Acórdão nº 4778/20.7T8STB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução30 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes 1.º Adjunta: Cristina Neves 2ª Adjunta: Teresa Albuquerque Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A..., Lda., propôs, contra B..., Lda., acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da última: A) - no pagamento dos prejuízos causados à A. no valor de € 39.862,50, e juros que se vencerem desde a data da citação até ao efectivo pagamento; B) - no pagamento do valor de € 41.413,98 correspondente ao lucro que a A. deixou de ter com uma obra que deixou de executar por culpa da Ré, e juros que se vencerem desde a data da citação até ao efectivo pagamento; C) - no pagamento de €18.000,00, correspondente ao valor médio do lucro bruto de, pelo menos, uma obra que a A. deixou de executar no futuro, por culpa da Ré, e juros que se vencerem desde a data da citação até ao efectivo pagamento; D) - no pagamento de € 25.000,00 que é o valor mínimo em que a A. contabiliza os danos na sua reputação profissional e comercial provocados por culpada Ré, e juros que se vencerem desde a data da citação até ao efectivo pagamento; Fundamentou esta pretensão no facto de o condomínio do prédio sito na Avenida ... em ..., localizado junto ao mar, lhe ter adjudicado trabalhos de pintura das fachadas, das paredes laterais e da cobertura do edifício, tendo consultado a ré - que produz e comercializa tintas para pintura de edifícios e faz parte de uma empresa multinacional com mais de 20 fábricas, uma das quais em Portugal, para fabrico de tintas e produtos conexos, com facturação na ordem dos muitos milhões de euros - com vista à aquisição e utilização das tintas que fabrica, ré que lhe recomendou o primário FX 526 e a tinta PX 505, que produz e comercializa, materiais que comprou a um fornecedor que aquela lhe havia indicado, de ter realizado a obra, com início em 6 de Março e conclusão em Junho de 2019, em boas condições climatéricas, não tendo chovido durante a sua execução e de acordo com os procedimentos indicados pela ré, de a tinta se ter empolado e destacado por o primário aplicado não ser o adequado, pelo que terá de refazer toda a pintura da fachada e de outras partes do edifício, o que se traduz num prejuízo de € 39 862,50, tendo perdido, por causa do mau aspecto com que ficou o edifício, a execução de uma obra em prédio contíguo, e com a má publicidade, a angariação de outra obra e sofrido danos na sua reputação comercial no valor de € 41 413,98, € 18 000,00 e € 25 000,00, respectivamente.

A ré afirmou, na contestação, aceitou os factos relativos ao seu objecto social e à sua integração numa empresa multinacional, mas impugnou todos os demais factos articulados pela autora, por não serem do seu conhecimento, não corresponderem inteiramente à verdade ou estarem em contradição com a sua versão dos factos, já que quando solicitada pelos clientes presta, sem qualquer custo ou remuneração, aconselhamento dos produtos da sua gama e que os empolamentos da tinta estão relacionados com factores que alteram as características do primário FX 526 durante o processo de aplicação ou secagem, dado que a autora, contrariando a recomendação técnica que lhe deu, de que a aplicação do primário deve ser feita em condições de temperatura e humidade normais, iniciou a obra pela fachada frontal, entre os meses de Março e de Abril, fase do ano em que há bastante humidade no ar, nomeadamente noturno, com fortes maresias, devendo a obra ser protegida das humidades, por forma a que se verificasse a completa secagem do primário.

Proferido o despacho saneador e selecionados os temas da prova, a autora ofereceu articulado superveniente, alegando que, depois da propositura da acção, voltou a pintar o edifício, essencialmente a fachada principal, utilizando produtos da empresa C..., e a montar andaimes, raspou as zonas e áreas a reparar para remover o primário, o que ocasionou o desprendimento do revestimento e do reboco das parses, tornando necessário o seu preenchimento e alisamento que, para além da pintura, foi necessário aplicar tinta de areia e argamassa, tendo ficado impedida de se propor realizar outras obras ou de terminar as em curso por ter tido de deslocar para o local uma equipa de trabalhadores e suportado, com licenças e taxas, € 240,70, não tendo recebido do condomínio o valor normal que lhe seria devido, nem o valor dos trabalhos adicionais realizados.

Na resposta, a ré limitou-se a alegar que o articulado é inadmissível e que factualidade nele invocada não tem interesse para a decisão da causa.

Admitido o articulado superveniente e a ampliação do pedido, selecionados os temas e da prova e realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa - proferida pelo Sr. Juiz de Direito do Juízo Central ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - depois de assentar em que, no primeiro momento, vínculo ou dever jurídico impedia sobre a R. no sentido de estar obrigada a dar alguma recomendação, conselho ou informação, que a partir do momento do início da aplicação de tais produtos, a questão já se desloca do âmbito dos conselhos, recomendações ou informações, e desloca-se para a aplicação de tais produtos, e que competia á A. provar que na aplicação dos produtos produzidos pela R., utilizados em obra, haviam sido observadas as especificações do local, que havia conferido protecção à fachada do edifício, acautelando a maresia noturna, que, sendo como o é do conhecimento comum atinge toda a orla costeira, seja em que altura do ano for, circunstância que até determinou a A. a efectuar consulta prévia junto da Ré, o que não logrou fazer - absolveu a R. dos pedidos.

