Acórdão nº 2184/20.2T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ MOURO
Data da Resolução16 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 2184/20.2T8VRL.G1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): * I - Em 17-11-2020 AA intentou a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB.

Alegou a A., em resumo: A A. e o R. casaram em .../.../1993, havendo nascido, na constância do matrimónio, dois filhos já maiores.

Desde o dia 10 de Outubro de 2020, que o R. se ausentou da casa de morada de família, tendo-se deslocado para o ..., onde estabeleceu residência, vinculando em definitivo a decisão da A. em dissolver a relação conjugal e, dessa forma, demarcando a ruptura entre o casal. No último ano de matrimónio, a A. não se tem sentido realizada com o vínculo matrimonial, sentindo-se negligenciada pelo R., desconfiando que este esteja a manter (novamente) uma relação extraconjugal, quebrando em definitivo o vínculo de confiança e fidelidade que os une.

Desde o passado dia 10 de Outubro de 2020 que A. e R. não mantêm qualquer contacto pessoal, nem sequer epistolar, não mais havendo comunhão de leito, mesa e habitação entre eles, não tendo a A. qualquer intenção de restabelecer a comunhão de vida com o R., o que preenche os requisitos impostos pela alínea d) do art. 1781º do Código Civil.

Pediu a A. que seja decretada a dissolução dos laços matrimoniais entre a A. e o R..

Na contestação que apresentou, entrada em juízo em 26-5-2021, aduziu o R., em resumo: É verdade que em início de Outubro de 2020 o R. viajou para o ..., mas fê-lo por motivos da sua actividade profissional, tal como sucede todos os anos desde 2013, vivendo o R. ora ali, ora na casa de morada de família, tendo regressado a Portugal em início de Janeiro de 2021. A A. que bem sabia que a ausência do Réu se devia a motivos de trabalho, aproveitou-se dessa ausência para propor esta acção, não tendo qualquer fundamento a alegação de que o R. se encontrava no ... com uma relação extraconjugal; tendo a A. abandonado a residência conjugal no dia 2 de Janeiro de 2021, sabendo da data de regresso do Réu a 6 de Janeiro de 2021, residência aquela a que a A. não mais regressou.

Concluiu o R. que foi a A. quem infringiu os deveres conjugais de coabitação, cooperação e assistência e terminou pedindo a improcedência da acção.

O processo prosseguiu, vindo o Tribunal de 1ª instância a proferir sentença onde decidiu: «Face ao expendido supra, decide-se julgar a ação procedente, por provada e, em consequência, decreta-se o divórcio entre a Autora AA e o Réu BB, declarando dissolvido o casamento celebrado entre ambos no dia .../.../1993».

O R. apelou, determinando a Relação de Guimarães no seu acórdão de 19-1-2023: «Pelo exposto, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se com fundamento diferente, a decisão que decretando o divórcio, declarou dissolvido o casamento celebrado entre a Autora e o Réu no dia .../.../1993».

Interpôs, então, o R.

recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões: I. Dita o art. 611.º, n.º 1 do CPC: “1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.

  1. A autora, na petição inicial, alegou que “4. Desde o dia 10 de Outubro de 2020, o Réu ausentou-se da casa de morada de família, tendo-se deslocado para o ..., onde estabeleceu residência na morada já supra indicada. 5. Vinculando em definitivo a decisão da Autora em dissolver a relação conjugal e, dessa forma, demarcando a rutura entre o casal”.

  2. Tais factos foram dados como não provados pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

  3. Neste sentido, da petição inicial da autora foi esvaziada, quanto ao único facto apto a traduzir o consagrado na alínea a), do art. 1781.º, e, portanto, não respalda da invocação de factos integradores de uma causa de pedir, a separação de facto por 1 (um) ano consecutivo.

  4. Inexistindo factos que aludam à separação de facto, não pode o Venerando Tribunal da Relação, oficiosamente, alterar ou ampliar a causa de pedir, preenchendo-a com factos supervenientes, sob pena de violação do plasmado no art. 611.º, n.º 1 do CPC.

  5. Isto porque, se assim fosse, sairia violado o princípio do dispositivo e o princípio do pedido, consagrados nos art. 264.º, 265.º e 662.º do CPC, desvinculando-se o juiz, dessa forma, dos factos alegados pelas partes, favorecendo uma delas em deterioramento da outra».

A A. contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida, consoante fls. 111 e seguintes.

* II – Sendo as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que delimitam o objecto da revista, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo, tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente, emergem como questões a considerar: se o Tribunal da Relação infringiu as normas que disciplinam o processo civil, considerando, na aplicação da lei substantiva, um período temporal de “separação de facto” decorrido depois de intentada a acção; se tal período temporal não poderia ser oficiosamente atendido pelo tribunal, sendo infringidas as regras referentes à estabilidade da causa de pedir.

* III - 1 - Os factos provados, tal como decorrem do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, são os seguintes:

  1. A Autora e o Réu contraíram matrimónio católico, sem convenção antenupcial, no dia .../.../1993.

  2. Na constância do matrimónio nasceram dois filhos, BB, nascido a .../.../1995 e CC, nascida a .../.../2001.

  3. Depois do casamento, Autora e Réu residiram no Lugar ..., ..., freguesia ..., ..., assumindo essa residência como a casa de morada de família até 2019, data em que passaram a residir em ....

  4. No dia 10 de Outubro de 2020 o Réu ausentou-se da casa de morada de família, em viagem de trabalho, para o ....

  5. Desde 10 de Outubro de 2020 e até à presente data Autora e Réu não mantêm qualquer contacto pessoal.

  6. Não mais havendo comunhão de leito, mesa e habitação entre a Autora e o Réu.

  7. A Autora não tem qualquer intenção de restabelecer a comunhão de vida com o Réu.

    * III – 2 - O Tribunal de 1ª instância considerara não provados os seguintes factos: - O Réu estabeleceu residência no ... no dia 10 de Outubro de 2020; - No último ano a Autora sente-se negligenciada pelo Réu que passa longos períodos de tempo sem pernoitar no leito conjugal, não explicando as suas ausências àquela.

    A estes factos não provados o Tribunal da Relação, em resultado da impugnação da decisão da matéria de facto que o apelante/R. deduzira, aditou outros dois factos que excluiu da factualidade que a 1ª instância considerara provada: «e) A Autora constatou então que o Réu mantinha novamente relacionamento de cariz sexual com outras mulheres no ....

  8. O que vinculou em definitivo a decisão da Autora em dissolver a relação conjugal e, dessa forma, demarcou a rutura entre o casal».

    * IV – 1 - Na análise efectuada pelo Tribunal de 1ª instância encontrava-se reunido o condicionalismo que permitia “concluir pela rutura manifesta do casamento, porquanto deixou inequivocamente de existir a comunhão de vida própria de um casamento”...

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