Acórdão nº 097/13.3BEBJA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução31 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela A..., SA, com os sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 04/03/2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou improcedente a impugnação que intentara das liquidações adicionais de Imposto de Selo, relativas aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, e respetivos juros compensatórios, no montante global de 834.875,39 €.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A..., SA as seguintes conclusões: a. O dissenso que motiva o presente recurso prende-se com a errada interpretação, conjugação e aplicação do n.° 3 do artigo 7.° do CIS, da Portaria n.° 150/2004, de 13 de fevereiro, e dos artigos 18.° e 63.° a 65.° do TFUE, a qual se encontra vertida na sentença proferida pelo Tribunal a quo, onde se concluiu que “(...) pelo facto de a acionista única “B... Company Limited “, e signatária do contrato de suprimento, deter sede em Chipre, país que nos exercícios em análise [i.e., 2008, 2009 e 2010], consta do ponto 17 da Portaria n.° 150/2004, de 13 de fevereiro, portaria a que se refere o n.° 3 do artigo 7.º do CIS, e ainda porquanto era nos exercícios fiscais em apreço país membro da União Europeia, não configura motivação para exclusão de tributação da operação em questão. E nem se pode concluir pela violação dos aludidos princípios consagrados no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia face à localização da operação em território nacional.“ b. Em linhas gerais, a sentença sub judice apresenta erros de julgamento a quatro níveis distintos, a saber: i) erra ao não compreender a manifesta discriminação contra uma entidade residente num Estado-Membro da União Europeia nem delimitar devidamente as restrições à livre circulação de capitais e liberdade de estabelecimento, interpretando e aplicando o direito incorretamente; ii) erra ao não compreender e extensão material destas liberdades e sua relação com os princípios da proporcionalidade e não discriminação enquanto bitolas de avaliação da legalidade das restrições que lhes sejam introduzidas, interpretando e aplicando o direito incorretamente; iii) erra ao ignorar e contrariar a jurisprudência firme, vasta e consolidada do TJUE no sentido de serem incompatíveis com direito europeu quaisquer normas específicas anti abuso inilidíveis e de natureza automática; e, por último, iv) erra ao não compreender nem aplicar como lhe competia o instituto do reenvio prejudicial.

Vejamos então mais detalhadamente cada uma destas dimensões, i) Do erro na interpretação e aplicação do princípio da livre circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento c. Conforme antecipado supra, o n.° 3 do artigo 7.° do CIS, conjugado com a Portaria n.° 150/2004, de 13 de fevereiro, na interpretação e conjugação que lhe foi dada pela sentença proferida pelo Tribunal a quo viola ostensivamente o princípio da livre circulação de capitais e a liberdade de estabelecimento, nos termos em que estes se encontram consagrados nos artigos 63.° e 49.° do TFUE, respetivamente.

  1. Iniciando-nos pela livre circulação de capitais, resulta da jurisprudência constante do TJUE que se devem qualificar como restrições aos movimentos de capitais quaisquer medidas suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados — neste sentido, veja-se, a título de exemplo, Acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, EU:C:2007:804, n.° 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, EU:C:2011:61, n.° 50; de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.° 28; e de 26 de fevereiro de 2019, X GmbH, C 135/17, EU:C:2019: 136.

  2. Ora, in casu, está em causa a aplicação de uma restrição de uma isenção de Imposto do Selo prevista para suprimentos concedidos por sociedades-mães às suas subsidiárias / filiais, se o acionista for residente fiscal num “país, região ou território sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável”, conforme delimitado por intermédio de Portaria, significando isto uma inequívoca diferença de tratamento fiscal entre: i) sociedades residentes em Portugal detidas por acionistas residentes em Portugal, em Estados-membros da União Europeia e, bem assim, em países terceiros não incluídos na Portaria n.° 150/2004, de 13 de fevereiro; e, por outro lado, ii) sociedades residentes em Portugal detidas por acionistas residentes em países identificados nesta Portaria; estando as primeiras potencialmente isentas de Imposto do Selo nos suprimentos que obtenham junto dos seus acionistas, ao passo que as segundas se encontram irremediavelmente sujeitas e não isentas de Imposto do Selo.

