Acórdão nº 5215/20.2T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução15 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Carlos Moreira 1.º Adjunto: Rui Moura 2ª Adjunto: Fonte Ramos ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

AA, instaurou contra BB, ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu: A condenação da ré a reconhecer: i) que é dona e possuidora dos prédios que identifica; ii) que adquiriu o direito à água, por servidão lega de aqueduto, sem qualquer limitação, decorrente da compra que fez em 1979, comprovada por escritura pública, ou por usucapião, direito que onera o prédio da ré que identifica; iii) a condenação da ré a desobstruir a boca da mina de água, e a efetuar os trabalhos necessários que permitam a sua reposição e o encaminhamento da água para o tanque e a não praticar quaisquer atos que impeçam esse direito da autora à água que nasce no prédio da ré.

Alegou: É dona quer dos prédios em causa que identifica, seja por os ter adquirido e beneficiar do registo a seu favor, seja por os haver como tal há cinquenta anos, quer da água que nasce no prédio da ré e é conduzida, ora a céu aberto ora encanada, até chegar a um tanque construído para a armazenar no prédio da autora.

A ré, a 15 de Novembro de 2020, soterrou a mina e assim veio, propositadamente, a impedir que a autora recebesse a água dali proveniente, e conclui como já referido.

A ré contestou.

Disse que a mina foi soterrada há mais de vinte anos, tendo-se transformado num tanque subterrâneo, e desde então secou, não mais a autora tendo colhido a água em disputa, apenas beneficiando de água que provem de outro prédio que não é pertença da ré.

A autora realizou trabalhos para aceder à mina soterrada.

Pediu: A improcedência da ação e, em reconvenção, que a autora seja condenada a deixar o prédio da ré no estado em que se encontrava.

Em réplica, a autora reafirma o alegado na petição, e contesta o invocado pela ré.

  1. Prosseguiu a ação os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Julgo a presente acção provada e procedente, pelo que a) Declaro que a autora, AA, adquiriu, sem qualquer limitação temporal, o direito à água que abastece o seu prédio, direito esse que onera o prédio da ré, BB; b) Declaro que a mesma autora adquiriu, por usucapião, servidão legal de aqueduto e de acompanhamento a pé, que oneram o mesmo prédio da ré, quanto ao rego encanado e subterrâneo que vai desde a mina, no prédio da ré, até ao tanque no prédio da autora; c) Condeno a ré a executar os trabalhos necessários a repor a boca da mina no estado em que estava a 15 de Novembro de 2020, retirando tudo oque possa obstruir a passagem da água para o rego encanado e subterrâneo que liga a mina ao tanque; d) Condeno a ré a executar os trabalhos necessários a assegurar o acesso seguro de pessoas à mina, como ocorria antes de Dezembro de 2020; e) Condeno a ré a não perturbar o livre exercício dos referidos direitos, abstendo-se de praticar actos que privem a autora de utilizar a água.

    Julgo a reconvenção não provada e improcedente, pelo que absolvo a mesma autora do pedido reconvencional.

    Custas pela ré, sem prejuízo do benefício que, a esse respeito, lhe foi conferido por quem de direito.» 3.

    Inconformada recorreu a ré.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I - A recorrente considera incorretamente julgada toda a matéria de facto contida nos pontos 28º e 30º dos factos provados da douta sentença recorrida, com referencia à petição inicial.

    II - A decisão destes concretos pontos da matéria de facto não assenta em qualquer meio de prova produzido, quer documental, quer testemunhal quer pericial.

    III – Entende assim a recorrente que existe uma evidente desconformidade entre os elementos probatórios trazidos ao processo e a decisão do tribunal quanto à matéria de facto ora impugnada, o que constitui erro de julgamento por si só suficiente para que este tribunal ad quem possa alterar tal decisão.

    IV – Por desnecessidade de reprodução e como jurisprudencialmente se tem vindo pacificamente a entender, a ré e ora recorrente deixa aqui por integramente reproduzido tudo quanto foi alegado no corpo das presentes alegações de recurso em matéria de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. E assim, atento todo o aí expendido, entende a recorrente que a decisão que deve ser proferida sobre a matéria de facto impugnada deve ser a seguinte: Quanto ao ponto 28º da matéria de facto dada como provada - Não provado; Quanto ao ponto 30º da mesma matéria de facto: Não provado.

    V – O facto jurídico invocado como causa de pedir na presente ação e que foi dado como provado sem que tenha sido expressamente impugnado é o de, aquando da aquisição do seu identificado prédio por parte da autora este ser já então abastecido com a água da poça situada no pinhal pertencente a CC e que hoje pertence à ré, dois dias por semana, tudo de acordo com o facto constante do ponto 26º da matéria de facto provada.

