Acórdão nº 1856/21.9T8LRA-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução30 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório Em autos de inventário para partilha do património comum dos ex-cônjuges (após divórcio) AA (cabeça de casal) e BB, ambos com os sinais dos autos, veio, em 15/10/2021, “A... SGPS, S. A.

”, também com os sinais dos autos, em intervenção espontânea – invocando a sua qualidade de credora –, apresentar, nos termos do disposto no art.º 1088.º, n.º 1, NCPCiv., reclamação à relação de bens oferecida por aquela cabeça de casal.

Para tanto, invocou que: - a Reclamante é titular de um crédito sobre aquele BB, que ascende a vários milhões de euros, na sequência de uma ação arbitral intentada contra este, por incumprimento de um acordo parassocial celebrado aquando da reestruturação do “Grupo B...”, anteriormente detido e gerido por tal BB; - assim, este último foi condenado, em 28/10/2020, no pagamento de € 2.500.000,00, acrescidos de dois terços dos encargos do processo de arbitragem, pagamento esse a que não procedeu, sendo que o crédito ascende ao total de € 3.270.827,64; - em face do não pagamento por BB, foi instaurada ação executiva pela Reclamante/credora contra aquele, a qual segue a normal tramitação – tendo existido já penhora de bens comuns –, também contra a aludida AA (aqui cabeça de casal), mediante dedução de incidente de comunicabilidade da dívida, que corre termos; - a Reclamante/credora tomou recentemente conhecimento da existência destes autos de inventário para partilha do património comum, os quais constituem uma «reiterada tentativa de BB e AA se furtarem aos seus credores», tendo aqueles omitido o processamento do inventário à luz do disposto no art.º 1135.º do NCPCiv., pelo que existe erro na forma de processo e incompetência por conexão, devendo os autos de inventário ser tramitados por apenso ao processo executivo em curso; - a instauração deste inventário, no âmbito do art.º 1133.º do NCPCiv., pela cabeça de casal, quando sabia perfeitamente que existia já o aludido processo executivo em curso, com penhora já de bens comuns do casal e incidente de comunicabilidade da dívida, teve como motivação a fuga aos credores e a dissipação do seu património; - tanto mais que a cabeça de casal nem sequer relacionou o crédito aludido, havendo fortes indícios de que aqueles BB e AA continuam a atuar concertadamente para prejudicar os credores, âmbito em que se insere a realização de ato cirúrgico de partilha de património, dissipando-o dos seus credores, como aconteceu com um único bem imóvel, adjudicado àquela AA, que imediatamente o «alienou» à filha de ambos CC, o que tudo mostra que estão verificados todos os requisitos da forma de processo especialíssima prevista no art.º 1135.º do NCPCiv., assim ocorrendo erro na forma de processo; - o aludido incidente de comunicabilidade de dívida – onde se decidirá se a execução recairá sobre os bens comuns do casal ou apenas sobre os bens próprios e meação dos bens comuns do executado BB –, é imprescindível para a consolidação do passivo do casal no presente inventário, existindo ainda – para além do crédito aqui em causa – credores hipotecários e outro, perfazendo um passivo total de cerca de € 5.295.784,15, muito superior ao ativo (de si, muito sobreavaliado) –, o que justifica a suspensão da instância no inventário, nos termos do disposto no art.º 272.º, n.º 1, parte final, do NCPCiv.; - a Reclamante é credora de BB pela aludida quantia de € 3.270.827,64, reclamando, assim, o seu crédito neste inventário, sendo que ainda nada recebeu na execução mencionada; - é aplicável o regime de comunicabilidade previsto no art.º 1691.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., tratando-se, pois, de uma dívida comum; - a relação de bens apresentada pela cabeça de casal não se encontra completa nem correta, seja quanto a verbas, seja quanto a avaliações, constatando-se que o ativo se encontra sobreavaliado, sendo o valor do passivo superior ao daquele; - do passivo relacionado, não consta o crédito da Reclamante, pelo que deve ser corrigida a relação de bens.

Concluiu assim: «a. Deverá ser declarado o erro sob a forma de processo e declarado nulo todo o processado, nos termos do artigo 193.º, n.º 2 do CPC; b. Deverá ser declarada a incompetência do Tribunal e ordenada a remessa do processo para o tribunal competente, nos termos dos artigos 578.º e 104.º, n.º 1, alínea c) ambos do CPC; c. Deve ser considerada suspensa a instância nos termos do artigo 272.º n.º 1 do CPC; d. Deverá ser considerada procedente a presente reclamação e ser reconhecido o Crédito da Credora, da responsabilidade de ambos os cônjuges, no montante de EUR 3.270.827,64, passando este a constar da relação de bens; e. Deverá ser corrigida a relação de bens nos termos explanados no Capítulo VI supra; f. Deverá condenar a AA e o BB em litigância de má fé, numa multa exemplar, nunca inferior a EUR 50.000,00, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) a d) do CPC.».