É esta sentença que a autora impugna no recurso, no qual pede a sua revogação, tendo extraído da sua alegação, com o propósito de inculcar a sua falta de bondade, as conclusões seguintes: I- Os factos constantes das alíneas A, C, H, I, e J) do art° 20.° destas Alegações devem ser tidos como factos provados, na medida em que se devem considerar assentes por acordo, já que, em qualquer um deles, a mera impugnação genérica por parte da Ré não cumpre o disposto no art° 574, n° 1 do CPC, sendo até que no caso dos dois últimos, os documentos juntos no articulado superveniente com os n° 1 e n° 2 fazem prova dos factos alegados.

II- Ao assim não ter considerado, a douta sentença violou também o disposto no artigo 574, n° 2 do CPC, bem como o art° 607, n° 3 e n° 4 do mesmo código.

III- De todo o modo, e se assim não se entendesse, a verdade é que aqueles factos devem ser considerados essenciais, não sendo aceitável, por insuficiente, a fundamentação constante da sentença para os dar como não provados, em clara violação do disposto no art° 607, n° 3 e n° 4, do CPC, devendo, quanto a eles, operar o disposto no art° 662, n° 2, al. d) do mesmo código.

IV- Constando da própria sentença que a utilização e aplicação dos produtos da Ré foram executados de acordo com os termos constantes dos mesmos (das suas embalagens, presume-se), então, não é aceitável que seja considerado como não provado esse facto com uma simples menção de tabela, que não fundamenta, e que viola a obrigação que impende sobre o juiz de fundamentar as suas decisões, tal como enunciado no art° 607, n° 3 e n° 4, do CPC.

V- Os factos constantes das alíneas D, E, F, G, do art° 20 deste articulado[1], devem ser considerados como provados, e corresponder à derivação do facto provado e constante do ponto 32 da douta sentença, sob pena de estarmos perante uma decisão cronologicamente ilógica, para além de não levar em conta os documentos juntos com o articulado superveniente (documento n° 1), consubstanciando uma deficiente análise e apreciação crítica prova, em desrespeito do art° 607, n° 3 e n° 4, do CPC.

VI- O facto constante da alínea J9 do art 20.° deste articulado deve ser considerado por provado por traduzir a sua confissão expressa por parte da Ré, tal como decorre do n° 2 da contestação apresentada por aquela; ao não se ter considerado, a douta sentença violou o disposto nos art° 352 e 358 do código civil.

VII- Pelas razões acima aduzidas, e ao contrário do enunciado na douta sentença recorrida, deve ser considerado que a relação estabelecida entre a A. e Ré deriva de um contrato de compra e venda celebrado entre as partes, ou, pelo menos, deriva da celebração de um contrato inominado ou atípico, englobando características de vários contratos, nos termos do art° 405.° e 874.°, do código civil.

VIII- A Ré na venda efectuada dos seus produtos à A. actuou numa relação de comitente face à entidade que vendeu esses produtos à A.

IX- A douta sentença recorrida faz uma errada aplicação do art° 485 do código civil, e, ao não considerar que a compra dos produtos da Ré lhe foi efectuada, viola, por omissão, o disposto no art° 500 do código civil.

X- A douta sentença recorrida, ao impor o ónus da prova à A., aplica também erroneamente o art.° 342 do código civil, e viola o disposto no art° 799 do mesmo código.

XI- Ao não condenar a Ré pelos prejuízos causados à A., a douta sentença recorrida viola o art° 562.° e 798, ambos do código civil.

XII- Ao não ter considerado os orçamentos apresentados pela A. como medida da indemnização a pagar pela Ré, a douta sentença recorrida, fez uma errada aplicação do art° 446 do CPC, e violou o disposto nos art° 562 e 568 do código civil.

XIII- Ao não ter, pelo menos, condenado a Ré a pagar a indemnização devida à A. com o recurso à equidade, a douta sentença violou, por omissão, o disposto no art° 566, n° 3 do código civil.

XIV- Por último, ao não ter condenado a Ré pelos prejuízos causados à sua reputação e possibilidade de angariar outros trabalhos, logo, mais rendimentos, a sentença peca por uma errada análise crítica da prova - na medida em que foi alegado, e provado, pela A. que esses trabalhos eram consequência, também, do bom trabalho prestado noutras obras, o que, no caso não aconteceu.

XV- Nessa conformidade, e se se considerasse que não havia os elementos suficientes, devia a sentença ter-se...

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