Acórdão nº 186/20.8T8TVR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ LÚCIO
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: 1 – RELATÓRIO A – Nos presentes autos a requerente AA instaurou processo de inventário, para partilha da herança deixada por óbito do casal que foi formado por BB e CC, seus avós maternos, falecidos respectivamente em .../.../2005 e em .../.../2008.

Alegou, em suma, que os inventariados não deixaram testamento, tendo-lhes sucedido os filhos DD e CC, ora requerido. Por seu turno, DD faleceu em .../.../2017, sucedendo-lhe apenas a representá-la a requerente, sua filha.

Uma vez citado, veio o cabeça de casal CC apresentar relação de bens, relacionando a existência de activo (bens imóveis) e de passivo (contributos financeiros do próprio cabeça de casal para aumentar o património dos inventariados).

Notificada, a requerente apresentou reclamação à relação de bens, pretendendo ver relacionado mais um prédio urbano, sito em ... - ..., Conceição de Tavira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o nº ...02 e inscrito na matriz sob o artigo ...07, da freguesia da Conceição e Cabanas de Tavira.

E nessa reclamação a requerente impugnou a totalidade do passivo apresentado pelo cabeça de casal na relação de bens.

O cabeça de casal respondeu à reclamação (ref.ª 39916829) e, após prorrogação do prazo, apresentou nova relação de bens (ref.ª 40323242), na qual integrou como activo da herança o bem imóvel que a Requerente pretendia ver relacionado e manteve o que considerou como passivo.

Em face da posição da Requerente, o cabeça de casal apresentou novo requerimento, pretendendo a produção de prova adicional sobre o passivo que defende existir a seu favor.

Todavia, saneando o processo, o julgador, declarou por um lado que por via da nova relação de bens apresentada não mais existe litígio quanto ao activo da herança, mas no referente ao seu passivo veio a decidir indeferir o requerimento de prova adicional do cabeça de casal e não reconhecer duas das parcelas do passivo que este pretendia ver reconhecido.

*B – Concretamente, foi decidido no despacho que veio a ser o recorrido, e no que a esta apelação releva, o seguinte: “(…) no que respeita ao requerimento de prova testemunhal apresentado pelo cabeça de casal, cumpre referir que, nos termos do art. 1105.º, n.º 2 do C.P.C., as provas são oferecidas nos articulados.

Ora, o cabeça de casal respondeu à reclamação (ref.ª 39916829) e, após prorrogação do prazo, apresentou nova relação de bens (ref.ª 40323242). Em ambos os requerimentos foi requerida a prova que se considerou conveniente. Deste modo, o requerimento agora apresentado (ref.ª 41325058) seria sempre extemporâneo, importando o seu indeferimento.

Acresce que, dispõe o art. 1106.º, n.º 3 do C.P.C. que se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.

O que releva nesta análise é, pois, se a prova documental junta aos autos é suficiente para demonstrar a existência da dívida. Pese embora o art. 1105.º, n.º 3 do C.P.C. admita a produção de prova adicional, a mesma deverá ter em vista complementar a referida prova documental e que tenham um mínimo de idoneidade e validade legal para suportar o passivo que se pretende ver reconhecido.

(…) Ora, compulsados os autos, resulta evidente que nenhuma da dívida foi reconhecida pela Requerente.

Cumprirá, assim, apurar se os documentos juntos aos autos se revelam idóneos para demonstrar a existência do passivo, ainda que mediante a produção de prova suplementar, mais concretamente, e no que se pretende, declarações e depoimento de parte e prova testemunhal.

E julga-se que tal não sucede, dado não ter sido carreada para os autos qualquer prova documental que suporte a existência de passivo da herança.

Nos termos do art. 2068.º do C.C. a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido e pelo cumprimento dos legados.

Assim, e para o que ora importa, o passivo da herança é constituído pelas dívidas dos de cujus à data do respectivo falecimento.

In casu, o cabeça de casal pretende ser ressarcido da quantia de €498.797,40, relativa a despesas de construção, licenciamento, investimento e contributos financeiros efectuados pelo próprio, nos prédios relacionados sob os n.ºs 3 a 9.

Como é bom de ver, tal quantia não corresponde a qualquer dívida vencida à data do óbito dos inventariados.