  3. Por conseguinte, é irrefutável que uma sociedade (como a ora Recorrente A…) detida por uma acionista-única residente num país incluído na Portaria n.° 150/2004, de 13 de fevereiro à época dos factos (como a B..., no caso dos autos, residente no Chipre), está neste âmbito sujeita a um tratamento fiscal mais gravoso do que uma sociedade que seja detida por acionistas residentes em Portugal ou num qualquer outro país da União Europeia ou mesmo país terceiro não incluído nesta Portaria. Na data dos factos aqui em causa, o artigo 7.°, n.° 3 do CIS, conjugado com a Portaria n.° 150/2004, de 13 de fevereiro, dissuadia manifestamente a detenção de participações de uma sociedade portuguesa por uma acionista com residência fiscal no Chipre, que era — e é —, recorde-se, um Estado-membro da União Europeia desde 2004, desincentivando, também, a obtenção de financiamentos junto deste acionista.

  4. Como tal, em linha com a jurisprudência pacífica do TJUE e contrariamente ao que o Tribunal a quo entendeu, é manifestamente claro que as normas de direito interno aqui em causa introduziam uma evidente restrição à livre circulação de capitais — cfr. neste sentido, a título de exemplo, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, EU:C:2006:774, n.° 64; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, EU:C:2011:61, n.° 80; de 26 de fevereiro de 2019, X GmbH, C-135/17, EU:C:2019:136; de 24 de novembro de 2016, C..., S.A., C-464/14, EU:C:2016:896; e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Conpany, C-190/12, EU:C:2014:249.

  5. As normas aqui em causa introduziram igualmente uma evidente restrição à liberdade de estabelecimento, tal como consagrada no artigo 49.° do TFUE, na medida em que, à data dos factos, o n.° 3 do artigo 7.° do CIS e a Portaria n.° 150/2004, de 13 de fevereiro, na interpretação, conjugação e aplicação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo, implicavam um tratamento fiscal mais gravoso no estabelecimento de filiais em território português por entidades residentes do Chipre, um Estado-membro da União Europeia, violando assim de forma ostensiva a liberdade de estabelecimento.

  6. Sendo notória a existência de restrições à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento potencialmente violadoras do Direito Europeu, o passo seguinte passa por aferir se tais restrições poderiam ser admitidas ao abrigo dos princípios da proporcionalidade e não discriminação.

    ii) Do erro na interpretação e aplicação dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação iza avaliação da legalidade das restrições aos princípios da livre circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento j. Iniciando-nos pela livre circulação de capitais, cumpre sublinhar que, como assinala a doutrina (Cfr., Miguel Gorjão-Henriques, Ob. Cit., pág. 628.

    ) e como tem sido delimitado pela jurisprudência constante do TJUE, uma restrição à livre circulação de capitais só pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, designadamente a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, e, nesse caso, se for adequada para garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e desde que não vá além do que é necessário para o alcançar, nem introduza discriminações arbitrárias (cfr., neste sentido, acórdãos de 11 de outubro de 2007, ELISA, C-451/05, EU:C:2007:594, n.°s 79 e 82; de 23 de janeiro de 2014, DMC, C-164/12, EU:C:20 14:20, n.° 44; e de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.° 64).

  7. Como se indica no acórdão de 26 de fevereiro de 2019, X GmbH, C-135/17, EU:C:2019:136, “Com efeito, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.o, n.° 1, alínea a), TFUE não devem constituir, de acordo com o n.° 3 deste mesmo artigo, um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada. O Tribunal de Justiça considerou, por conseguinte, que essas diferenças de tratamento só podem ser autorizadas se disserem respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou, no caso contrário, quando forem justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, EU.C:2000:294, n.º 43,. de 7 de setembro de 2004, Manninen, C-319/02, EU:C:2004:484, n.° 29; e de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C-182/08, EU:C:2009:559, n.º 68)” — itálico, negrito e sublinhado nosso.

  8. Ora, in casu, constata-se que o financiamento de uma sociedade residente em Portugal, como é o caso da Recorrente, por uma acionista-única residente no Chipre é plenamente comparável ao financiamento de uma sociedade residente em Portugal por uma acionista-única também residente neste território ou em qualquer outro Estado da União Europeia ou mesmo um qualquer outro Estado terceiro não incluído na Portaria n.° 150/2004, de 13 de fevereiro.

  9. Por conseguinte, é inequívoco que estamos perante uma discriminação completamente arbitrária, fundada no mero facto de a acionista-única da Recorrente dispor de residência fiscal num Estado-Membro da União...

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