem também ter-se como irrelevantes para a decisão do presente recurso na medida em que a abertura a que se reportam, resulta da vedação do prédio dos réus, com a colocação de um portão, factos ocorridos há cerca de 1 ano.

  3. Contudo, quanto aos factos 19º a 22º, não estão sequer incluídos nos temas de prova e por isso não podem ser considerados provados seja qual for o seu significado, sob pena de nulidade, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

  4. Com o acréscimo de que, quanto ao trânsito de alfaias e outras máquinas agrícolas, não foi produzida qualquer prova, pelo que, por cautela, deverá alterar-se a matéria de facto dando-se como não provado o trânsito destes equipamentos, no facto dado como provado em 22º.

  5. Os factos provados de 24 a 27 deverão ser dados comos não provados, na medida em que não foi produzida qualquer prova quanto à existência de sinais visíveis e permanentes reveladores da servidão.

  6. Assim como, não foi produzida qualquer prova sobre o animus possidendi referido no facto provado 17º, devendo este dar-se como não provado, porquanto erradamente se pretende abranger no mesmo o exercício da servidão de passagem a que os autos se reportam.

  7. Devendo para estas alterações de facto ter-se em conta o âmbito de toda a prova produzida ou não produzida, mas particularmente as declarações de parte da autora BB constante o habilus 10/11/2022 12:02:17 a 12:14:00, folhas 1 a 8 e pela marca da incredibilidade o depoimento de KK, habilus 10/11/2022 15:24:31 a 15:36:44, folha 78.

  8. Ademais, não foi alegado ou provado qualquer facto que permitisse concluir que a passagem efetuada pelos réus se referia a uma posse efetiva num direito de servidão.

  9. E pretendendo os autores demonstrar que o trânsito para o atual prédio dos réus remonta há época em que a D.ª AA e seu marido criaram os seus filhos na casa do art. 10º, necessariamente por mera tolerância do dono da parte onde veio a ser construída a casa dos réus, 11. não alegaram e muito menos provaram qualquer facto que permitisse concluir pela inversão do título de posse, pelo que a passagem pelo prédio dos réus era necessariamente precária e fundada na mera tolerância destes, nos termos do art. 1290.º do CC.

  10. Posição esta reforçada pelo facto de os autores terem procurado evidenciar com a exibição de uma planta camarária que o seu terreno se alargava para o dos réus precisamente sobre a faixa por onde exerciam a passagem - logo não havia animus possidendi de passagem sobre o prédio alheio.

  11. Sendo o instituto da usucapião fundado na comunhão de dois requisitos (corpus e animus), não se encontram reunidas as condições, nos termos do art. 1287.º e 1290.º do CC.

    F.2) Quanto à matéria de direito 14. A constituição de direitos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT