Acórdão nº 20/22.4T8VVC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou, em 04-02-2022, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança CC, nascida em .../.../2019, em Bordéus França, contra BB, residente em França, e AA, residente em Borba.

Alegou, em síntese, que os demandados progenitores se encontram separados há um ano, residindo a criança com a progenitora em Portugal, sem que estejam reguladas as responsabilidades parentais.

Posteriormente, em 09-03-2022, foi instaurado pelo progenitor, ao abrigo do artigo 8.º e seguintes da Convenção Sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, um pedido de regresso da criança a França por ter havido uma deslocação ilícita da mesma para Portugal, que foi tramitado por apenso à ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais (Apenso A).

A tramitação da ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais esteve suspensa até à prolação de decisão final no âmbito do Apenso A.

Em 13-09-2022, no referido Apenso A, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acórdão, transitado em julgado 29-09-2022, que revogou o Acórdão da 2.ª instância «(…) na parte em que ordenou o regresso da criança CC a França», decidindo ainda «Recusar ordenar tal regresso ao abrigo do disposto no artigo 13º alínea b) da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.» Retomada a tramitação nesta ação, foram os progenitores e o Ministério Público notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do mérito da presente ação. O progenitor sustentou serem os mesmos incompetentes, propugnando, ao invés, o Ministério Público e a progenitora, pela competência dos mesmos.

Em 13-01-2023, foi proferido despacho, que vem a ser o recorrido, que julgou o Tribunal de Vila Viçosa, Juízo de Competência Genérica incompetente internacionalmente para conhecer desta causa, absolvendo os Requeridos da instância.

Inconformada, a progenitora interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª. Os presentes autos iniciaram-se em 04 de fevereiro de 2022, a requerimento do Ministério Público e foram intentados contra os Requeridos AA, a aqui Apelante, e BB, para regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor CC, nascida a .../.../2019.

  1. Porém, foram suspensos em 10.03.2022, face ao pedido, constante do Apenso A, do Requerido BB de regresso da menor a França, que foi recusado por Acórdão de 13 de setembro de 2022 do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado, ao abrigo do disposto no artigo 13.º alínea b) da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.

  2. Agora, a Mma Juíza “a quo” proferiu a sentença recorrida, em que decidiu pela incompetência internacional do Tribunal para conhecer a presente acção de regulação das responsabilidades parentais e, consequentemente absolveu os Requeridos da instância, por ter entendido que, na fixação da competência internacional do Tribunal, não será de aplicar o preceituado no artigo 8.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, mas sim o disposto no artº 10º do mesmo Regulamento por, segundo a mesma sentença, “a presença da criança em Portugal ter tido origem na já mencionada deslocação ilícita”.

  3. Ora, o Tribunal de Vila Viçosa – Juízo de Competência Genérica é internacionalmente competente para regular as responsabilidades parentais da menor CC.

  4. Ao assim não o ter entendido, a Mma Juiza “a quo” desconsiderou todos os factos que integraram a decisão do Supremo Tribunal de Justiça ao ter recusado ordenar o regresso da menor a França, ao abrigo do disposto no artigo 13.º alínea b) da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, designadamente o facto de “exist(ir)e um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.” 6ª. assim como desconsiderou os critérios do superior interesse da menor e da proximidade, cruciais e indispensáveis para a tomada da decisão acerca da competência internacional do tribunal.

    Vejamos: 7ª. A menor CC, na data em foram instaurados os presentes autos, tinha residência habitual em Portugal.

  5. Na verdade, como se verifica da conjugação dos factos dados como provados no referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - que aqui são dados como reproduzidos - resulta demonstrado que, em 4 de fevereiro de 2022, era efectivamente em Portugal – Borba - que a menor CC residia, onde tinha e tem fixado o seu centro de vida e a sua estabilidade.

  6. Em fevereiro de 2022, a menor CC tinha uma maior integração em Portugal do que em França, tendo, a partir de 22.01.2022, sido em Portugal que a menor passou a ter a sua residência, na Rua ..., ... Borba, conjuntamente com a sua Mãe e irmã.

  7. Também a partir dessa data, os convívios entre a menor e as famílias foram estreitados, visto que quer a família paterna quer a materna residem em Portugal, respectivamente, no Redondo e em Borba, tendo-se estreitado e intensificado as relações.

  8. Como tal, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para regular as responsabilidades parentais da menor CC.

  9. A Mma Juiza “a quo”, na determinação do conceito de residência habitual, devia ter considerado o local onde a menor se encontra radicada e tem organizada a sua vida quotidiana.

  10. Todavia, a Mma Juíz “a quo” valorizou apenas a deslocação ilícita da menor e desconsiderou os factores de excepção que condicionaram e impediram o regresso da menor a França.

  11. Pois, não é pelo facto de se ter verificado uma deslocação ilícita da menor, nem pelo facto de a menor ter chegado a Portugal em 22.01.2022 que, não se pudesse concluir que, em 04.02.2022 (data instauração destes autos), a menor já tivesse residência habitual em Portugal.

  12. Veja-se a propósito o que consta no Acórdão do STJ, de 20/01/2009, Processo n.º 08B2777, disponível no respectivo sítio do itij, por reporte ao guia prático para aplicação do citado Regulamento, “a determinação caso a caso pelo juiz implica que enquanto o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto”. (sublinhado é nosso) 16ª. Nessa apreciação e integração do conceito de residência habitual, a Mma Juiz “a quo” devia ter considerado, designadamente, o grau de integração da menor em ambiente social e familiar, as condições, a regularidade, as razões da sua permanência no território, a sua nacionalidade, os conhecimentos linguísticos, os laços familiares, o que, todavia, não fez.

  13. Por outro lado, nesse mecanismo de integração do conceito de residência habitual, a Mma Juiza “a quo” também não atendeu que só com a chegada a Portugal é que a menor adquiriu estabilidade, um ambiente social e familiar que, com a separação dos progenitores ocorrida no início de 2021, deixou de ter em França.

  14. Porquanto, tal como consta dos factos provados constantes do referido Acórdão do STJ, do Apenso A, em França, os direitos e interesses da menor estavam condicionados, decorrentes das necessidades e dificuldades que a sua Progenitora atravessava.

  15. Assim, só após a sua chegada a Portugal é que a menor, para além do apoio e dos convívios mais próximos com a família materna, adquiriu melhores condições socio-económicas decorrentes do melhoramento das condições que a mudança para Portugal trouxe à sua Progenitora.

  16. Veja-se, a propósito, um extracto do identificado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça onde se refere “resulta dos factos provados que a situação pessoal, económica e profissional da mãe da criança CC e, em consequência, as condições de vida do seu agregado familiar em França, eram praticamente insustentáveis. Nesse contexto afigura-se ter sido perfeitamente legítimo e, no seu próprio interesse e dos filhos, que ela tenha decidido procurar melhores condições de vida para si e para a sua família em Portugal, onde, aparentemente, possui apoio familiar mais alargado. O facto de a criança CC ter sido trazida de França pela sua mãe, sendo facto ilícito com efeito ao nível do exercício do direito de custódia por parte do pai, acaba por ser uma consequência inevitável do drama vivido pelo agregado familiar que todos integravam, cujas repercussões importa, no seu interesse, minorar.” 21ª. Assim, como explica António José Fialho (Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado, Almedina, 2021, pág. 136), “a residência é o lugar onde a Criança reside habitualmente, ou seja, o local onde tem organizada a sua vida, com maior estabilidade, frequência, permanência e continuidade, onde desenvolve habitualmente a sua vida e se encontra radicada”.

  17. Acrescentando que “o critério da atribuição da competência em função da residência, com carácter de estabilidade, permanência e frequência, é também aquele que adequa as disposições de direito interno às disposições de direito convencional ou europeu que regulam a competência internacional (art.º 5º da Convenção da Haia de 1996 e 8º do Regulamento Bruxelas II bis) 23ª. Assim, dúvidas não restam que a menor, à data em que foram instaurados os presentes autos, já tinha fixado a sua residência habitual em Portugal, 24ª. Sendo, consequentemente, os Tribunais portugueses internacionalmente competentes para regular as responsabilidades parentais da menor CC Sem conceder, 25ª. dos presentes autos, de resto, não constam quaisquer factos que possam ser integradores do conceito de residência habitual da menor em França, à data da instauração dos presentes autos.

  18. Os autos, aliás, desconhecem, por completo, para além das...

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