    VI – Ora, não tendo, entretanto, havido qualquer apossamento por parte da ré, quanto às águas da referida poça relativamente aos demais dias da semana, facto aliás não alegado, é evidente que o direito a tal água era então e agora, limitado a dois dias por semana.

    VII – Assim, em face desta limitação ao ter o tribunal a quo decidido que a autora adquiriu o direito à água sem qualquer limite temporal, tendo como pressuposto um facto jurídico diverso do alegado pela autora como fundamento da ação, padece tal decisão de vício ultra petita, o que, constituindo nulidade nos termos do artigo 615º nº 1, alinea e) do CPC, o que ora expressamente se invoca, determinará a anulação da decisão ora impugnada com todas as consequências daí advientes.

    VIII – De acordo com a matéria de facto dada como provada o tribunal a quo, sem que expressamente tenha configurado o direito à água na parte dispositiva da sentença, aquando da interpretação que fez das respetivas normas jurídicas veio a considerar tal direito como se de um direito de propriedade plena se tratasse.

    IX – Ora, não se pode concordar minimamente com tal interpretação acerca da qualificação deste mesmo direito.

    X – De acordo com o titulo aquisitivo do identificado prédio da autora e atenta a demais factualidade dada como provada apenas resulta que tal prédio é abastecido com a referenciada água, dois dias por semana. Temos assim que, em dois dias por semana esta água está adstrita à satisfação das necessidades do prédio da autora, facto que não impede a ré de poder utilizar tal água em igualdade de circunstâncias desde que não prive a autora do seu respetivo caudal.

    XI – Por outro lado e ao contrário do que parece resultar da conclusão interpretativa do tribunal a quo, a autora não adquiriu esta referenciada água por qualquer título, sendo certo que do título aquisitivo do direito real de propriedade do identificado prédio da autora apenas resulta ser este abastecido com a água aí identificada como sendo um direito real menor a ela inerente, constituindo assim uma servidão de águas como resulta de toda a factualidade provada.

    XII – Mal andou assim, no modesto entendimento da ora recorrente, o tribunal a quo ao qualificar o direito sobre as águas que possam nascer na sua identificada mina como se de um direito real de propriedade se tratasse, com as inerentes consequências, nomeadamente da possibilidade da autora poder vir aí a explorar todas as suas águas subterrâneas e cedê-las a terceiros, assim privando a ré do uso e proveito que delas também tem.

    XIII – Sem prescindir importa igualmente concluir que, como resulta da matéria de facto provada nos pontos 34º a 37º a água é conduzida até ao prédio da autora – ora recorrida – através de rego a céu aberto e de canos subterrâneos e respetivas caixas que atravessam vários prédios.

    XIV – Assim, por falta de intervenção dos respetivos proprietários também alegadamente onerados com tal encargo, não poderia o tribunal a quo ter declarado o correspondente direito de servidão e com tal extensão, por falta de legitimidade para o efeito por parte da ré, ilegitimidade esta que é do conhecimento oficioso e que assim, poderá ser apreciada por este tribunal ad quem.

    XV – No despacho saneador proferido a 29 de setembro de 2021 foi julgado improcedente o pedido de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, tendo ainda no que concerne às custas devidas a respetiva decisão sido relegada para final.

    XVI – Porém, na sentença ora sob recurso o tribunal a quo, sem que tivesse indicado a proporção da respetiva responsabilidade quanto a custas, nos termos do artigo 607º nº 6, ex vi artigo 527º nº 2, ambos do CPC, condenou a ré no pagamento da totalidade das custas processuais, decisão esta que nunca a ora recorrente poderia aceitar, por injusta e ilegal.

    XVII – O tribunal a quo não se pronunciou sobre os pedidos formulados nas alíneas a), c) e d) do petitório da autora o que, no entendimento da ré, configura nulidade nos termos do artigo 615º nº 1, alinea d) do CPC.

    XVIII – Com a decisão proferida foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 5º, nº 5, 37º nº 1, 607º nº 3 e 6, ex vi artigo 527º nº 2, e 615º nº 1 alíneas c), d) e e), todos do CPC.

    Contra alegou a autora pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: 1.ª A Apelante nestas conclusões, não deu cumprimento ao nº1 alíneas b), nº2 a), do artigo 640º do CPC, que era e é, obrigada a dar, sob pena de rejeição do recurso.

    1. A consequência para a inobservância deste normativo, deve ser a rejeição do recurso na parte relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o que se requer, para e com todas as legais consequências.

    2. Não indica um concreto meio probatório constante do processo, ou de registo ou gravação que impusesse decisão sobre esses factos da matéria impugnada, diversa da recorrida, alínea b) do nº1 do artigo 640º do CPC; 4.ª e, também não indica qualquer passagem da gravação que fundamente o seu recurso que impusesse alteração da matéria de facto impugnada, alínea a) do nº 2 do artigo 640º do CPC; 5.ª Não indica pois, em sede de recurso os...

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