AA (cabeça de casal) deduziu resposta, concluindo: - pela ilegitimidade da Reclamante/credora, visto o invocado crédito corresponder a alegada condenação apenas de BB, sendo este apenas quem figura como executado na referida execução, ao que acresce que a dívida não pode ser considerada comum, mas própria daquele BB, que não era comerciante, mas administrador de sociedades, agindo por conta destas, e não em proveito comum dos cônjuges, que já se encontravam separados de facto ao tempo dos factos mencionados na sentença arbitral; termos em que o invocado crédito não deve ser relacionado no processo de inventário, não tendo a Reclamante legitimidade para deduzir a sua reclamação [por não ser interessada nos termos do disposto no art.º 1085.º, n.º 2, al.ª b), do NCPCiv.], com a consequência da respetiva rejeição, por manifesta inadmissibilidade; - pela inexistência de erro na forma de processo, tratando-se de um processo de inventário decorrente de divórcio (art.º 1133.º do NCPCiv.), iniciado em 14/05/2021, quando a Cabeça de Casal ainda não tinha sido notificada de qualquer penhora de bem comum, inexistindo também nulidade processual; - pela improcedência da exceção de incompetência relativa por conexão e do pedido de suspensão da instância, posto, ademais, não haver motivo justificado para tanto, apesar do incidente de comunicabilidade da dívida, visto a execução correr termos unicamente contra BB, não sendo o ex-cônjuge sujeito executado nesses autos, termos em que, a haver suspensão, essa será do processo de execução (até à partilha, nos termos do disposto no art.º 740.º, n.º 2, do NCPCiv.) e não do processo de inventário; - pela improcedência, em qualquer caso, da reclamação de créditos deduzida, tal como da impugnação da relação de bens, para que também não tem legitimidade a Requerente, e do deduzido incidente de condenação por litigância de má-fé.

Por decisão datada de 26/01/2022, foi julgada totalmente improcedente a reclamação apresentada.

Inconformada, a Reclamante/credora recorre do assim decidido, apresentando alegação, onde formula as seguintes Conclusões ([1]): «A. O presente recurso é interposto da Sentença Recorrida, nos termos da qual o Tribunal a quo (i) declarou a improcedência das questões excecionais de erro na forma de processo e de incompetência do tribunal; (ii) indeferiu o pedido de suspensão da instância; (iii) indeferiu o reconhecimento do crédito da recorrida AA em montante identificado; e (iv) declarou a ilegitimidade da Recorrente para participar no Processo de Inventário.

  1. A Recorrente não se pode conformar com tal decisão no que respeita à solução de direito por este adotada, impondo-se, conforme se demonstrará melhor infra, a revogação da Sentença Recorrida.

  2. O presente Processo de Inventário em curso, bem como todos os atos de disposição de bens levados a cabo pelos Recorridos são-no em dissipação de garantias dos credores, entre os quais a Recorrente, Credora de um crédito no valor de EUR 3.270.827,64.

  3. O próprio divórcio dos Recorridos e os atos de partilha cirúrgicos que antecedem o presente Processo de Inventário inserem-se na estratégia de atuação em prejuízo dos credores levada a cabo pelos Recorridos.

  4. O Processo de Inventário em curso, ao surgir apenas após a propositura da ação executiva pela Recorrente no dia 15.12.2020, faz parte de uma estratégia intencional dos Recorridos visando perturbar a execução em curso para pagamento do crédito da Recorrente através de adjudicações estratégicas, sonegação de bens e/ou violação das regras da partilha.

  5. Cumpre sublinhar que o Recorrido BB, empresário comercial da indústria cerâmica, foi condenado, em Sentença Arbitral, a pagar à ora Recorrente a quantia de EUR 2.500.000,00, a título de cláusula penal - Cláusula 19.2 do Acordo Parassocial -, pela prática de atos ilícitos concorrenciais que praticou entre os anos de 2015 a 2017, em violação do dever de não concorrência, em prejuízo das sociedades do Grupo C... e em benefício de um Grupo Paralelo de empresas familiares concorrentes.

  6. Entre as empresas familiares concorrentes destaca-se a D..., tendo como beneficiários efetivos os Recorridos BB e AA e como administrador de facto o Recorrido BB que ordenou o desvio de argilas do Grupo C... a favor da D..., bem como que diversos colaboradores de várias empresas do Grupo C... prestassem trabalho à D... a expensas do Grupo C....

  7. Estes ilícitos, praticados entre 2013 e 2017, foram apurados no âmbito de uma auditoria forense levada a cabo pela reputada auditora independente PricewaterhouseCoopers (PwC), tendo sido também considerados provados, em detalhe, em várias decisões dos Tribunais Estaduais já transitadas em julgado.

  8. Todos os referidos desvios e proveitos advenientes dos ilícitos referidos ocorreram com proveito comum do casal ocorreram durante a pendência do matrimónio e no exercício pelo Recorrido BB de uma atividade comercial da indústria cerâmica.

  9. Em plena demonstração do comportamento sistemático e fraudulento de sonegação de bens levado a cabo pelos Recorridos, o qual indicia...

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