Acórdão nº 167/21.4T8TCS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução30 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes 1.º Adjunta: Cristina Neves 2ª Adjunta: Teresa Albuquerque Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

No processo de inventário judicial, que, para por termo à comunhão do património hereditário de AA e cônjuge, BB, falecidos nos dias .../.../1995 e .../.../2001, respectivamente, corre termos no Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, no qual são interessados CC e DD, que exerce as funções de cabeça-de-casal, este relacionou, entre outros bens, como bens próprios da inventariada, os seguintes: - Verba 32.^: ta do depósito à ordem n.° ...OO, sediada na Caixa Geral de Depósitos, SA, no valor de € 1 939,89: - Verba 33.^: ta da conta poupança com o n.° ...61, sediada na Caixa Geral de Depósitos SA, no valor de € 8 000,44.

O cabeça-de-casal relacionou ainda, sob a verba 36., como bens doados ao co-interessado, no dia 14 de Dezembro de 2020, a quantia de € 8 000,00.

O interessado CC reclamou contra a relação de bens, pedindo que os saldos das contas bancárias sejam relacionados pela totalidade, na exacta medida em que as quantias nelas depositadas foram-no pela inventariada com exclusão de outrem, e a eliminação da verba n.° 36, por não consubstanciar qualquer doação a seu favor.

O cabeça-de-casal, DD, respondeu que o reclamante reconhece expressamente que a quantia relacionada sob a verba n.° 36 lhe foi entregue em 14 de Dezembro de 2020, questionando apenas a qualificação jurídica de tal acto, que os € 8 000,00 se mantêm em seu poder e que se entende que tal quantia não lhe foi doada, deverá disso informar os autos para que a possa incluir na relação de bens como activo da inventariada, ainda a partilhar, pese embora em seu poder, e que nenhuma alteração deverá ser efectuada nas verbas n°s 32 e 33.

Na diligência de produção de prova testemunhal, realizada no dia 30 de Novembro de 2022, o interessado CC, requereu que, por reporte às verbas n.°s 32 e 33 da petição inicial a notificação da Caixa Geral de Depósitos para vir informar de que origem eram os depósitos efectuados nas contas e a quem pertencia o dinheiro nessas contas depositado.

Porém, o Sr. Juiz de Direito - ouvido o cabeça-de-casal, que se opôs ao requerimento - com fundamento em que o requerimento é manifestamente extemporâneo, que, tratando-se de contas também co-tituladas pela inventariada, tendo a possibilidade de o requerer e apresentar em juízo, pelo que só na eventualidade da instituição financeira recusar prestar a informação pretendida é que, então aí, se mostraria justificada a sua requisição por intermédio do Tribunal e, por fim, que a informação pretendida não se mostra idónea a demonstrar, per si, a propriedade dos valores titulados naquela conta bancária - indeferiu o requerimento.

Finalmente, por decisão de 29 de Dezembro de 2022, notificada às partes no dia 4 de Janeiro de 2032, o Sr. Juiz de Direito, com fundamento em que, não tendo o reclamante, como lhe competia, ilidido a presunção de que os valores depositados nas aludidas contas pertenciam em partes iguais aos seus titulares, e que não tendo o cabeça-de-casal provado a existência da doação, julgou improcedente e procedente, respectivamente, a reclamação, pelo que determinou a exclusão da doação da relação de bens.

É esta decisão - e só esta decisão - que o reclamante e o cabeça-de-casal impugnam através de recurso independente e subordinado, respectivamente.

O reclamante - que pede no seu recurso a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que ordene a remessa das partes para os meios comuns com vista a aferir da propriedade do dinheiro depositado nas contas bancárias ou, quando assim se não entenda, que sejam as verbas n.°s 37 e 38 relacionadas pela totalidade do saldo e não por metade - rematou a sua alegação, oferecida no dia 8 de Janeiro de 2023, com estas conclusões: I. Quanto à questão da propriedade do dinheiro existente nas contas bancárias dadas como provada nos pontos 7 e 8 da matéria de facto, o Tribunal não se podia ter socorrido da presunção derivada do art.° 516.° do C. Civil, a qual apenas pode ser aplicada no caso de contas solidárias, mas já não no caso de contas conjuntas (Ac. T.R.L. de 12-02-2015, Proc. n.° 189/11.3TBFUN.L1-6 e Ac. T.R.C. de 04.10.2011, Proc. n.° 1233/09.0TBAVR.C1). Sendo certo que, no caso dos autos, nada foi dado como provado quanto a tal questão. Pelo que, o Tribunal não podia ter-se sorrido da referida presunção e com base nela julgar improcedente a reclamação à relação de bens deduzida no que concerne à questão da propriedade da totalidade do dinheiro da inventariada, invocada pelo aqui recorrente.

