Acórdão nº 3166/19.2T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução30 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO “A..., S.A.

” propôs ação de reivindicação de propriedade, sob a forma de processo comum ordinário, contra AA e BB também estes melhor identificados nos autos, sendo que, por recurso, foi admitida a intervenção principal provocada do lado passivo de “B..., Unipessoal Lda.

”.

Alegou a A., em síntese, que: É dona e legítima proprietária de determinado prédio urbano que melhor identifica, aquisição essa efetuada por escritura pública de 19 de Dezembro de 2019 pelo preço de € 505.100,00 no âmbito de determinado processo de insolvência.

Tal imóvel, que se trata de um empreendimento de 10 moradias em banda inacabada, em que não ficou constituída a propriedade horizontal, foi adquirido livre e devoluto de pessoas e bens.

Cerca do ano de 2018 a A. verificou que uma das moradias do aludido empreendimento se encontrava a ser ocupada pelo R. AA, sendo-lhe solicitado que abandonasse a referida habitação.

O que não aconteceu, estando aquele imóvel a ser ocupado pelo R. conhecido e por outros que desconhece, não podendo a A. dele tirar o proveito a que tem direito e nada sendo pago à A. o que lhe causa prejuízos.

Várias vezes foram os RR. interpelados para abandonar a moradia o que têm recusado.

A ocupação é assim ilegal e ilegítima, sendo que caso fosse arrendado tal casa poderia render cerca de € 500,00 por mês.

Termina pedindo: - declarar-se a A. como dona e legítima proprietária do imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial, com a consequente condenação dos RR. a restituírem-no à A. livre, devoluto e em bom estado de conservação e perfeitas condições.

- Condenarem-se os RR. ao pagamento de uma indemnização de € 500,00 por mês correspondentes ao valor da ocupação a contar desde 22 de Maio de 2018.

- Condenarem-se os RR. ao pagamento das quantias vincendas até efetiva restituição da moradia, e no pagamento de uma indemnização a título de “eventuais” danos causados pela utilização e deterioração do imóvel.

* Foi citado o R. AA, bem assim o Ministério Público em representação dos RR. incertos.

Apresentarem contestação conjunta o R. acima referido e a R. BB.

Em síntese referiram que a R. BB em 2015 quando passava perto do empreendimento a que alude a A., reparou que na segunda moradia a contar do lado esquerdo de quem está de frente para o prédio estava escrito na parede “vende-se com preço bom” e o número de telemóvel.

Estando a R. interessada em adquirir habitação própria, contactou com o sr. CC das “B...”, manifestando interesse na aquisição, dizendo-lhe este ter aquela moradia à venda.

Na sequência de conversações entre ambos, acertaram o preço da moradia e a forma de pagamento, tendo o CC informado a R. de que a moradia era sua e que o direito de retenção sobre a mesma lhe tinha sido reconhecido numa ação que correu termos no Tribunal ... e já transitada em julgado, sendo que por questões formais que se prendiam com o facto de a moradia ainda não estar registada em nome da sociedade não podiam assinar a escritura.

Foi assim celebrado um contrato promessa, e na data da assinatura do mesmo foi entregue à R. a referida moradia por aquela sociedade, tendo a mesma começado a pagar o preço estipulado na promessa, a saber € 250,00 por mês durante 10 anos.

Logo a R. passou a habitar a moradia nela e a expensas suas levou a cabo várias obras para a tornar habitável.

A partir de Junho de 2018, a R. deixou de liquidar os valores de € 250,00 por mês à “B...” em virtude de ter sido contactada por terceiros que a informaram estar a usar ilegalmente tal habitação, tendo ainda assim liquidado o valor total de € 9.250,00.

A A. conhecia o direito de retenção daquela moradia reconhecido à “B...”.

Tendo assim a R. direito a reter a mesma.

Em reconvenção para o caso de proceder a acção, pede a R. se lhe reconheça o direito de retenção, já que a mesma é titular perante a A. de um crédito de € 30.000,00, acrescido de benfeitorias no valor de € 13.213,24.

Requereu a intervenção principal provocada da Sociedade “B... Unipessoal Lda.”.

* Houve réplica da A. à contestação/reconvenção, onde entre o mais arguiu a caducidade do direito de retenção, impugnou os factos da reconvenção e não aceitou o pedido de intervenção.

* Após recurso, foi admitida a intervenção da Sociedade “B... Unipessoal Lda.”.

Citada, a Interveniente contestou, referindo ter a posse da moradia ocupada pelos RR. o que lhe foi reconhecido em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, por via do direito de retenção de que gozava sobre o mesmo, facto este do conhecimento da A.

Reconvindo argui o seu direito de retenção, pedindo seja o mesmo reconhecido até lhe ser pago o valor do seu crédito o qual resulta de sentença proferida em processo de insolvência.

* Replicou a A., em termos que aqui se dão por reproduzidos.

* Foi proferido despacho saneador, no qual se fez cessar a intervenção do Ministério Público reconhecendo-se legitimidade à R. BB para a demanda, atribui-se valor à causa, admitiram-se as reconvenções, indicou-se o objeto do litígio e os temas da prova, e bem assim os róis probatórios.

* Realizou-se, por fim, a audiência de discussão e julgamento, dentro do estrito formalismo legal, tal como consta das respetivas atas.

Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, nomeadamente que gozando a A. do registo a seu favor do prédio ajuizado, importava começar por previamente declarar a A. como proprietária do mesmo, mas sendo os RR. absolvidos do pagamento àquela de qualquer indemnização pela ocupação e utilização respetiva, acrescendo que não tinha a R. direito a reter a moradia porquanto apesar de deter a coisa e possuí-la há mais de cinco anos, as despesas que fez na mesma foram feitas de má-fé, donde era a A. absolvida do pedido de condenação a reconhecer o crédito da R. e pagamento a esta de determinado montante [por não haver qualquer melhoria para a A. das despesas feita por aquela], bem assim improcedendo o alegado direito de retenção invocado pela R., como igualmente improcedia o pedido de cancelamento do registo da aquisição da propriedade a favor da A. [também por não existir registo de qualquer “moradia” a favor dela], e que, por outro lado, ainda improcedia o direito de retenção formulado pela Interveniente, o qual não se lhe reconhecia, indo a A. absolvida também do pagamento de qualquer quantia a essa Interveniente, pelo que, «Aqui chegados, há que ordenar, após trânsito em julgado da presente sentença, a restituição à A. pelos RR. livre e devoluta de pessoa e bens, da moradia ocupada pelos mesmos», termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”: « IV- DECISÃO i- Julga-se a acção parcialmente procedente e consequentemente: a) condenam-se os RR. AA, BB e a Interveniente B... Unipessoal Lda. a reconhecer a A. A... S.A. como proprietária do prédio urbano situado em Caminho ..., com a área total de 3600m2 e que correspondente a parcela de terreno para construção, registado sob o nº ...21 da Conservatória do Registo Predial ..., e onde se encontram fisicamente implantadas dez moradias.

  1. Condenam-se tais RR. a restituir à A., após trânsito em julgado da presente sentença, livre e devoluta de pessoa e bens, a moradia ocupada pelos mesmos, a qual é a segunda moradia a contar do lado esquerdo de quem está de frente, e que está implantada no prédio urbano registado sob o nº ...21 da Conservatória do Registo Predial ..., situado em Caminho ..., com a área total de 3600m2 e que correspondente a parcela de terreno para construção, moradia essa que tem actualmente o número 10 B da Rua ....

  2. Absolvem-se os RR. do demais peticionado.

    ii- Julgam-se as reconvenções da R. e da Interveniente totalmente improcedentes e nessa sequência: e) absolve-se a A. de todos os pedidos reconvencionais deduzidos pela R. e pela Interveniente.

    * Custas da acção em 30% a cargo da A. - parcialmente vencida - e em 70% a cargo dos RR. e da interveniente - sendo que a R. BB litiga com apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo (artigo 527º do CPC).

    Custas da reconvenção da R. BB Yakovyshym, a seu cargo, sem embargo do apoio judiciário com que litiga (artigo 527º do CPC).

    Custas da reconvenção da Interveniente a seu cargo (artigo 527º do CPC).

    * Registe e Notifique.

    » * Inconformada com essa sentença, apresentou a Ré BB recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1 – O ponto 6 dos factos provados ser alterado e, em face da prova documental autêntica constante dos autos e apreciada pelo Tribunal a quo, passar a constar do mesmo que a C... foi declarada insolvente por sentença de 16 de maio de 2007.

    2 - O Tribunal a quo julgou, de forma incorreta, provado o Facto 12.1, pois foi produzida prova no sentido de que, à data da celebração do acordo indicado em 12, a Ré NÃO sabia que o bem objeto desse acordo não pertencia à Interveniente B....

    3 - Foi produzida prova de que a Ré estava convicta de que a moradia objeto desse acordo pertencia às B..., tendo-lhe esse direito sido reconhecido por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

    4 – Assim, resulta do teor das suas declarações que a Ré, aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda com traditio, estava convicta de que a moradia objeto desse contrato tinha sido atribuída à Interveniente, para pagamento de um crédito que a mesma tinha, decorrente da construção daquele prédio – Vide declarações gravadas sob o registo áudio do julgamento do dia 17/10/2022, Início 15h01m e Fim pelas 15h25m, gravadas entre os 03 minutos e 23 segundos e os 04 minutos e 05 segundos e entre os 20 minutos e 29 segundos e os 20 minutos e os 40 segundos do suporte do registo áudio.

    5 - Mais resulta provado que a Ré estava convencida, quando outorgou o contrato promessa e até à citação para os termos da presente ação, de que o direito da Interveniente B..., Lda. sobre a referida 2.ª moradia, objeto do...

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