Acórdão nº 0759/19.1BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Maio de 2023
Data | 31 Maio 2023 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.
A..., S.A. (antes, A..., Sociedade Unipessoal, Lda.), …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, em 29 de novembro de 2022, que julgou improcedente impugnação judicial, trazida a juízo “na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação apresentada contra o ato de liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), referente ao ano de 2018, no montante total de 757.036,22 €, efetuada pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV)”.
A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: « A. O presente recurso é interposto contra a Sentença proferida no dia 29 de Novembro de 2022, no âmbito dos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto da Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 759/19.1BESNT, que julgou improcedente a pretensão da ora RECORRENTE e, em consequência, determinou a manutenção na ordem jurídica do acto tributário impugnado, atinente à TSAM do ano de 2018.
-
Ora, não pode a RECORRENTE conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica o acto tributário impugnado, o qual, como se demonstrará, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.
-
Designadamente, entendeu o Tribunal a quo que, relativamente ao vício da não discriminação orçamental das receitas da TSAM, “(…) foi cumprida a imposição constitucional de especificação das receitas que, como acima deixámos dito, é muito menos exigente relativamente às receitas do que às despesas. Note-se que, para efeitos de determinação da alegada ilegalidade abstrata aqui suscitada pela Impugnante não releva a falta de inscrição especificada das receitas provenientes da TSAM nas restantes Leis do Orçamento do Estado, porque, não dizendo respeito ao ano de 2018, não é suscetível de inquinar o ato impugnado nos presentes autos. Razões porque, nos termos e com os fundamentos acima expostos, inexiste qualquer violação dos princípios da transparência, da unidade e da universalidade.
”.
-
Deste modo, entendeu o Tribunal a quo não anular o acto de liquidação da TSAM do ano de 2018, pelo que não pode a RECORRENTE conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica o acto tributário impugnado, o qual, como se demonstrará, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser revogado e substituído por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.
-
Conforme melhor demonstrado na Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, a IMPUGNANTE defende que o acto de liquidação controvertido se encontra inquinado dos vícios de ilegalidade abstracta e de inconstitucionalidade (indirecta), na medida em que constitui a concretização de normas violadoras da regra da discriminação orçamental, corolário do princípio da especificação orçamental, decorrente do disposto no artigo 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto – e nos artigos 15.º e 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, aplicável a partir de 2015 – e, ainda, do disposto no artigo 105.º, n.º 1, da CRP.
-
Com efeito, entende a IMPUGNANTE que a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, ao dispor que a receita da TSAM é consignada ao FSSAM, encontra-se inquinada de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, e de inconstitucionalidade, por violação de norma constitucional, pois que a receita da TSAM não se encontra devidamente especificada, como se impunha, na Lei do Orçamento do Estado para 2018, ano da liquidação da TSAM objecto da presente Impugnação Judicial.
-
Veja-se que, decorre do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, que a receita obtida com a cobrança deste tributo devia encontrar-se reflectida, e suficientemente discriminada, no Mapa V, que integra as "receitas dos serviços e fundos autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo", ou, pelo menos, no Mapa VI, que integra as receitas dos serviços e fundos autónomos por classificação económica.
-
Da mesma forma, a norma constante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, padece dos mesmos vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade ao criar um tributo que viola, desde o momento da sua criação, a regra da discriminação orçamental.
I. Conforme acima referido, o princípio, e regra orçamental, da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.º a 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo, também, expressamente, da própria CRP a imposição de uma “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos” (cfr. artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP).
-
A LEO goza, como é sabido, de valor reforçado, prevalecendo sobre todas as normas que estabeleçam regimes particulares que a contrariem (cfr. artigo 4.º do supra citado diploma).
-
Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos o subprincípio, ou regra orçamental, da especificação, a par das regras orçamentais da não compensação e da não consignação.
L. Ora, de acordo com a regra orçamental da especificação, o orçamento deve individualizar suficientemente as receitas, sendo que esta regra orçamental integra duas proibições expressas: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas; e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento.
-
Refiram-se a este título, as palavras de J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, quando, ao pronunciarem-se acerca da função constitucional do orçamento, ensinam que esta deverá “(…) funcionar como plano financeiro do Estado aprovado pela AR, exigindo, pois, a especificação não só de cada uma das fontes de receita mas também das despesas, suficientemente desagregadas para permitir que a decisão da AR e o controlo público sejam eficazes.
” (cfr. GOMES CANOTILHO, J. e VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, p. 1109).
-
Neste sentido, também, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.°s 206/87, de 17 de Junho de 1987, e 624/97, de 21 de Outubro de 1997, referem-se, a este propósito, que "o processo democrático de determinação das opções financeiras, ao nível do orçamento, impõe que as receitas e as despesas autorizadas sejam minimamente desdobradas. Só assim, o Parlamento, dando expressão à vontade popular, pode realmente autorizar as «entradas» e «saídas» que em conjunto, numa ótica técnico-contabilística das finanças públicas, constituem o Orçamento".
-
Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO, quer na versão de 2001, quer na versão de 2015, preveem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional.
-
Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que mais releva para os presentes autos, estabelece o artigo 17.º da LEO de 2015, que “As receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento” (cfr. também artigo 8.º da LEO de 2001).
-
Como sustenta ANTÓNIO SOUSA FRANCO, as classificações a que obedece a especificação de receitas encontram-se vinculadas “a um princípio de tipicidade legal, cuja violação determina inconstitucionalidade no caso das classificações funcionais e orgânicas – in genere, e ilegalidade, no caso das mesmas classificações in specie e da classificação económica (receitas e despesas correntes e de capital e suas espécies)” (cfr. SOUSA FRANCO, A. L. – Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, p. 353).
-
Sucede, porém, que a TSAM – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente orçamentada, de acordo com a regra...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO