Acórdão nº 02154/17.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução19 de Maio de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO 1. [SCom01...], S.A., melhor identificada nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA nos quais é Autor «AA», vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, em 05.12.2022, julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou “(…) a Ré [SCom01...], SA e a Interveniente, [SCom02...], Limited Sucursal em Portugal na proporção da responsabilidade decorrente do contrato de seguro, no pagamento ao Autor da quantia de € 4.808,04 (quatro mil oitocentos e oito euros e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. (…)”.

  1. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…) I. A decisão sobre a matéria de facto fica claramente aquém, quer do ponto até onde deveria ter ido, quer da prova que os autos revelam, particularmente quanto aos factos provados n°s. 15, 16 e 18, cujas respostas pecam por nitidamente escassas (ou, pelo menos, por muito insuficientemente “explicadas”), mas também porque incorreu em clara omissão de pronúncia no que se refere pelo menos à matéria de facto constante designadamente dos itens 21° e 22° da contestação da R./recorrente; II. Além disso, e nessa mesma linha, a R./recorrente discorda da circunstância de ter sido dado como não provado o ponto 1 dos factos não provados (e, de resto, o único que se entendeu merecer aquela resposta negativa);  III. Com efeito, desde logo quanto a este último, e contrariando até de certo modo o que se diz na fundamentação a esse respeito, resulta indiscutível do depoimento de «BB» que aquela matéria de facto, oportunamente alegada na peça processual da R., que aquela factualidade deve ser expurgada do “local” onde se encontra e fazer a “viagem” para o “local” diametralmente oposto (factos provados), posto que não resta a mínima dúvida daquele depoimento que a vedação foi inspecionada logo depois do sinistro dos autos e, mais que isso, que estava se apresentava em boas condições de segurança e conservação, tal como alegado pela R.; IV. Por isso, sugere-se que a redação daquela matéria de facto, a inscrever, como dito, e em face da prova inequivocamente lograda, no rol dos factos provados passe a ser a seguinte: - provado que “À data do acidente, e numa extensão de 1 Km em cada um dos sentidos de trânsito, as vedações da auto-estrada, no local do sinistro, encontravam-se em bom estado de segurança e conservação.”; V.

    Depois, tendo por base este depoimento citado e parcialmente transcrito, mas também aqueloutro de «CC» (que vai, do mesmo modo, parcialmente transcrito nestas linhas), conclui-se muito facilmente que o ponto 18 dos factos provados peca por nítido defeito e não retrata na sua integralidade o labor probatório que, a tal propósito, a R./recorrente logrou fazer/conseguir, motivo pelo qual se sugere que a respectiva seja alterada para a seguinte: - provado que “As vedações mencionadas no ponto antecedente, bem como aquelas de toda a auto-estrada A..., são vistoriadas anualmente, de acordo com o previsto no plano de controlo de qualidade.”; VI. Do mesmo modo, tendo por base aquele depoimento de «CC», mas igualmente a prova “legal” (cfr. p. ex. a alínea f) do n° 4 da Base LV do DL n° 248- A/99, de 06.07, na redação aplicável do DL n° 109/2015, de 18.06 que, curiosamente, a sentença nem sequer a tal alude), é evidente que o ponto 15 dos factos provados merece nitidamente ter a seguinte redação: - provado que “A Ré [SCom01...] efetua patrulhamentos na via concessionada referida no ponto 1 (A...), organizados em três turnos diários, utilizando, para o efeito, viaturas próprias que circulam em ambos os sentidos, tudo de acordo com o manual de operação e manutenção previsto no diploma legal que rege a concessão e aprovado pelo concedente.”; VII. Acresce que o ponto 16 dos factos provados não foi corretamente decidido (peca mais uma vez por escasso) pela sentença do tribunal a quo, pelo que, de harmonia com o também parcialmente transcrito depoimento de «DD», o mencionado item da matéria de facto deve ter a seguinte redação: - provado que “O último patrulhamento antes do sinistro dos autos, naquela via, faixa de rodagem e sentido de trânsito, teve início às 15h15m e passou no local do sinistro cerca das 15h28m, não tendo então sido detetado nenhum animal naquele local.”; VIII.

