Acórdão nº 24405/16.6T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Razão do Recurso AA e mulher BB, CC, DD e ..., intentaram a presente acção, com processo declarativo e forma comum, contra Casa de Hóspedes Casal do Olival, Ld.ª, pedindo: - que se reconheça que a Ré quebrou o compromisso constante do acordo judicial referido na p.i.; - que se condene a Ré a reconhecer que violou o princípio da boa fé ao recusar-se a celebrar o contrato definitivo; - que se condene a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos Autores, relativamente ao imóvel a que se referem os autos e a entregá-lo, de imediato, livre e desocupado; - se condene a Ré a pagar aos autores, a título de indemnização, a quantia de € 2 500,00/mês, desde a data da citação até efetiva restituição do imóvel.

Subsidiariamente pediram: - se declare formalizado o contrato de arrendamento, com as cláusulas constantes da transação judicialmente homologada; - se declare a resolução do contrato, condenando a Ré a entregar o imóvel livre e devoluto, assim como a pagar as rendas vencidas e que se vencerem.

Para tanto, alegaram que são proprietários de um prédio urbano, o qual, por escrito particular, datado de 1 de Janeiro de 1994, celebrado entre os Autores e o anterior proprietário, foi objecto de um contrato promessa de arrendamento, pela renda estipulada de 310 000$00, e se destinou ao exercício da indústria hoteleira, casa de hóspedes, pensão, residencial, lar de idosos e lar de estudantes, sendo que o contrato definitivo nunca chegou a ser celebrado.

Em acção judicial que correu termos no Tribunal ..., foi celebrado termo de transacção entre os então autores e a Ré Casa de Hóspedes Casal do Olival, no qual se comprometeram a celebrar um novo contrato de arrendamento relativo ao imóvel até ao dia 30-04-2015, pelo prazo de 5 anos e pela renda mensal de € 2500,00.

Após a celebração de tal acordo, no Tribunal, os Autores foram confrontados com sucessivas exigências da Ré, de introdução de novas cláusulas e alterações de outras, nomeadamente de data de início e duração do contrato.

Os Autores não aceitaram a alteração do prazo do contrato e, em 12 de Abril de 2016, remeteram à mandatária da Ré a última versão do contato, sendo que desde então, até ao presente, a Ré e o seu legal representante se remeteram ao silêncio.

Cansados, os Autores deram por encerradas as negociações, e requereram a notificação judicial avulsa da Ré, notificando-a para comparecer na sede da Associação Lisbonense de Proprietários, no dia 29-6-2016, para se proceder à assinatura do contrato. Porém, o legal representante da Ré não compareceu à assinatura do contrato e enviaram ao Autor uma carta referindo “o impedimento legal derivado da falta de licença de utilização e certificado energético, requisitos a cargo dos senhorios”, referência infundada.

De qualquer modo, independentemente de não ter assinado o contrato, a Ré liquidou as rendas referentes aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2015, o que parece significar que a Ré aceitou as condições principais do contrato, aceitando tal clausulado.

Porém, a Ré não pagou a renda de Outubro de 2015, nem as posteriores, no valor de € 2500,00 cada, o que constitui fundamento legal de resolução do contrato.

A Ré contestou e deduziu pedido reconvencional. Alegou que o contrato-promessa vigorou até à instauração da acção, pelo que os senhorios, mensalmente, passaram um recibo das rendas, sendo que à data da instauração da acção, todas as rendas estavam pagas.

Por outro lado, relativamente à essencialidade da licença e do certificado energético os mesmos eram absolutamente indispensáveis sob pena de nulidade do contrato. O acordo alcançado em termos de transação não pode vincular à outorga de um contrato em violação da lei. A Ré ignorava que o edifício não tinha licença de utilização.

Em reconvenção, pede se condenem os Autores a pagar-lhe a título de indemnização pela impossibilidade do exercício de actividade no locado, resultante da falta de licença, à razão de € 2 000/mês, contados desde o 1.º mês do contrato, até à obtenção da licença de utilização do locado pelos Autores, a liquidar em execução de sentença. Pede ainda que os Autores sejam condenados a reconhecerem o direito de retenção da Ré sobre o locado.

As Decisões Judiciais A sentença proferida em 1.ª instância julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente e, consequentemente: (

  1. Condenou a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos Autores e habilitados sobre o prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º868 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ... sob oartigo 559.; (b) condenou a Ré a reconhecer o incumprimento definitivo do contrato promessa de arrendamento, celebrado através de transacção judicialmente homologada; (c) condenou a Ré a entregar aos Autores, livre e desocupado de pessoas e bens o imóvel descrito em a); (d) condenou a Ré no pagamento aos Autores, a título de indemnização, da quantia de € 2 500,00 por cada mês de ocupação do imóvel, desde a citação até efectiva restituição do mesmo aos Autores.

