Acórdão nº 0277/15.7BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO Do CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A..., Ldª.

, com sede no Largo ..., ..., Chaves, devidamente identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (TAF), acção administrativa, contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, com sede na Avenida 5 de Outubro, 67 a 107, 1069-018 Lisboa, peticionando a anulação/declaração de nulidade: “(…) do acto da autoria do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 21 de Janeiro de 2015, que lhe determinou a reposição aos cofres do Estado da quantia de 108.167,89€ (cento e oito mil, cento e sessenta e sete euros, oitenta e nove cêntimos) e a consequente devolução, acrescida de juros de mora.”*Por sentença do TAF de Mirandela, proferida em 21 de Dezembro de 2018, foi julgada a acção totalmente procedente, e, em consequência, declarado nulo o acto em crise e condenado o Réu a devolver à Autora a quantia de 108.167,89€ (cento e oito mil, cento e sessenta e sete euros, oitenta e nove cêntimos), por esta entretanto liquidada.

*O Réu apelou para o TCA Norte e este, por acórdão proferido a 28 de Janeiro de 2022, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando a acção improcedente.

*A Autora/recorrente A..., LDA, inconformada veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “A.

O recurso de revista ora interposto pela Recorrente tem por objeto o Acórdão proferido pelo TCAN, em 28.01.2022, que, concedendo provimento ao recurso de apelação anteriormente interposto pelo então Recorrente Ministério da Educação, ora Recorrido, revogou a decisão proferida pelo TAF de Mirandela, substituindo-a por outra que julgou a ação improcedente.

B.

É que, ao decidir que, no âmbito da execução do contrato de associação celebrado entre as partes relacionado com o Colégio ..., o Recorrido podia ter determinado, como e quando determinou, que a Recorrente estava obrigada à reposição nos cofres do Estado da quantia de €108.167,89, o Acórdão recorrido incorreu em vícios formais e materiais que o ferem de ilegalidade.

C.

Ora, está em causa saber se o artigo 323º, nº 1, do CC, no âmbito do prazo de prescrição previsto no artigo 40º, nº 1, do DL 155/92, comporta a interpretação de que as entidades públicas estão dispensadas de recorrer aos meios judiciais para produzirem a interrupção da prescrição, podendo operar tal efeito através de atos extrajudiciais (como, por exemplo, a notificação de um interessado para audiência prévia).

D.

É notório que o presente caso se reveste de relevância social fundamental, pois, como bem se sabe, o instituto da prescrição tem um enorme impacto no tráfego jurídico atendendo ao potencial extintivo das obrigações constituídas que carrega, sendo, por isso, uma figura que pretende conferir segurança e certeza a esse tráfego.

E.

Além de que a admissão deste recurso de revista é também necessária para uma melhor aplicação do direito, pois que existe e é provável (ou, arrisque-se, certa) a “possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros”, além de que esta questão da prescrição tem vindo a ser tratada de forma contraditória pela jurisprudência – e, em parte dela, de modo errado! F.

Acresce que, o douto Tribunal recorrido incorreu em manifesta violação dos artigos 3º, 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigos 1º e 140º, nº 3, do CPTA, quando considerou que poderia, ao arrepio do alegado pelas partes considerar, sem mais, como provados factos simplesmente por eles constarem do relatório da instrução do processo disciplinar que constitui o processo instrutor.

G.

O que configura uma situação que exige a intervenção deste Venerando Tribunal, não só para assegurar uma melhor e necessária aplicação do direito, mas também porque se trata de uma questão com relevância social, por ser suscetível de se repetir noutros processos judiciais.

Ora, H.

Em primeiro lugar, a decisão recorrida padece de um evidente vício de excesso de pronúncia, o que determina a sua nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, aplicável por força dos artigos 1º e 143º do CPTA.

I.

É que, conforme se sabe, a competência dos tribunais está sempre sujeita à extensão dos pedidos que as partes lhes dirigem, cuja atuação se rege pelo princípio do dispositivo, conforme explicita o artigo 608º, nº 2, do CPC.

J.

Mais especificamente, em sede de recurso, esses limites são gizados pelos recorrentes, nas suas alegações de recurso e, sobretudo, nas suas conclusões, conforme determina também o artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC.

K.

Em concreto, o TCAN debruçou-se sobre a questão de saber se a ora Recorrente cumpriu ou não o disposto na Portaria nº 1310/2005, de 21 de dezembro, relativa à conservação arquivística de documentos (ponto II.2.3., que se inicia na página 23 do acórdão recorrido) – dúvida esta, que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, uma vez que a Recorrente sempre cumpriu as disposições legais e regulamentares aplicáveis à sua actividade.

L.

