Acórdão nº 416/22.1T8TND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | ISABEL VALONGO |
Data da Resolução | 10 de Maio de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. … por decisão da Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, foi a arguida AA, condenada na coima no montante de 2.000,00€ (dois mil euros), pela prática da contra ordenação prevista artigos 3º, nº 1 e 18º, nº1, ambos do Decreto-Lei nº 46/2008 de 12 de março, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 73/2011 de 17 de junho.
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A arguida impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa.
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Não houve oposição a que o recurso fosse decidido por despacho.
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Foi então proferido em 1-12-2022 o seguinte despacho: “AA, veio interpor o presente recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território no âmbito do processo de contra ordenação n.º NUI/CO/....CGI, por intermédio da qual foi condenada no pagamento de uma coima no valor de 2.075,00€ (dois mil e setenta e cinco euros), pela prática da contra-ordenação prevista artigos 3º nº1 e 18º nº1 ambos do Decreto-Lei nº 46/2008 de 12 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei nº73/2011 de 17 de junho.
Para tanto, alega, em síntese, a nulidade da mesma por violação do disposto no artigo 50.º DL n.º433/82, o qual prevê que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”, porquanto o auto de notícia que funda o presente processo de contraordenação: a) Não determina, nem sequer menciona a que título se pune a conduta da arguida (dolo ou negligência); b) Nem especifica a qualidade do agente que presenciou a alegada infração; c) Não obstante de não se inibir de alegar que se encontravam depositados 10 a 15 m3 de resíduos num terreno agrícola, da propriedade da arguida, não especifica que critérios nortearam o apuramento de tal valor, bem como, não indica o concreto local onde, alegadamente, se encontravam depositados esses resíduos.
Por outro lado, e acautelando diferente entendimento, refere que após a realização da obra transmitiu para o empreiteiro a responsabilidade da limpeza do terreno, porquanto não detém, nem tem a obrigação de deter os equipamentos necessários à sua eliminação de acordo com as normas de segurança e disposições ambientais.
Por fim, alega que o diploma legal pelo qual foi condenada foi revogado com a publicação do Decreto-Lei nº 102-D/2020 de 10 de dezembro.
* Notificado, o Ministério Público pronunciou-se quanto à arguida nulidade nos termos exarados na promoção de 23.10.2022, opondo-se à mesma.
* O Tribunal é competente em razão de nacionalidade, matéria e hierarquia.
* NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA Decorre da leitura do auto de notícia que deu origem ao processo de contraordenação que este não faz qualquer menção a que título se pune a conduta da arguida (dolo ou negligência), como não especifica como é que se apurou que os resíduos ocupavam um volume de 10 a 15 m3, como também não indica o concreto local onde se encontravam depositados esses resíduos.
Ora, tais omissões importam, na perspetiva deste Tribunal, a nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima, proferida nos presentes autos de contra-ordenação, por violação do disposto nos artigos 50.º e 41.º do RGCO e 374.º, n.º 1, a) e 379.º, n.º 1, al. a) do Código do Processo Penal.
Vejamos com outro detalhe as razões de tal entendimento.
Dispõe o artigo 50.º do DL 433/82, de 27 de outubro, que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Os factos que constituem a prática punível de uma infração contraordenacional devem, assim, abranger a parte objetiva, material da conduta, mas também a parte subjetiva, da culpa, pois que só pode ser punido quem agir com dolo ou, nos casos especialmente previstos, por negligência (artigo 8.º, n.º 1 do DL 433/82, de 27 de outubro).
Porém, como se referiu, depois de lida a matéria de facto constante do auto de notícia por contra-ordenação não se antolha a presença de qualquer descrição factual suficiente para formular um juízo de subsunção à norma que prevê a infração no que respeita ao elemento subjetivo.
Na verdade, o auto é omisso – na matéria de facto – quanto ao referido elemento. Com efeito, não resulta do mesmo um único facto que permita concluir que a recorrente atuou com culpa ou sequer com negligência.
E pese embora não se ignore que o dever de fundamentação no âmbito dos processos contra-ordenacionais não seja tão exigente quanto o é nos processos de natureza criminal, a realidade é que isso não pode equivaler a uma ausência da indicação dos factos.
… E não obstante também não se ignorar que, na decisão final, a autoridade administrativa aduza alguns argumentos para justificar a imputação da respetiva conduta à recorrente a título de negligência, certo é que não o fez antes de conferir à impugnante o direito previsto no já referido artigo 50.º de forma a que esta, querendo, pudesse, naquela concreta fase, exercer o respetivo direito de defesa, tal como se impunha.
Na verdade, não só não o fez naquela altura (isto é, do cumprimento do disposto no artigo 50.º), nem posteriormente, antes da prolação da decisão final, violando, assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, o direito da recorrente se poder pronunciar quanto a esses novos elementos.
Além disso, da leitura dos autos de contra-ordenação desconhece-se igualmente de que forma é que a autoridade administrativa chegou à conclusão de que a recorrente era efetivamente a titular do direito de propriedade do terreno onde se encontravam depositados os resíduos. Fê-lo com base em simples declarações feitas à GNR...
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