A mesma poderá, quando muito, vir a ser considerada um crédito que o cabeça de casal tem sobre a herança, o qual terá, porém, de ser judicialmente reconhecido, noutro processo (e pelos meios comuns) que não o inventário. Aliás, se bem analisarmos a relação de bens apresentada, é como crédito que tal quantia se apresenta e não como passivo da herança. Porém, ao invés do que dali resulta, o processo de inventário não é o meio processual adequado para exigir tal pagamento. Do mesmo passo que um terceiro não pode vir aos autos de inventário reclamar um crédito a seu favor, também o não pode fazer o herdeiro.

Deste modo, e sem necessidade de quaisquer considerações, não se reconhece (nesta sede) o crédito que o cabeça de casal invoca ter sobre a herança, na quantia de €498.797,40.

O mesmo se diga da invocada quantia de €28.458,18, a qual respeita a facturas emitidas pela FAROEQUIPA, LDA a favor da POLAKOS CLUB – ACT. HOT. E ESPECT. AO VIVO, LDA e à declaração de quitação por aquela emitida.

Os documentos juntos aos autos a este respeito não só datam de 28.11.2011 (factura n.º ...85) e de 30.08.2011 (factura n.º ...09), ou seja, de data posterior ao óbito dos inventariados, como nem sequer se encontram emitidas a favor dos inventariados, nem do próprio cabeça de casal.

Deste modo, é igualmente manifesto que tal quantia não pode ser considerada como passivo da herança.” Concluindo, termina o despacho em questão decidindo, além do mais: “(ii) Não reconhecer (nesta sede) os créditos de €498.797,40 e de €28.458,18 que o cabeça de casal invoca ter sobre a herança e a que os pontos 2 a 9 e 14 e 15 do requerimento com a ref.ª 40323242 fazem referência;”* 2 – DA APELAÇÃO Em face do decidido, veio o cabeça de casal interpor o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1) O presente recurso tem por objeto o Despacho Saneador proferido em 16 de fevereiro de 2022 pelo Juízo de Competência Genérica de Tavira do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, no âmbito de processo de inventário para partilha da Herança deixada por óbito de BB e de CC, falecidos em 2005 e em 2008; 2) Pelo Despacho Saneador, o Tribunal a quo (i) rejeitou meios de prova apresentados e requeridos pelo cabeça-de casal para prova do passivo da Herança, e (ii) decidiu (parcialmente) do mérito da causa, ao não reconhecer um conjunto de dívidas da Herança relacionadas pelo cabeça-de-casal, ordenando o seguimento do processo de inventário para a fase da conferência de interessados, subtraídas as verbas do passivo e encargos da Herança correspondentes a essas dívidas não reconhecidas; 3) No que respeita à decisão de rejeição de meios de prova, em causa está o impedimento à prova de passivo da Herança correspondente a dívidas que ascendem a €498.797,40, conforme relacionado pelo cabeça-de-casal (Doc. 2.A e Doc. 2.B); 4) As provas que não foram admitidas pelo Tribunal a quo no Despacho Saneador referem-se à prova testemunhal e à prova documental apresentadas e requeridas pelo cabeça-de-casal no seu requerimento de 14-02-2022 (Doc. 4); 5) Esta não admissão impossibilitou a produção de prova sobre os factos relevantes para a consideração do passivo da Herança; 6) Em consequência, o Tribunal a quo declarou não reconhecer, para efeitos de verificação do passivo, as dívidas de €498.797,40. Mais declarou não reconhecer, para efeitos de verificação dos encargos, as benfeitorias realizadas por terceiro sobre prédio da Herança, no valor de €28.458,18, tal como relacionadas pelo cabeça-de-casal; 7) O recurso de apelação interposto está objetivamente delimitado à parte do Despacho Saneador respeitante às decisões descritas no seu ponto III e no seu ponto (ii) da parte dispositiva (artigo 635.º, n.º 2, do CPC); 8)Relevam, aqui, dois complexos de dívidas da Herança: o primeiro, de constituição anterior ao óbito dos inventariados (passivo); o segundo, de constituição posterior (encargos); 9) No primeiro caso, estão em causa dívidas relacionadas com despesas com a construção e licenciamento do prédio identificado nas verbas 3 a 9 do ativo da Herança (cfr. relação de bens – Doc. 2), em valor que ascende a cem milhões de escudos, quantia atualmente equivalente a €498.797,40, referentes aos anos 1999 a 2001; 10) Foram despesas suportadas pelo cabeça-de-casal, em vida dos inventariados, num concreto contexto familiar, em que se visou evitar que os inventariados incumprissem perante terceiros as obrigações emergentes da realização dessas despesas; 11) O que levou o cabeça-de-casal a assumir individualmente o risco de cumprir...

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