Acórdão nº 02279/22.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução19 de Maio de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: [SCom01...], L.da e [SCom04...] S.A.

, vieram interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 30.01.2023, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção de contencioso pré-contratual que intentaram contra a [SCom02...], E.I.M., S.A.

, para anulação do acto de adjudicação do concurso internacional “aquisição de equipamentos e software para a recolha de biorresíduos para implementação do projeto BIO-APIN” à Contra-Interessada [SCom03...], S.A.

e para a prática do acto de adjudicação do concurso em apreço em nome das Autoras.

Invocaram para tanto, em síntese, que a sentença recorrida violou, pelo menos, o disposto no artigo 1º-A do Código de Contratos Públicos e bem assim o artigo 21º do programa do procedimento, dos quais fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto em apreço.

A [SCom02...] veio contra-alegar, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: C) Das Conclusões I) Não obstante em sede de Petição Inicial apresentada as aqui Recorrentes defenderem, por um lado, a exclusão da proposta da Contrainteressada e, a nível subsidiário, a existência de uma deficiente avaliação e graduação das propostas, o presente recurso incidirá apenas em aspetos específicos da avaliação e graduação das propostas, por se aceitar e compreender a fundamentação desenvolvida pelo Tribunal recorrido para a não determinação da exclusão da proposta da aqui Contrainteressada; II) Percebendo-se os limites à atuação e fiscalização dos tribunais relativamente aos poderes de carácter discricionário que sobre a administração recaem, não se poderá entender que os Tribunais, que em última análise devem funcionar como os derradeiros garantes dos princípios que devem nortear a atuação da administração (especialmente quando em causa estão concursos públicos que exigem especiais cuidados de vinculação a princípios de transparência, imparcialidade, igualdade e legalidade), se coloquem voluntaria e propositadamente à margem de qualquer reflexão crítica e se recusem a analisar devidamente a atuação da administração, mesmo quando a mesma se encontra investida de poderes discricionários; III) “há outra razão definitiva para que o Direito Administrativo utilize energicamente a técnica dos princípios gerais de Direito, que é a insuficiência da submissão da Administração a uma simples legalidade formal”, de modo a submeter toda a atividade administrativa ao mundo da juridicidade e para que, estando “a posição jurídica da Administração (...) em boa parte construída sobre o chamado poder discricionário, que supõe em alguma medida uma liberdade face à lei. Também o sistema dos princípios gerais se mostrar inevitável para que essa liberdade não se traduza em arbitrariedade pura e simples”, como assinalam Garcia de Enterria e Ramon Fernandez (“Reflexiones sobre la Ley y los Princípios Generales del Derecho”), apud Maria Teresa de Melo Ribeiro, obra cit., pp. 90-91; IV) A legalidade do procedimento pré-contratual prende-se diretamente com os termos como as propostas apresentadas ao concurso irão ser admitidas, avaliadas e classificadas e, consequentemente, com a escolha da melhor proposta; V) Não se pode tolerar num sistema jurídico submetido à legalidade administrativa, procedimentos como o que foi desenvolvido pela entidade adjudicante no caso vertente, nomeadamente ao nível da valoração e graduação das propostas apresentadas, pois isso traduzir-se-ia em consentir práticas e atuações totalmente ao arrepio dos mais elementares princípios jurídicos fundamentais administrativos, com consagração constitucional; VI) No caso vertente, princípios essenciais foram manifestamente postergados, esquecidos e irremediavelmente violados, sendo o acto final de adjudicação ora impugnado o culminar de todo este processo inapelavelmente inquinado, e, nessa medida, não pode o Tribunal recorrido “lavar as mãos como Pilatos” (como acabou por fazer), argumentando que estamos perante situações ao abrigo da discricionariedade técnica da administração, eximindo-se de fazer um juízo crítico sobre a avaliação e graduação das propostas; VII)No caso vertente a entidade adjudicante definiu como fatores de avaliação um fator inteiramente objetivo (fator preço) e um fator eminentemente subjetivo (qualidade técnica da proposta), sobretudo tendo em conta a matriz de avaliação constante do Anexo II ao programa do concurso (pontos 2 e 3 dos factos provados) a qual integraria dois Subfatores de avaliação: “Equipamentos Técnicos” e “Metodologia de Trabalho para a execução do trabalho e tratamento de dados”; VIII) No que diz respeito ao fator de avaliação de cariz objetivo, o preço, a proposta das aqui Recorrentes é substancialmente melhor e mais vantajosa, pois as mesmas apresentaram um preço de € 398.526,30 ao passo que a aqui Contrainteressada apresentou um preço de € 428.810,47, o que corresponde a uma diferença entre propostas de € 30.284,17, pelo que apenas uma substancial diferença de avaliação ao nível do fator de avaliação de cariz subjetivo em benefício da Contrainteressada é que poderia fazer com que a mesma saísse vencedora do concurso público em análise; IX) É precisamente neste tipo de contexto (em que se promove a escolha de uma proposta financeiramente mais onerosa) que se exige uma maior transparência e imparcialidade ao nível da atuação da administração e, subsequentemente, um maior controlo de tal atuação por parte dos tribunais quando chamados a debruçar-se sobre a mesma, algo que o Tribunal recorrido não fez; X) A proposta da Contrainteressada, no que respeita ao Subfator de avaliação “Equipamentos Técnicos”, obteve a pontuação máxima possível, pelo que entendeu a Ré que os equipamentos técnicos que a Contrainteressada pretende afectar à prestação de serviços satisfazem plenamente face aos trabalhos previstos, avaliação essa que não pode deixar de ser entendida como um erro grosseiro ou manifesto e, nessa medida, deveria ter sido sindicada e alterada pelo Tribunal; XI) A proposta da Contrainteressada, ao nível dos equipamentos técnicos, prevê a disponibilização de "serviços de Cloud para alojamento da solução", quando, ao nível do Caderno de Encargos, mais concretamente na cláusula 34ª, nº. 2 do mesmo, se encontra estabelecido que "a solução informática seja preferencialmente, on-premise, para a gestão de dados no âmbito da recolha dos biorresíduos", pelo que a mesma não se encontra alinhada com o que é exposto e desejado ao nível do Caderno de Encargos, sendo que essa não convergência não poderá, de forma alguma, ser considerada como despicienda e sem qualquer efeito prático; XII) Não se poderá aceitar que se interprete a formulação da cláusula em causa como se nenhuma referência tivesse sido feita a aquilo que a entidade administrativa pretendia ao nível da solução informática a apresentar pelas concorrentes, como se aquilo que se encontra escrito ao nível da cláusula em causa e que outras concorrentes, nomeadamente as aqui Recorrentes, se esforçaram por cumprir, na verdade não viesse escrito em lado nenhum; XIII) Nenhum dos três argumentos apresentados ao nível da douta decisão recorrida para sustentar a decisão de não intervenção no que a este aspeto da valoração da proposta da Contrainteressada se mostra sustentável ou, sequer, compreensível; XIV) A solução apresentada pela Contrainteressada é absolutamente antagónica (é mesmo diametralmente oposta) àquela que foi defendida como sendo preferencial por parte da entidade adjudicante, sendo que numa solução “on-premise” é feita a instalação de todos os componentes do software de gestão nos servidores da Ré, o que permite, por exemplo, que questões relacionadas com a privacidade dos dados da Ré sejam mitigadas pois o software estará apenas acessível dentro da rede da Ré, enquanto que na solução “Cloud” apresentada pela Contrainteressada a instalação de todos os componentes do software de gestão é feita em serviços cloud, ou seja numa infra-estrutura gerida por terceiros, com as limitações de privacidade de dados que isso comporta; XV) A avaliação do referido subfactor nos termos em que foi feita, por não ter tido minimamente em consideração o requisito estabelecido ao nível da cláusula 34ª, nº. 2 do Caderno de Encargos, constitui evidente e grosseiro erro de avaliação ao qual o Tribunal não pode ficar indiferente, ainda para mais quando o mesmo é absolutamente determinante para que saia vencedora uma proposta que, ao nível do fator preço, é objetiva e significantemente mais onerosa; XVI) Admitindo-se ao nível do Relatório Final apresentado que a entidade adjudicante tinha preferência por uma solução on-premisse e não tendo a Contrainteressada cumprido com tal preferência ao nível dos Equipamentos Técnicos por si propostos, não se poderá conceber que a sua proposta não saia minimamente penalizada em sede de pontuação no que a este subfactor de avaliação diz respeito, pelo que, e no mínimo, deveria considerar-se, ao nível do subfactor de avaliação “Equipamentos Técnicos”, que a proposta da Contrainteressada se limitava a satisfazer (e não a satisfazer plenamente) face aos trabalhos previstos, exigindo-se, assim, a reavaliação da proposta da Contrainteressada no que a este subfactor diz respeito, por se verificar a existência de um erro grosseiro ou manifesto ao nível da avaliação da sua proposta; XVII) Ainda no que a este subfactor de avaliação diz respeito (“Equipamentos Técnicos”), mas agora tendo em conta a proposta apresentada pelas aqui Recorrentes, a avaliação que foi feita da mesma padece, igualmente, de evidente e inexplicável erro grosseiro, isto porque analisando os documentos integrantes da proposta das...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT