Acórdão nº 5101/22.1T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução16 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Carlos Moreira 1.º Adjunto: Rui Moura 2ª Adjunto: Fonte Ramos ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

A... LIMITED instaurou contra AA, ambas com os sinais dos autos, procedimento cautelar de arresto.

Pediu: O decretamento do ARRESTO sobre: a) o valor de Eur. 580.019,84 (quinhentos e oitenta mil e dezanove euros e oitenta e quatro cêntimos) presentes na conta de jogadora da Requerida junto da Requerente A... Limited, detidos através do seu sítio eletrónico e sistema de jogo licenciados disponíveis em www.b...play.pt; b) o saldo bancário até ao montante de Eur. 11.029,71 (onze mil e vinte e nove euros e setenta e um cêntimos) na conta titulada pela Requerida junto da Banco 1... com o IBAN ...73.

Alegou, em apertada síntese: Que a requerida jogou on line em site detido por si, aproveitando-se de um erro no software da máquina de jogos que lhe proporcionou ganhos de mais de quinhentos mil de euros.

Que, se e quando for obrigada a transferir o saldo de tais ganhos abusivos, que está depositado em conta por si titulada, como manda a lei, para a disponibilidade da requerida, com toda a probabilidade esta gastará/dissipará tal montante ou parte do mesmo.

  1. Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a providência, a saber: «Nos termos e fundamentos expostos, - Indefere-se liminarmente o procedimento cautelar de arresto por ser manifestamente improcedente.

    - As custas são a cargo da Requerente.» 3.

    Inconformada recorreu a requerente.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1 – O indeferimento liminar de uma providência cautelar deve ser uma prorrogativa reservada a casos gritantes e incontornáveis em que seja completamente inverosímil a mínima hipótese de sucesso na acção principal intentada ou a intentar; 2- O Tribunal como forma de atingir a sua convicção não deve privar o Requerente da oportunidade de produzir a prova que ateste as suas alegações bem como adensar o que possa não ter ficado claro em sede de articulados 3 – A prova necessária para o decretamento da providência cautelar é manifestamente inferior quer em quantidade, quer em qualidade, quer em natureza àquela que deve ser exigida em sede de acção principal.

    4 – Não deve o julgador da Providência Cautelar substituir-se ao julgador da ação principal, abstendo-se de um indeferimento liminar caso não tenha efetivamente todos os elementos que permitam formular um juízo que inegavelmente conduza a um juízo de total incapacidade de subsistência da pretensão do Requerente.

    5 – A tecnologia não se conduz a binómios sim/não, “0”s e 1s e bits and bytes, que sustentem decisões sem que se procure entender que efetivamente o erro é uma constante, ainda mais quando os procedimentos requerem intervenção humana, quando não se encontram totalmente automatizados e é por essa razão que o comércio eletrónico tem regras especificas como as previstas no DL 7/2004 de 7 de janeiro; 6 – As regras da experiência dizem que se alguém recebe uma importância avultada de dinheiro, como seja mais de meio milhão de euros não é verosímel que não use – pelo menos parcialmente – esse dinheiro, tanto mais sabendo que a quantia se encontra a ser disputada.

    7 – A Requerente face ao indeferimento liminar ficou desprovida de poder demonstrar as suas alegações o que poderia ter não só em abstrato mas também em concreto permitido uma formulação de juízo diferente.

    8 – Não é a autoria do erro que por si só afasta a ilegitimidade de quem beneficie desse erro, tanto mais quanto podem existir indícios de um comportamento que parece poder ser interpretado como tendo procurado tirar partido desse erro 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685-A º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: Ilegalidade da decisão de indeferimento liminar e continuação do processo.

  2. Tal como o julgador expendeu, o teor das alegações do requerimento que importa considerar é o seguinte: 1. A Requerente exerce legalmente a atividade de exploração de jogo online, estando devidamente licenciada para tal através da licença de jogo online n.º 25, emitida em 23 de outubro de 2020 pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, a funcionar junto do Turismo de Portugal, IP, e disponível em https://www.srij.turismodeportugal.pt/pt/jogo-online/entidades-licenciadas/ , sendo que opera com a marca ... e no sítio eletrónico www.b...play.pt..