  1. Dizer-se como faz o Tribunal, “a quo” na fundamentação da douta sentença recorrida, que “terá igualmente de se julgar improcedente a matéria que contende com a propriedade dos valores depositados nas contas bancárias das quais a inventariada era co-titular, tendo sido relegada para matéria de facto não provada que a mesma fosse proprietária da sua totalidade”, é meramente conclusivo, genérico e desprovido de qualquer fundamento de facto, já que o Tribunal não diz, em concreto, porque é que tal factualidade foi dada como não provada. Pelo que, deve a douta sentença recorrida ser declara nula e de nenhum efeito, ao abrigo do disposto no art.° 615.°, n.° 1 al. b) do C. P. Civil.

  2. O Tribunal violou o princípio da descoberta da verdade material e da igualdade de armas previstos nos arts.° 4.° e 6.° do C:P. e os arts.° 1105.°, n.° 3 e 1093.° do C.P.C, pois que, caso entendesse que da prova testemunhal arrolada pelo reclamante e produzida não resultou, de modo suficientemente esclarecida a questão relativa à propriedade do dinheiro, então, atento o que foi dito pelas testemunhas, e em vez de lançar mão de uma presunção judicial - que não é um meio de prova - deveria ter ordenado a produção de outras diligências de prova que entendesse necessárias a esse fim, por se tratar de questão complexa, mormente, deveria ter ordenado que se oficiasse à respectiva entidade bancária para informar os autos sobre a natureza das contas bancárias (se eram conjuntas ou solidárias); a data em que foram constituídas e data em que passaram a ser tituladas pela inventariada e pelo cabeça-de-casal; o saldo da conta existente nessa data em que passaram a ser tituladas por ambos e quais os depósitos efectuados nas referidas contas bancárias desde a data em que passaram a ser tituladas por ambos. Sendo certo que, IV. essa produção de prova “ex officio” pelo Tribunal encontrava-se mais do que necessária e do que justificada, para além do mais, à vista das diligências de prova cuja produção foi também próprio Tribunal que entendeu serem necessárias e pertinentes quanto à prova de determinada factualidade alegada pelo outro interessado/cabeça-de-casal, e que, ordenou, oficiosamente, por via do despacho com a referência 29501613, do dia 28.06.2022.

Acresce que, V. conjugando outras regras da lógica e da experiência comum com a matéria de facto dada como provada os pontos 1, 2 e 3, com o assento de nascimento do cabeça-de-casal junto como doc. 4 à p.i. e com a afirmação vertida no art.° 2.° do seu requerimento com a referência Citius 40140084, onde declara ser casado com EE desde 24.07.1999 e que residem um com o outro na Rua ..., ... ..., é de concluir que: 1. é com o respectivo cônjuge, com quem é casado há mais de 22 anos e com quem vive em economia comum, que o interessado e cabeça-de-casal DD será titular de contas bancárias onde o casal comum recebe os proventos do seu trabalho e aforra as suas economias; 2. a titularidade em comum, de contas bancárias, entre pais e filhos, mormente quando já não são conviventes uns com os outros, deve-se a uma questão de facilidade e simplificação na movimentação do dinheiro nelas existente à hora da morte dos pais, com vista a ultrapassar os formalismos legais exigidos pelas instituições bancárias para que os herdeiros possam levantar o dinheiro; 3. a ideia generalizada que existe, mormente, entre as pessoas mais idosas e menos letradas e as que residem em meio rural e “mais atrasado”, de que caso a conta bancária não tenha mais que um titular para poder ser movimentada após a morte, o dinheiro depositado fica para o Banco.... Pelo que, VI. como se deixa demonstrado, não foi com segurança e muito menos, de forma fundamentada, quer do ponto de vista da prova, quer do ponto de vista legal, que o Tribunal julgou a reclamação à relação de bens no que concerne à propriedade do dinheiro existente nas contas bancárias dadas como provadas nos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada, a qual requer aturada e complexa indagação e produção de prova, que não se coaduna com a prova testemunhal que, de forma sumária e aligeirada, foi produzida nos autos. Pelo que, o Tribunal deveria ter concluído pela impossibilidade de decidir, nos presentes autos de inventário, a questão relativa à propriedade do dinheiro depositado nas contas bancárias, não ter dado como não provada factualidade vertida na al. f), e ter ordenado a remessa das partes para os meios comuns.

Por seu lado, o cabeça-de-casal - que pede no recurso subordinado a revogação da decisão recorrida na parte em que determinou a exclusão da doação relacionada sob a verba n.° 36.° da relação de bens e a sua substituição por outra que mantenha tal verba - encerrou a sua alegação com as conclusões seguintes: I - Salvo o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo em determinar a exclusão da doação relacionada sob a verba n.° 36 da relação de bens, não merecendo a douta e bem elaborada sentença sob apreciação qualquer reparo ou censura adicional.

II - Sem prejuízo do infra exposto, salvo o devido respeito, a sentença sob apreciação não merece reparo ou censura na parte impugnada pelo Recorrente CC, apresentando-se bem discorrida e fundamentada, firmada na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, na Doutrina da especialidade e na factualidade efectivamente apurada...

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