    Absolveu os Autores/reconvindos do pedido contra eles deduzido pela Ré.

    Tendo a Ré interposto recurso de apelação, a sentença proferida foi confirmada na Relação, embora com diferente fundamentação, isto é, por via da nulidade do contrato promessa de arrendamento e da inexistência do contrato prometido e da subsequente não existência de qualquer título que legitimasse a ocupação do imóvel por parte da Ré, devendo esta restituir o imóvel aos seus legítimos proprietários.

    A Revista Ainda inconformada, a Ré interpõe recurso de revista.

    Formula as seguintes conclusões de recurso: 1ª - O presente Recurso é interposto de Acórdão da Relação de Lisboa, no qual o Tribunal “a quo” confirma a Sentença proferida em 1ª Instância, referindo que «Chegamos, assim, à mesma conclusão que a sentença recorrida, embora com fundamento diverso», nos seguintes termos; a) «Face à nulidade do contrato promessa de arrendamento e à inexistência desse contrato prometido, não existe qualquer título que legitime a ocupação do imóvel por parte da Ré (ora Recorrente), que deverá restituir o imóvel aos seus legítimos proprietários (os ora Recorridos)»; b) «…não merece qualquer reparo a decisão de condenar a Ré ao pagamento de indemnização pela ocupação do imóvel até à efectiva entrega, em quantia equivalente àquela que as partes acordaram ser a renda devida”; c) Relativamente ao pedido de lucros cessantes pela impossibilidade de utilização do imóvel prometido arrendar, decorre do supra exposto a sua improcedência. Na verdade, não havendo culpa de nenhuma das partes pela não obtenção da licença de utilização e sendo certo que a Ré sabia da sua inexistência quando celebrou o contrato promessa de arrendamento, nunca poderia exigir dos Autores indemnização a esse título»; d) «Por outro lado, (…) da prova produzida não resultou que, não obstante a impossibilidade legal, a Ré de facto não tenha dado utilização ao local. Pode até não ter utilizado para os fins que pretendia, mas resultou provado que o locado é a habitação familiar do legal representante da Ré…» 2ª -A Sentença proferida em 1ª Instância julgou improcedente o pedido reconvencional e condenou a Ré, ora Recorrente, a:

  2. Entregar aos Autores livre e desocupado de pessoas e bens o prédio descrito na CRP ... sob o nº 868, identificado nos autos; b) No pagamento aos Autores, a título de indemnização, da quantia de € 2 500,00€ por cada mês de ocupação do imóvel, desde a citação até efectiva restituição do mesmo aos Autores; 3ª - O fundamento jurídico que determinou tal Sentença foi o seguinte: - O Tribunal da 1ª instância condenou a Ré a reconhecer “o incumprimento definitivo do contrato promessa de arrendamento, celebrado através de transacção homologada”.

    1. - Ou seja: a 1ª Instância considerou que, no caso dos autos, aplicável o regime jurídico do incumprimento definitivo de contratos promessa, imputando tal incumprimento à Recorrente, baseando a condenação de entrega e pagamento que determinou no aludido incumprimento que considerou culposo, em desfavor daquela.

    2. - Por sua vez, o Douto Acórdão recorrido, manteve a condenação de entrega e pagamento atrás referidas; porém, o fundamento jurídico que aplicou foi completamente distinto, a saber: a) Considerou que o “contrato promessa” em análise nos autos (a transacção judicial qualificada pela 1ª Instância como contrato promessa), não deve merecer tal qualificação jurídica, não devendo ser aplicado o regime escolhido pela 1ª Instância, nos seguintes termos: - «I. Um denominado contrato-promessa onde logo se estabeleçam as cláusulas do contrato prometido, antecipando-se os efeitos próprios deste que logo passam a verificar-se, não merece a qualificaçao de contrato-promessa, mas, antes, a que juridicamente cabe ao contrato definitivo – o supostamente prometido»; b) A seguir, decidiu nos seguintes termos: - «II. A extrema dificuldade em obter uma licença de utilização para actividade comercial, inviabilizando a realização do contrato de arrendamento, deverá ser equiparada à impossibilidade legal de celebrar o mesmo. Assim, nos termos do disposto no artº 280º do C. Civil, será nulo o contrato promessa de arrendamento quando não seja possível obter a licença de utilização para fim diverso daquele para a qual se destinava o prédio a arrendar.».

    3. - Apesar de manter a condenação determinada pela 1ª Instância, ao Tribunal da Relação assentou-a num regime jurídico completamente distinto: o regime da Nulidade (e não o regime do incumprimento, como feito pela 1ª Instância), conforme, aliás, é referido no próprio Acórdão, o que determina a admissibilidade do presente recurso de revista, sendo manifesto não se verificarem, in casu, os pressupostos legais de dupla conforme.

    4. - A – No caso dos autos estamos perante uma questão de particular relevância social e verifica-se manifesta ilegitimidade...

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