  3. No âmbito da sua atividade de exploração de jogos de casino online, a Requerente sujeita-se a todas as obrigações legais e regulatórias, mormente o pagamento de impostos, como seja o Imposto Especial sobre o Jogo Online, tal como referido nos artigos 88.º e seguintes do DL 66/2015 de 29 de abril, e todas as demais regras e mecanismos que conferem direitos aos jogadores e combatem quer as fraudes quer o jogo irresponsável, tudo num sistema amplamente regulado e fiscalizado.

  4. A Requerida registou-se no mencionado site da Requerente – www.b...play.pt – indicando todos os dados a que a lei obriga (os contantes no artigo 37.º do DL66/2015) pelas 21h34 do dia 22 de agosto de 2021, fornecendo os dados pessoais pelos quais aqui é identificada a Requerida, ainda que se verifique agora a omissão do número de polícia.

  5. No seguimento desse registo, procedeu a um depósito de Eur. 50,00 nessa mesma data e outro de Eur. 30,00 cerca de duas semanas depois, não tendo voltado a jogar até finais de julho de 2022 – ou seja, volvido um ano.

  6. Desde esse momento e até ao dia 30 de setembro de 2022 procedeu a 20 depósitos num montante total próximo de Eur. 800,00.

  7. Em meados de 15 de setembro, a Requerente havia disponibilizado um novo jogo das designadas slot machines, com o título de “3 Mermaids”, criado pelo fornecedor de software “BB”.

  8. Conforme resulta do enquadramento legal da atividade de exploração do jogo online – mormente o Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, o Regulamento n.º 903-B/2015 de 23 de dezembro, relativo aos requisitos técnicos do sistema técnico de jogo online, e o Regulamento n.º 828/2015 de 2 de dezembro, relativo às regras de jogo - máquinas de jogo – , a disponibilização de tal jogo foi precedida da sua certificação, levada a cabo pelo laboratório internacional Quinel – uma entidade certificadora reconhecida para o efeito, conforme poderá ser verificado em https://srij.turismodeportugal.pt/pt/jogo-online/entidades-certificadoras/.

  9. Durante tal processo, foi encontrado um erro que levava a que a máquina pagasse prémios em situações onde a matemática do jogo não deveria implicar qualquer pagamento e onde inclusivamente funcionaria fora daquilo que era comunicado aos jogadores.

  10. Tal erro foi corrigido, tendo sido criada uma nova versão do jogo já com essa correção corretamente codificada.

  11. Por erro humano, a versão que foi colocada disponível online (operação que se designa por deployment) foi a versão anterior e não a corrigida, tendo, portanto, ficado disponível a máquina que tinha especificações para uma taxa de retorno ao jogador de 155% e não a de 95,07%, conforme deveria ter acontecido.

  12. A Requerida, no dia 27 de setembro, começou a jogar precisamente nessa máquina – e fê-lo continuamente, ao contrário do seu perfil bastante ausente até então, até que a Requerente se apercebeu do erro e retirou a máquina de funcionamento no dia 2 de outubro – , e iniciou um total de 49 sessões de jogo.

  13. E das 22 horas do dia 30 de setembro em diante, sem ter realizado qualquer depósito adicional, usando o saldo do jogo, intensificou a sua atividade de uma maneira exponencial, ao ponto de que nesse período jogou dia e noite, praticamente durante 56 horas seguidas – com curtos intervalos.

  14. Durante este período, em praticamente todas as sessões, obteve ganhos, sendo que em maior parte das mesmas – e às vezes numa questão de minutos – tais ganhos se cifravam em valores de 5 dígitos.

  15. Diga-se que esta atividade de jogo é alvo de reporte rigoroso através de ficheiros XML, alguns depositados de hora a hora e outros diariamente no servidor “safe” do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos – sendo um processo meticuloso nos termos legais, e a verificação desta mesma atividade encontra-se consolidada.

  16. Se é inegável que os ganhos (indevidos) começaram a ser exponenciais também fruto de os montantes apostados serem eles mais elevados, não pode deixar de ser notado que é no mínimo indiciador de que a Requerida se possa ter apercebido da falha, 16. Para além do aumento das apostas, o montante de tempo despendido no jogo, com perda de horas de sono, e o facto de jogar sempre na mesma máquina – com o nome “3 Mermaids” – com exceção de um curto período dedicado a uma outra máquina, após o qual “regressou” à “3 Mermaids” – denunciam claramente estar fora quer de um padrão normal e comum da generalidade quer até da atividade habitual da própria Requerida, que até esse momento tinha tido...

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