    Por outro lado, e a não ser que se pense que isso não assume qualquer interesse, nomeadamente pela circunstância de se entender (muito erradamente, no entanto, adianta-se desde já) que a responsabilidade aqui em avaliação (da concessionária) é objetiva, sem culpa, pura e simplesmente não é possível perceber p. ex. que ilações podem ser tiradas dos “singelos” (sobretudo com a redação que a sentença escolheu) factos provados n°s. 15 e 16 dos factos provados se nem sequer se tem, por assim dizer, um “termo de comparação” uma unidade de medida” que permita avaliar, no caso concreto, se o “desempenho” da concessionária R. foi ou não o adequado (o legalmente adequado, acrescente-se); IX. Ora, mais uma vez de harmonia com o depoimento de «CC» e bem assim do doc. n° ... junto com a contestação (mas também com o apoio incontornável da citada Base LV, n° 4, alínea f) do diploma legal relevante), concluiu-se muito facilmente que o tribunal a quo devia ter “olhado” para a prova produzida (e antes, evidentemente, para a alegação da R.) quanto aos artigos 21° e 22° da contestação nos seguintes termos: - provado que “A R. obrigou-se a efetuar patrulhamentos no mesmo local com o intervalo máximo de quatro horas.”.

    Segue-se que X. A conclusão que se pode tirar da fundamentação da sentença do T. A. F. de Braga é que, sem que se perceba porquê, a R./recorrente, para além de ter sido ignorada a legislação especial que manifestamente se aplica in casu e se aplica, quer nas relações com o concedente, quer nas relações com terceiros, como o A., foi condenada com base em duas ideias principais (ainda que não expressamente assumidas, diga-se assim), ou seja, numa ideia de ubiquidade a que supostamente esta R. estaria “obrigada” e também numa lógica (ideia) de responsabilidade objetiva que sobre si alegadamente impenderia; XI. Com efeito, a sentença “preferiu” apoiar-se p. ex. no disposto no artigo 493° n° 1 do Cód. Civil, normativo esse que, nas (ainda hoje) certeiras palavras de Carneiro da Frada (loc. e ob. citadas) tem claramente o seu terreno de eleição e de aplicação quando se trata de danos causados pela própria coisa, “pelo específico perigo da própria coisa” (leia-se: a auto-estrada propriamente dita) e não já quando “(...) o evento danoso se tenha dado “com” a coisa, “na” coisa ou com “ocasião” da coisa.”; XII. No entanto, nenhuma dessas ideias/afirmações/fundamentos tem consagração legal, sendo que também não se conhece (e também não se vê como podia ser isso possível) qualquer “histórico” jurisprudencial que defenda, “preto no branco”, que as concessionárias devem ser omnipresentes, por um lado, e que a sua responsabilidade é objetiva, por outro; XIII. E pior ainda, salvo, evidentemente, o devido respeito, é a circunstância de se persistir de forma completamente infundada numa linha que se pode resumir, em traços gerais, na ideia errada (legalmente insustentável) de que alegadamente a R. teria de provar que não teve culpa no sinistro (e nas suas várias “variantes” mais ou menos imaginativas, como p. ex. aquela de ter de provar por onde ingressou o animal na via).

    Posto isto, XIV. A sentença não valorizou devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que a R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, os pontos 15, 16, 17 e 18, bem como aqueles factos que, de acordo com a primeira parte deste recurso, devem constar do acervo a considerar na decisão, decisão essa que - insiste-se - devia ter sido norteada designadamente pelo disposto na Base LXXIII do diploma legal relevante, mas também na Base LVIII - A, ambas mostrando à saciedade qual é afinal o “conteúdo”, definição e limites das “famosas” obrigações de segurança (previstas, como inegável conceito indeterminado, no artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho) que à R. cumpria observar e demonstrar/provar na situação sub judice concreta, tanto perante o concedente, como sobretudo perante o A. (terceiro);  XV. Ora, muito diversamente do concluído na sentença (“verificou-se a omissão de deveres de cuidado e vigilância”, devendo ainda ser notado, não sem curiosidade, que toda a jurisprudência citada na sentença em suposto apoio da decisão nesta parte diga respeito a situações de facto/sinistros ocorridos em data anterior ao início de vigência, no ano de 2015, da actual redação do DL n° 248-A/99, de 06.07, e particularmente daquelas duas Bases LXXIII e LVIII - A citadas e transcritas no corpo das alegações), não sobra a mínima dúvida que a R./recorrente cumpriu de forma clara e inequívoca no caso concreto (e disso fez incontornável prova) com as obrigações de segurança a seu cargo; XVI.

    Com efeito, e salvo o respeito devido, em vez de o fazer optou por “embarcar” numa linha de argumentação “redonda” e inconsistente, argumentação essa não concreta, não concretizável e sobretudo irrazoável que, além do mais, não tem o mínimo apoio legal, mormente na legislação especial relevante (insiste-se: do Decreto- Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, na redação em vigor à data do sinistro); XVII. De forma que não é certamente ao “sabor das conveniências argumentativas” ou da ideia (do “achismo”) que se possa ter sobre o que será eventualmente correto e/ou justo que nos temos de movimentar em matéria de fundamentação de direito, mas é antes atendo-nos ao direito (positivo) e legislação especial à qual não se pode deixar de atender (e com primazia/prevalência, de resto), o que manifestamente não aconteceu com esta sentença...

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