Acórdão nº 0785/22.3T8PVZ.S1 de Tribunal dos Conflitos, 23 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução23 de Maio de 2023
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam, no Tribunal dos Conflitos: 1. Em 30 de Agosto de 2021, AA instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto uma ação administrativa comum contra o Estado Português, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 5.500 a título de indemnização por responsabilidade civil extracontratual.

Para tanto, e em síntese, alegou que, em consequência da omissão do dever de agir por parte do Ministério Público, enquanto titular da ação penal, o procedimento criminal que teve origem na denúncia atempadamente apresentada pelo autor veio a extinguir-se, por prescrição.

O processo foi distribuído ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.º 1956/21.6...

Citado, o réu contestou, impugnando os factos e excepcionando a ineptidão da Petição Inicial e a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, para conhecer da causa.

Sustentou, quanto à incompetência material, que, fundando-se a causa de pedir em alegado erro judiciário por omissão de actos devidos em fase de inquérito, por parte do Ministério Público, a competência para conhecer da ação cabe aos tribunais comuns, por força do disposto no artigo 4.º, n.ºs 3, al. c), e 4, al. a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

O autor replicou, pronunciando-se pela competência dos Tribunais Administrativos, afirmando que a sua pretensão não se funda em erro judiciário, mas “sim e só” na omissão da prática de actos que eram devidos pelo Ministério Público, enquanto titular da ação penal, que ocasionou a prescrição do direito de queixa que pretendia ver exercido.

Por despacho saneador-sentença de 8 de Abril de 2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo Administrativo Comum julgou verificada a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria dos Tribunais administrativos, declarando-se incompetente para conhecer da acção e absolvendo o réu da instância.

Para o efeito, considerou que a presente acção emerge de alegados erros judiciários de Magistrado do Ministério Público em fase de inquérito criminal, cometidos por omissão, cabendo a competência para conhecer da causa aos tribunais da jurisdição comum.

O autor requereu a remessa do processo para o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim. Remetidos os autos, foram distribuídos ao Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º 785/22.3...

No saneador-sentença de 19 de Novembro de 2022, o Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto julgou-se absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção, por ser do âmbito da jurisdição administrativa, e absolveu novamente o réu da instância, uma vez que a causa de pedir não assenta em erro judiciário (nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), porquanto, ainda que o autor pretenda efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado, não a funda no exercício de actividade materialmente jurisdicional, mas na omissão de acto devido pelo titular da ação penal.

O Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 2, requereu, entretanto, a resolução do conflito negativo de jurisdição.

  1. Determinado pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que se seguisse a tramitação prevista na Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro (Tribunal dos Conflitos), nos termos do n.º 4 do respectivo artigo 11.º as partes foram notificadas para se pronunciarem, querendo, nada tendo dito. O Ministério Público proferiu parecer no sentido de caber à jurisdição comum a competência para conhecer da presente acção.

  2. Os factos relevantes para a decisão do conflito constam do relatório.

    Está apenas em causa determinar quais são os tribunais competentes para apreciar o pedido do autor, se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) – , se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

    Esta forma de delimitação recíproca obriga a começar por verificar se a presente acção tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (no 2 do artigo 212º da Constituição, nº 1 do artigo 1º e artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

    O Estatuto dos Tribunais Administrativo e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, após várias modificações, foi alterado pela Lei 114/2019, que entrou em vigor em 11 de Novembro de 2019 e não regula a sua própria aplicação no tempo.

    Tratando-se de uma alteração respeitante à competência material da jurisdição administrativa e fiscal – nomeadamente, modificou os artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, preceitos dos quais resulta o critério geral de delimitação da jurisdição administrativa –, a aplicação no tempo dessa alteração não atinge as acções pendentes, de acordo com o disposto no artigo 5.o do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O mesmo princípio consta, aliás, do n.º 2 do artigo 38.o da Lei de Organização do Sistema Judiciário, preceito incluído no Título V, relativo aos Tribunais Judiciais, e que prevê duas excepções, nas quais a lei nova é de aplicação às acções pendentes: a extinção do tribunal onde a acção foi proposta e a atribuição de competência a tribunal incompetente.

    Em qualquer dos casos, aferindo-se a competência pela lei vigente à data da propositura da acção, 30 de Agosto de 2021, é por referência às versões da Lei da Organização do Sistema Judiciário e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais então em vigor que se determina a que jurisdição compete o respectivo julgamento (cfr. artigos 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 38.º, n.º 2, da Lei de Organização do Sistema Judiciário).

    Como uniformemente se tem observado, nomeadamente na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o...

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