Referindo, a esse propósito o seguinte (páginas 25 e 26 da decisão recorrida): “O Recorrente tem inteira razão.

A inspecção realizada constatou, relativamente à biblioteca, designadamente, que “Não há registo de frequência nem número médio de utentes”, tendo alcançado a conclusão de que “não estava assegurado um horário de funcionamento para a biblioteca e que só muito esporadicamente esta abria” e, decisivamente, exarou-se: “Assim, não foi atribuída qualquer pontuação aos parâmetros C.4 e C.5 por não haver registo de frequência, nem estar assegurado um horário de funcionamento da Biblioteca (fls. 30)”.

O que não se mostra contrariado pela matéria de facto assente, por provada, e pacífica, por não impugnada, sendo que inexistem factos não provados.

M.

Determinar se houve cumprimento de uma determinada obrigação é uma questão puramente de facto, implicando apenas verificar se uma determinada realidade ou sucessão de acontecimentos ocorreu ou não; enquadramento esse, que o que o próprio TCAN reconhece: “O que não se mostra contrariado pela matéria de facto assente, por provada, e pacífica, por não impugnada, sendo que inexistem factos não provados” (página 25, quarto parágrafo, do acórdão recorrido, com destaque nosso).

N.

Repare-se até que o TCAN não diz expressamente que pretende alterar ou aditar, na sequência deste seu raciocínio, os factos provados, embora a sua finalidade prática seja efetivamente essa; numa palavra: quer, mas não diz que quer, porque sabe que não pode.

O.

Neste âmbito, cumpre ainda atender ao disposto no artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC, relativo ao conteúdo da sentença (e aplicável, naturalmente, aos acórdãos), segundo o qual todos os factos relevantes para qualquer decisão têm de pertencer a um de dois elencos: aos dos factos provados ou ao dos factos não provados.

P.

Assim, inexistindo um terceiro elenco de factos implícitos, tácitos ou inerentes, por não contrariarem o que já foi dado como pacificamente provado, não pode o TCAN pretender ficcionar esse terceiro elenco, tendo de se ater à apreciação de questões de direito (coisa que não fez).

Q.

Além da questão do cumprimento da Portaria nº 1310/2005, de 21 de dezembro, o Tribunal recorrido debruçou-se também sobre o tema das tabelas salariais utilizadas pela Recorrente para processar os vencimentos de setembro de 2007, procurando determinar quais foram efetivamente utilizadas.

R.

Ou seja, o Tribunal recorrido aferiu se determinados acontecimentos tiveram lugar ou não – o que também constitui, inequivocamente, matéria de facto.

S.

É certo que, nos termos do artigo 662º, nº 1, do CPC, aplicável, por via dos artigos 1º e 140º, nº 3, ambos do CPTA, aos Tribunais Centrais Administrativos, é possível alterar a matéria de facto: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

T.

Aliás, mais do que uma possibilidade, é mesmo um poder-dever do Tribunal ad quem proceder a essa alteração, caso assim o imponham (i) os factos tidos como assentes (pelo tribunal de primeira instância, naturalmente), (ii) a prova produzida ou (iii) um documento superveniente.

U.

Ora, sucede que nos dois casos acima apontados, em que o Tribunal recorrido apreciou indevidamente matéria de facto, o TCAN não o fez com base em nenhum destes três elementos! V.

Ao invés, socorreu-se (e até citou!) do processo administrativo instrutor para esse efeito, o que é manifestamente inadmissível! W.

Veja-se: “A inspecção realizada constatou, relativamente à biblioteca, designadamente, que “Não há registo de frequência nem número médio de utentes”, tendo alcançado a conclusão de que “não estava assegurado um horário de funcionamento para a biblioteca e que só muito esporadicamente esta abria” e, decisivamente, exarou-se: “Assim, não foi atribuída qualquer pontuação aos parâmetros C.4 e C.5 por não haver registo de frequência, nem estar assegurado um horário de funcionamento da Biblioteca (fls. 30)”” (página 25 do acórdão recorrido, com destaque nosso); ““a testemunha AA, funcionária administrativa, a trabalhar no Colégio ... há trinta anos, reconhece que "não foi feita a regularização aquando do conhecimento da nova tabela salarial", "por mero lapso" (fls. 498 do processo instrutor)” (página 30 do acórdão recorrido, com destaque nosso).

X.

Como bem se sabe, o processo administrativo instrutor não constitui prova produzida e, muito menos, factos tidos como assentes em primeira instância (bem pelo contrário, como se verá) ou documentos supervenientes.

Y.

Conforme explica o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu acórdão de 10.12.2019 (P. 185/07.5BEBJA12): “O processo administrativo instrutor não faz fé em juízo e a sua valoração como meio de prova não pode implicar uma ofensa aos princípios da igualdade das partes, pelo que a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT