Acórdão nº 3068/20.0T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ LÚCIO
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: 1 – RELATÓRIO A autora Fidelidade - Companhia de Seguros S.A. intentou contra o réu AA acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 78.582,00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo pagamento.

Alega a autora que, por força das suas obrigações como seguradora, pagou aos diversos lesados em acidente de viação causado pelo réu diversas quantias a título de indemnização, que somaram essa quantia global.

O acidente em causa, ocorrido no dia 17.07.2016, sucedeu por culpa exclusiva do réu, que circulava em excesso de velocidade e com os pneus carecas e invadiu a faixa de rodagem oposta à sua, aí embatendo num grupo de ciclistas que circulavam em sentido inverso ao seu, os quais a autora teve que indemnizar pelos danos sofridos.

O exame depois realizado revelou que o réu tinha consumido produtos estupefacientes.

Conclui a autora que é titular de direito de regresso contra o réu, com base no disposto no artigo 27º, n.º 1, al. c), do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, pelo que reclama deste o reembolso das quantias despendidas.

O réu contestou, alegando em suma que realmente foi detectado no exame o consumo de canabinóides mas que tal é insuficiente para se concluir que o acidente se deveu ao facto de as ter consumido, pelo que não existe o reclamado direito de regresso.

Acrescenta que admitir-se o direito de regresso da seguradora, sem se estabelecer um nexo causal entre o consumo de produtos estupefacientes e os danos resultantes do acidente, seria alterar a natureza reparadora do direito civil, sancionando-se o agente em função da sua culpa e não da causalidade entre a sua acção e os danos decorrentes da mesma.

Por outro lado, em similitude com o que se passa para a condução sob o efeito de álcool, em que só a partir de um determinado nível é que o consumo é ilegal, também terá de se exigir uma taxa de canabinóides superior ao limite legal estabelecido no quadro 2 do anexo V da Portaria 902-B/2007 de 13 de Agosto, para operar o direito de regresso invocado pela seguradora.

Conclui o réu pedindo a sua absolvição.

Realizou-se audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi enunciado o objecto do litígio e selecionados os temas de prova, tudo sem que surgisse qualquer reclamação.

Finalmente, realizou-se audiência de discussão e julgamento e veio a ser proferida sentença, que decidiu pela absolvição do réu.

* 2 – DA APELAÇÃO Em face do decidido, veio a autora interpor o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A Recorrente fundamenta o seu pedido no art.º 27º n.º 1 al. c) do DL 291/97 de 21 de Agosto que determina que a seguradora tem direito de regresso “Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos”.

  1. Resultando da letra da lei que para que a Recorrente possa exercer o seu direito de regresso deverá provar a culpa do condutor no acidente e o consumo de estupefacientes; 3. Ao invés do que resulta da letra da lei o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido da Recorrente porquanto julgou não estar provado que o Recorrido conduzia sob a influência de estupefacientes, prova esta que não é exigida pelo referido normativo; 4. Discordando a Recorrente da interpretação feita pelo Tribunal a quo à lei vigente; 5. A adição ao consumo de estupefacientes, representa, no ponto de vista dos supostos legislativos, um acréscimo de risco, intolerável para as seguradoras que emitem as apólices de seguro automóvel.

  2. E com efeito, todos os estudos da especialidade, nomeadamente epidemiológicos, relevam a permanência in itinere dos efeitos de descuido do adicto, e perturbação grave de comportamento em caso de carência.

  3. Estes fatores (acima levados a estas conclusões) exigem uma interpretação literal de gramática correspondente, sem qualquer ampliação de sentido do artigo de Lei, que previne o reembolso das indemnizações satisfeitas pela seguradora, por prejuízos, radicados em danos rodoviários.

  4. Ora, não foi este o ponto de vista com que a sentença recorrida julgou a causa, com a improcedência do pedido de reembolso, apresentado em juízo, pela Recorrente.

  5. Com efeito, a sentença recorrida interpretou a Lei, fazendo depender o reembolso, para além da culpa e do consumo, de uma concreta influência da intoxicação segundo uma determinada gramagem mínima por mililitro de sangue.

  6. Mas como acima se disse, a Lei define muito claramente que o que releva é a deteção analítica do consumo de estupefaciente, estando esse facto - o consumo de estupefacientes - dado como provado em documento junto aos autos.

  7. Ocorreu, por conseguinte, vício de ilegalidade de julgamento e decisão de direito, infringindo o disposto no Art.º 27 n.º 1 al. c) do DL 291/97, 21 de Agosto.

  8. Logo, a sentença recorrida, deve ser revogada e substituída, em ordem à procedência do pedido da Autora.

    *Pelo réu/recorrido não foi apresentada resposta às alegações da recorrente.

    *3 – O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).

    Sublinha-se a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).

    No caso presente, a questão colocada ao tribunal de recurso traduz-se em saber se, atenta a factualidade apurada, que não vem questionada, deve reconhecer-se o direito de regresso invocado pela autora ou se pelo contrário deve manter-se a absolvição do réu.

    *4 – DA FACTUALIDADE A CONSIDERAR São os seguintes os factos provados, com relevo para a decisão da causa, tal como constam da sentença impugnada: 1. A Autora é uma sociedade constituída sob a forma comercial que tem por objeto a atividade seguradora.

  9. No exercício desta sua atividade celebrou contrato de seguro com BB, titulado pela apólice n.º ...65, através do qual aceitou a transferência da responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do veículo automóvel com a matrícula ..-..-EM, contrato em vigor à data do acidente de 17.07.2016.

  10. De acordo com as condições gerais da apólice, no caso de o veículo ser conduzido por pessoa sob influência de estupefacientes, a responsabilidade civil da seguradora não fica excluída perante terceiros lesados.

  11. No dia 17.07.2016, pelas 11h:00m, no Poceirão, Palmela, na Rua José Carvalho, no sentido Lagoa do Calvo/Forninho, próximo do entroncamento da Rua Constantino Marçalo com a Rua dos Alfredos, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo automóvel seguro pela Autora e conduzido pelo Réu, com a matrícula ..-..-EM (Honda Civic).

  12. Bem como um grupo de 10 ciclistas que circulava na mesma estrada em sentido contrário, vindo o ..-..-EM a atingir 8 deles, nomeadamente, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ.

  13. O Condutor do Veículo com a matrícula ..-..-EM, seguia no sentido Forninho / Lagoa do Calvo, em velocidade excessiva, quando se lhe apresentou uma curva acentuada à direita.

  14. Aí deparou-se com o grupo de ciclistas, travou com intensidade, tendo o veículo derrapado, o que fez com que perdesse o controlo do mesmo, vindo a atingir frontalmente 8 ciclistas de um grupo que seguiam em sentido contrário na via de circulação destes.

  15. O veículo ..-..-EM tinha os pneus desgastados, o que é suscetível de motivar falta de aderência à estrada.

  16. Eliminado.

  17. No seguimento do sinistro foi elaborado pelas autoridades competentes a Participação de Acidente com Nº 0073/2016 e N.º de Registo 47307631, onde consta que o veículo ..-..-EM apresentava “Pneus frontais não oferecendo condições de segurança” e por esse facto foi levantado Auto de Contraordenação, por infração do nº1 do artº 6.° do DR 7/98, estando o condutor sujeito a apresentar a avaria reparada no prazo determinado por aquela autoridade.

  18. No...

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