Acórdão nº 2218/21.3T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCARLOS DE CAMPOS LOBO
Data da Resolução25 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.

O processo de inquérito com o nº 2218/21.3T9STB que correu termos na Comarca ..., no Ministério Público, Departamento de Investigação e Ação Penal – ... de ..., culminou com acusação deduzida contra o arguido AA imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do CPenal.

  1. Em momento prévio ao dito despacho acusatório, o Digno Magistrado do Ministério Público, entendendo inexistirem indícios da verificação dos crimes de omissão de auxílio e de dano, p. e p., respetivamente, pelos artigos 200º e 212º do CPenal, os quais também foram objeto de tratamento no inquérito em causa, determinou o arquivamento dos autos nesta parte.

  2. Inconformado com a decisão de arquivamento parcial tomada pelo Digno Mº Pº, BB, veio requerer a sua constituição como Assistente e, bem assim, a abertura da instrução, defendendo a pronúncia do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de dano, p. e p., respetivamente, pelos artigos 143º e 210º do CPenal.

  3. Tendo sido admitida a constituição como Assistente de BB, a Mmª JIC, por despacho proferido em 14 de janeiro de 2023, rejeitou o requerimento de abertura de instrução por aquele formulado, entendendo estar patente uma situação de inadmissibilidade legal, por apresentação do RAI através de meio legalmente não admissível, nos termos do disposto no artigo 287º, nº 3 do CPPenal.

  4. Inconformado com tal despacho, o Assistente ao mesmo reagiu, interpondo recurso, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes conclusões: (transcrição) A) O despacho recorrido, ao rejeitar liminarmente o RAI enviado tempestivamente por e-mail sem aposição de assinatura electrónica certificada e cronologicamente validada por entidade terceira, sem ter convidado o Assistente a entregar os originais da peça processual em 10 dias, viola os direitos do Assistente a um processo equitativo; B)Na verdade, em processo penal, nas fases de inquérito e instrução, é admissível o envio de peças processuais por este meio de correio eletrónico, o que foi confirmado pelo STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2014 do STJ, de 15 de Abril, e pelo Ac. de 24/01/2018; C)Da falta de cumprimento pelo Recorrente da norma do DL 28/92 de 27/02, para o qual remete a Portaria 624/2004 – fazer chegar aos autos os originais em 10 dias - não extrai a lei qualquer cominação; D)Por outro lado, são taxativos os casos em que o RAI pode ser rejeitado, e nenhum deles se verifica no caso – art. 287.º, n.º 3 do CPP; E)Trata-se apenas de fazer chegar aos autos a confirmação material de uma peça processual já enviada no prazo legal para a prática do acto; F)A consequência da omissão do acto de confirmação, que constitui uma mera irregularidade, não pode nem deve ser a rejeição sumária e inapelável da peça processual, uma vez que esta tem como consequência a anulação do acto praticado de requerer a abertura da instrução, fase fundamental para a defesa dos direitos em causa no processo penal, tanto os dos arguidos como os dos ofendidos e assistentes; G)O argumento de que a prática do acto “a convite”, já após os 10 dias, violaria o prazo peremptório de 20 dias previsto para a abertura da instrução carece de razoabilidade dado que os referidos originais mais não são do que a matriz e teor do que, dentro do prazo legal de 20 dias, tinha sido enviado – a peça processual já existe nos autos e deu entrada dentro do prazo, sendo que apenas poderia ser aceite uma peça original absolutamente identificável no seu teor com o que já tinha dado entrada; H)É um contrassenso perverso que se anule, sem hipótese de regularização, um acto processual fundamental como o RAI, praticado dentro do prazo legal, por ter sido omitido um acto de mera confirmação e instrumental àquele, pois dá-se primazia a esta sobre aquela, à remessa acessória e confirmativa sobre o envio principal, feito e recebido em tempo; I)São aplicáveis ao processo penal, supletivamente na integração de lacunas, as disposições do processo civil (art. 4.º do CPP), pelo que, ao não existir norma que extraia consequências expressas da falta de entrega em juízo dos originais enviados por correio electrónico, deverá o juiz, ao abrigo dos artigos 6.º, n.ºs 1 e principalmente 2, e 146.º do CPC, convidar a parte a sanar o acto; J)No sentido propugnado pronunciaram-se os Acórdãos dessa Relação de 22/11/2022, processo 10/21.4GALLE-E.E1, 22/09/2022, Processo 223/15.8T9EVR-B.E1, 27/09/2022, Processo 3019/21.4T9STB-A.E1, sendo que neste último se invocam os princípios constitucionais que também fundamentam a decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 174/2020, de 11/03/2020, atrás referido; e ainda os Acórdãos de 22/09/2022, Processo 223/15.8T9EVR-B.E1, 26/04/2022, Processo 708/19.7T9OLH.E1, 07/06/2022, Processo 707/19.9PBFAR-F.E1, e 24/05/2022, Processo 975/17 .0T9EVR, todos deste Tribunal da Relação; K)Violados se encontram os artigos 6.º, n.ºs 1 e 2 e 146.º do Código do Processo Civil; L)Violado se encontra o art. 287.º, n.º 3 do Código do Processo Penal; M)Ao manter-se o despacho recorrido, interpretar-se-á a norma aplicada, que é o n.º 3 do art. 4.º do DL n.º 28/92 de 27/02, contrariamente à Constituição da República Portuguesa, violando diretamente o seu artigo 20.º, que, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legí-timos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).

    Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, o despacho recorrido ser revogado e ser em sua substituição proferido despacho nos moldes suprarreferidos, que notifique o assistente para, em 10 dias, juntar aos autos o original do RAI.

    Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.

  5. Notificado o M.º P.º, do despacho de admissibilidade do recurso e deste, apresentou articulado de resposta junto do Tribunal recorrido, concluindo nos termos seguintes: (transcrição) 1.Interpôs o assistente BB recurso do douto despacho proferido a fls. 161-162 v. 0 dos autos supra epigrafados, que, ao abrigo do disposto no art. 0 287.0 , n. 0 3, do Código de Processo Penal, rejeitou, com fundamento em "inadmissibilidade legal", o requerimento de abertura de instrução de fls. 128-130 v. 0 dos mesmos autos (apresentado por aquele sujeito processual); 2.Pugna o ora recorrente, a final, no sentido de dever "o despacho recorrido ser revogado e ser em sua substituição proferido despacho (. . .) que notifique o assistente para, em IO dias, juntar aos autos o original do RAI"; 3.Ora em apreço no presente recurso estará, no essencial, aquilatar da observância, in casu, das formalidades de que dependia o envio do requerimento de abertura de instrução do assistente BB a juízo através de correio electrónico, designadamente, daquelas consagradas nos art.0s 2. 0 e 3. 0 da Portaria n. 0 642/2004, de 16 de Junho — a saber, (i) a mensagem de correio electrónico remetida por mandatário forense deve conter necessariamente a aposição da assinatura electrónica do respectivo signatário, (ii) a assinatura electrónica deve ter associado um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário e (iii) a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea —, e, em caso negativo, das consequências legais daí resultantes, mormente, da possibilidade de vir tal requerimento a ser rejeitado nos termos em que o foi; 4.Sem necessidade, quanto a este ponto, de mais alongadas considerações, comecese por dizer que, uma vez compulsados os autos, temos como não efectivamente observadas, in casu, as supra explicitadas formalidades de que dependia o envio a juízo através de correio electrónico do dito requerimento instrutório apresentado pelo assistente BB; 5.Sendo que, nesse cenário, impunha-se que o original do mencionado requerimento fosse remetido ou entregue na secretaria judicial no prazo de IO (dez) dias, contado do envio por telecópia, com vista a ser incorporado no processo, em conformidade com o disposto nos art. 0s 4. 0, n.0 3, do Decreto-Lei n.0 28/92, de 27 de Fevereiro, e 6.0, n. 0 1, al. b), do Decreto-Lei n. 0 329-A/95, de 12 de Dezembro, sucedendo que tal não veio a ocorrer, tudo conforme, nesta parte, bem se refere no douto despacho ora recorrido; 6.Aqui chegados, restará...

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