Acórdão nº 254/23 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução12 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 254/2023

Processo n.º 202/2023

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A., recluso e aqui recorrente, veio impugnar, junto do Tribunal de Execução das Penas do Porto (TEPP), a decisão da Diretora do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira (que determinou a “aplicação da medida disciplinar de Permanência Obrigatória no Alojamento, pelo período de 08 (oito) dias” e “a suspensão do RVI do recluso A., pelo período de 4 meses a contar do 6.º dia após a data da notificação ou, do dia seguinte ao da decisão do TEP, caso esta lhe tenha disso favorável, devendo o arguido fazer prova da impugnação junto dos serviços jurídicos mediante a exibição do comprovativo do envio ao TEP”), formulando, a final, as seguintes conclusões:

“1º - A decisão sob impugnação enferma das nulidades alegadas nos parágrafos 2, 3, 4 e 5 desta impugnação.

2.º - Na decisão da matéria, como se evidenciou nos parágrafos 6, 7, 8, 9 e 10, não foi feita a demonstração de que o Impugnante tivesse praticado qualquer ilícito típico.

3º - O disposto nos artºs 103º, 1 e 105, 1, f) foram interpretados em desconformidade com a Constituição, como se procurou demonstrar nos parágrafos 11, 12 e 13 [que têm o seguinte teor: D- Das inconstitucionalidades 11. Na decisão recorrida, a Exma. Sra. Diretora disse: «(...) de acordo com a competência que me é conferida pelo artigo 2.º, n.º 1, do diploma legal supra citado» (CEP), aplicava ao Impugnante as sanções atrás referidas. Essa disposição diz: «A aplicação de medida disciplinar compete ao diretor do estabelecimento prisional» – O diretor tem assim um papel idêntico ao do juiz, na altura em que o processo lhe é atribuído para julgamento. Por isso, antes da decisão, e tendo em vista o disposto no artº 154.º do CEP e no n.º 10º do art.º 32.º da Constituição, a Exma. Senhora Diretora, em face das nulidades invocadas, acima, nos §§ 4 e 5, para as quais devia estar atenta, com base no disposto no art.º 371º do CPP, declararia a existência dessas nulidades, remetendo o processo ao instrutor, a fim dos atos em causa serem praticados de harmonia com a lei e a Constituição. Em consequência, o disposto no n.º 1 do art.º 112.º, do CEP foi interpretado em desconformidade com o disposto nos artºs 1º, 2.º, 20º, 1, 24º, 32º, 5 e 32,10 da Constituição, diretamente aplicáveis por força do disposto no seu artº 18.º, 1, pois, antes da decisão, com base no disposto no n.º 311.º do CPP, ex vi artº 154º do CEP, o Diretor deve proferir despacho de saneamento do processo, apreciando e decidindo das nulidades e questões prévias de que o processo enferme. Assim, o referido nº 1 do art.º 112.º do CEP deve ser assim interpretado: Recebido o processo para decisão, o diretor pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, decidindo em conformidade com a lei. Inexistindo nulidades ou questões prévias, o Diretor aplica a medida disciplinar pertinente ou ordena o arquivamento do processo. 12. À decisão sob impugnação fez interpretação inconstitucional do disposto no art.º 103.º, 1 do CEP, ao considerar a proibição do uso de telemóvel, por parte de um recluso, como elemento do tipo consagrado nessa norma. Essa interpretação contende com o disposto no artº 29º, 1 da Constituição. Pois, ao abrigo desta disposição constitucional ninguém pode ser condenado pela prática de um ato, supostamente proibido, cuja proibição não conste de norma que, anteriormente, declare a proibição. Por isso, na decisão impugnada o disposto no art.º 103.º, i) do CEP foi interpretado em desconformidade com o disposto no art.º 29º, 1 da Constituição, aplicável por força do seu art.º 30,º. 10. 13. A declaração de suspensão da RV, contém uma dupla inconstitucionalidade. Viola o direito à integridade moral e física do Impugnante, como se procurou demonstrar no § 10, sendo uma decisão que viola diretamente o disposto no art.º 25.º da Constituição, enquanto, em forma idêntica à alegada no § 12, interpreta o disposto no art.º 105.º, 1, f) do CEP em desconformidade com o artº 29º, 1 da Constituição, aplicável por força do seu art.º 32.º, 10. Na verdade, tanto o disposto no art.º 103.º, i) como o disposto no art.º 105.º, 1, f) do CEP, não compreendem a suspensão da RVI como medida de condenação pela posse de telemóvel]”.

2. Por decisão do TEPP, datada de 20.12.2022, decidiu-se julgar improcedente a impugnação, aí se escrevendo, no que aqui releva, o seguinte:

“[…]

2. O impugnante veio, em primeiro lugar, invocar a nulidade da decisão disciplinar por não lhe ter sido dada a possibilidade de exercer o contraditório, de oferecer prova, de não especificar os factos provados, de não fundamentar de facto e de direito.

Cumpre apreciar.

Em primeiro lugar, cumpre referir que o impugnante foi notificado dos factos que lhe eram imputados e do direito de apresentar provas para a sua defesa até ao termo do processo disciplinar (cf. fls. 7 verso). E foi ouvido em declarações, tendo afirmado o que considerou adequado à sua defesa (designadamente que confirmava o teor do auto de notícia e que era verdade que tinha um telemóvel na sua posse – cf. fls. 9), não tendo, por opção, apresentado provas. Tendo sido informado dos factos imputados, tendo prestado declarações livres sobre os mesmos e tendo optado por não apresentar quaisquer provas, mostra-se satisfeito o princípio do contraditório.

Em segundo lugar, cabe salientar que o despacho punitivo em questão, proferido em 23/11/2022 (constante de fls. 32), depois de dar como reproduzido para todos os efeitos legais o teor do relatório final (constante de fls. 16-17), onde se faz a descrição fática e o correspondente enquadramento jurídico (peça que igualmente foi objeto de notificação ao impugnante – cf. fls. 32 verso), concretizou os factos ilícitos praticados (que aqui se dão por reproduzidos para todos efeitos legais) e as medidas disciplinares aplicadas, com menção das disposições legais aplicáveis (artigos 102.º, al. a), 103.º al. a), 105.º, n.º 1, al f), n.º 3, 108.º e 113.º), pelo que se afigura ter sido observado o dever de fundamentação previsto no art. 110º, nº 4 do CEP.

E as garantias de defesa do impugnante não se mostram diminuídas, pois foi-lhe feita notificação, com entrega de cópia, de ambas as peças do processo: relatório final e despacho punitivo (cf. fls. 32 verso).

Deste modo, não se verifica qualquer invalidade formal no decurso do processo disciplinar, nem do despacho punitivo, tendo sido respeitado o princípio do contraditório, garantido ao impugnante uma efetiva defesa, fundamentando de facto e de direito o despacho final, improcedendo, assim, as nulidades invocadas.

*

Não se vislumbra qualquer outra diligência probatória com utilidade, nem se verifica qualquer nulidade ou exceção.

*

[…]

A prova recolhida resulta, assim, suficiente e para além da dúvida razoável – pelo que não há lugar ao princípio in dubio pro reo –, em termos de apuramento da responsabilidade disciplinar em causa no processo (responsabilidade de natureza diferente da jurídico-penal e que, portanto, não impõe, no seu apuramento, todo o grau de judicialização que ocorre em processo penal), mostrando-se desnecessário proceder a quaisquer outras diligências de prova.

Consta do registo disciplinar do impugnante a aplicação de um elevado número de medidas disciplinares (cf. fls. 13-15).

Os factos apurados constituem a posse de objetos proibidos – arts. 103º, al. i), do CEP.

*

4. Tudo visto, afigura-se que as aplicadas medidas de Permanência Obrigatória no Alojamento pelo período de 8 (oito) dias e Suspensão do RVI pelo período de 4 (quatro) meses se mostram adequadas e proporcionais ao caso, atentas as necessidades cautelares gerais que se verificam no caso, visto o elevado número de vezes que estes tipos de infrações são cometidos nos estabelecimentos prisionais.

A infração cometida, apesar de se configurar de simples, reveste-se de particular gravidade, cumprindo combater de forma eficaz a proliferação de telemóveis no interior dos estabelecimentos prisionais.

Para além disso, também a prevenção ao nível especial resulta intensificada, em função dos apontados antecedentes disciplinares do impugnante, os quais, em conjugação com a infração em presença, são reveladores de dificuldades de adaptação às regras de funcionamento do estabelecimento prisional.

Todas estas circunstâncias habilitam-nos a concluir que o recurso ao mecanismo de suspensão previsto no art. 106º do CEP, não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da medida disciplinar, sendo certo que quanto à infração disciplinar legalmente classificada como grave (art. 104º, al, j) do CEP), tal mecanismo de suspensão é inaplicável (art. 106º, nº 1 do CEP).

*

Diga-se, apenas, que não descortinamos o fundamento as inconstitucionalidades invocadas porquanto: por um lado, a...

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