Acórdão nº 1455/21.5YLPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: Primetierra Investments, Lda.

Recorrida: AA 1.

AA apresentou contra Primetierra Investments, Lda.

, sociedade que tem como objecto social o arrendamento, a gestão de bens imobiliários e sua administração, procedimento especial de despejo, através de requerimento onde peticiona: - o despejo da ré da fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. ..., ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 4972, da freguesia ..., e inscrito na matriz sob o art.º 2623 da freguesia ...; e - o pagamento das rendas vencidas e não pagas, bem como o pagamento da indemnização devida pelo atraso na entrega do locado, ambas acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das rendas até ao seu efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que em 21.10.2019 celebrou com a ré um contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma em questão e que a ré não procedeu ao pagamento das rendas vencidas entre 1.04.2020 e 1.06.2021, motivo pelo qual, através de notificação judicial avulsa apresentada em juízo em 2.06.2021, resolveu o contrato, pedindo a entrega do locado, a par do pagamento das rendas em atraso. Mais alega que a ré não entregou o locado nem pagou os montantes em dívida.

  1. Notificada a ré, apresentou oposição onde, em síntese, confirma a celebração do contrato de arrendamento e alega que destinou o locado à actividade do alojamento local destinado a turistas, mais alegando que em finais de Março de 2020 deixou de pagar as rendas, em razão da crise COVID-19, pois que a sua actividade foi afectada pela inexistência de turistas, passando a apresentar prejuízos na sua actividade. Alega ainda que até ao momento em que recebeu a notificação judicial avulsa foram realizadas várias tentativas de negociação, que se revelaram infrutíferas, e invoca a ilicitude da resolução operada pela autora, por alteração superveniente das circunstâncias, abuso do direito e caducidade do direito de acção, concluindo pela subsistência do contrato de arrendamento. Mais pede a condenação da autora como litigante de má fé, por ter usado indevida e abusivamente o procedimento especial de despejo.

  2. Tendo os autos sido distribuídos como acção especial de despejo, a autora exerceu o contraditório quanto às excepções peremptórias suscitadas na oposição da ré, bem como quanto ao incidente de litigância de má fé, concluindo pela improcedência daquelas e deste.

  3. Após realização da audiência final foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, julga-se parcialmente procedente o presente procedimento especial de despejo e, em consequência decide-se: a) Decretar o despejo da Ré PrimeTierra-Investments, Lda.

    da fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano subordinado ao regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ...

    sob o n.º 4972, da freguesia ..., inscrito no seu todo na matriz sob o artigo 2623 da freguesia ..., sita na Avenida ..., ..., condenando-se a mesma à entrega do locado, devoluto de bens; b) Condenar a Ré PrimeTierra- Investments, Lda.

    no pagamento da quantia de € 18.499,95 (dezoito mil quatrocentos e noventa e nove euros e noventa e cinco cêntimos) a título de rendas vencidas e não pagas respeitantes às rendas que se venceram desde Abril de 2020 até Junho de 2020 [rectificado para Junho de 2021, nos termos adiante referidos].

    c) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Maio a Novembro de 2020 e Abril a Junho de 2021 condenar a Ré PrimeTierra- Investments, Lda.

    no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento; d) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Abril de 2020, Dezembro de 2020 e Janeiro a Março de 2021 condenar a Ré PrimeTierra- Investments, Lda.

    no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o dia 01/07/2021 até efectivo e integral pagamento; e) Condenar a Ré PrimeTierra- Investments, Lda.

    no pagamento de € 9.866,64 (nove mil oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) pela indemnização ao abrigo do artigo 1045.º do Código Civil f) Condenar a Ré PrimeTierra- Investments, Lda.

    a pagar à Autora mensalmente, a título de indemnização nos termos do artigo 1045.º do Código Civil, o valor da renda estipulada (€ 1.233,33), até ao momento da efectiva restituição e entrega do locado.

    g) Absolver a Autora AA como litigante de má-fé”.

  4. Inconformadas, autora e ré apresentaram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, decidido, a final: “Em face do exposto julga-se improcedente o recurso do R. e procedente o recurso da A., alterando-se as al. c) a f) do dispositivo da sentença recorrida nos seguintes termos: c) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Junho a Dezembro de 2020 e de Abril a Junho de 2021, condenar a R. no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento; d) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Abril e Maio de 2020 e Janeiro a Março de 2021, condenar a R. no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o dia 01/07/2021 até efectivo e integral pagamento; e) Condenar a R. no pagamento de € 1.233,33 (mil duzentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), a título de indemnização devida ao abrigo do disposto no art.º 1045º, nº 1, do Código Civil, pela não restituição da fracção identificada em a) entre 29/6/2021 e 30/7/2021; f) Condenar a R. no pagamento da quantia mensal de € 2.466,66 (dois mil quatrocentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a título de indemnização devida ao abrigo do disposto no art.º 1045º, nº 2, do Código Civil, por cada mês decorrido entre 31/7/2021 e a efectiva restituição e entrega da fracção identificada em a)”.

  5. Inconformada ainda, vem a ré interpor recurso de revista deste Acórdão, pugnando pelo reconhecimento da ilicitude da resolução do contrato de arrendamento e, subsidiariamente, pela inaplicabilidade do disposto no artigo 1045.º, n.º 2, do CC.

    A terminar, formula a ré as seguintes conclusões: “1ª.- No que respeita à apelação interposta pela Ré, ora recorrente, da douta sentença de 1ª instância, o presente recurso de revista seria normalmente admissível segundo as regras da alçada, só não o sendo por força da ocorrência da dupla conforme.

    2ª.- Ocorrem no caso presente os requisitos do nº 1, al. a) do artº 672º do CPC para a admissão do presente recurso como de revista excepcional, quanto às questões enunciadas sob os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 de págs 10 a 19 das anteriores alegações.

    Com efeito, pelos motivos que se expuseram de fls 6 a 19 das anteriores alegações, 4ª.- É de relevante interesse para toda a comunidade prática e jurídica que em todo o País se relacionou e continua a relacionar com a vastíssima matéria de arrendamento urbano saber - no contexto de pandemia como aquele que todos atravessámos ao longo dos anos de 2020 e 2021, em que, como todos também sabemos, o Estado de Emergência foi declarado 15 vezes pelo Presidente da República, durou 173 dias consecutivos e teve 11 renovações, com pesadas restrições às actividades sociais e económicas bem como à circulação de viaturas e pessoas, suspensão as actividades lectivas, encerramento dos estabelecimentos comerciais não essenciais, as fronteiras terrestres e aéreas fechadas ou fortemente condicionadas, em que, passado um ano, a cidade ... continuava como ficara em Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2020, vazia de turistas, vazia de pessoas em geral (cfr citado Ac RL de 8-4-2021), em relação a um arrendamento para alojamento local a turistas em que a arrendatária vê a paragem completa da sua actividade e respectivas vendas devido ao cancelamento da totalidade das suas reservas (facto 17), apresentando, por causa disso, nesse ano de 2020, um resultado líquido negativo de 62.091,33 €, inferior em 249.268,60 € ao resultado que apresentara no ano anterior, positivo em 187.177,27 € - saber, dizia-se, como responder às várias questões colocadas sob os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 de paginas 10 a 18 das anteriores alegações, designada e particularmente: 1) Os artigos 7º e 8º da Lei nº 4-C/2020 aplicam-se ao arrendamento para alojamento local a turistas, como o dos presentes autos, tal como entenderam as instâncias? 2) Ou apenas se aplicam aos arrendamentos expressamente mencionados naquele art. 7º? 3) Mesmo no caso de resposta afirmativa à questão do antecedente nº 1), assiste ou não à arrendatária, neste caso a Ré, o direito potestativo de exigir à senhoria a modificação do contrato de arrendamento no que toca às rendas, de modo a que os efeitos da pandemia no que respeita à (não) ocupação do apartamento arrendado sejam suportados não apenas pela arrendatária mas também pela senhoria, com recurso ao regime do art. 437º do Código Civil? 4) Ou também, ainda que analogicamente, com recurso ao regime à legislação especial então publicada, designadamente a referida Lei 4-C/2020 (que, por ser especial, parece ser insusceptível de aplicação analógica)? 5) Neste contexto, a simples moratória ou diferimento no pagamento das rendas, como entendeu o acórdão recorrido, pelo estrito tempo relativo apenas a uma parte dos períodos de emergência é adequada a repor a justiça equitativa da relação contratual? 6) Ou exige-se, para isso, uma intervenção ao nível do conteúdo da relação contratual, obrigando ambas as partes a suportar e repartir entre si os riscos e as consequências da pandemia, no que respeita ao valor da renda, de modo a que a senhoria tenha de prescindir de parte das rendas respeitantes ao período em crise, considerando esse período não só o correspondente aos meses da emergência declarada mas também – e ainda - o correspondente aos períodos subsequentes, em que esses efeitos, como é da experiência geral, se prolongam e continuam a sentir...

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