Acórdão nº 238/23 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 238/2023

Processo n.º 534/21

2.ª Secção

Relator: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. O Ministério Público interpôs recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 16 de novembro de 2020 com fundamento na recusa de aplicação da norma contida no n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83 –C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16.º do artigo 8.º do Regime Jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014, e, em consequência, absolveu “Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional” da contra-ordenação que lhe havia sido imputada e anulou a aplicação de coima da Chefe do Serviços de Finanças de Portimão no processo de contra-ordenação n.º 1112-2018/0600000046150.

2. O Tribunal “a quo” decidiu nos seguintes termos, para o que aqui nos interessa:

«(…) No caso dos autos, vem imputada ao Arguido a prática de contra-ordenação de onde resulta o não pedido, atempado, de liquidação de imposto a que estava obrigado por força do n.º 15 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, com a redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

Quanto a esta temática, adere-se ao entendimento exposto pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 175/2018, (…) onde se pode ler: (…)

Assim, e em suma, no seguimento da extensa análise levada a cabo pelo Tribunal Constitucional, considera-se que sob a vigência da redacção original do regime especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, “a destinação do imóvel adquirido ao arrendamento habitacional, através da sua efectiva disponibilização para tal efeito, constituía condição simultaneamente necessária e suficiente para a atribuição das isenções concedidas no âmbito do IMT e do imposto de selo”, e também do IMI, “dado que nada ali se previa sobre a necessidade de o imóvel adquirido vir a ser efectivamente arrendado e/ou de permanecer na propriedade do fundo de investimento durante um certo prazo, sob pena de caducidade do benefício.”

Concluindo, segundo o Tribunal Constitucional, ao adicionar ao pressuposto originariamente previsto para a isenção, que consistia apenas na destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, dois novos pressupostos, a exigência de celebração efectiva de contrato de arrendamento para habitação e de não alienação do mesmo dentro de certo prazo, a lei veio agravar a condição resolutiva aposta ao benefício, que vinha do passado, originando, com isso, um caso de retroactividade fiscal inautêntica.

Decidindo o Tribunal Constitucional julgar inconstitucional, por violação do princípio da protecção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a norma decorrente do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime Jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de Janeiro de 2014.

Destarte, atenta a necessária desaplicação da norma que funda a infracção pela sua inconstitucionalidade, impõe-se concluir que o Arguido nenhuma infracção praticou ao não ter solicitado a liquidação de IMT, conforme referido pela Autoridade Administrativa. (…)»

O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional do sobredito despacho ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 1, alínea a), ambos da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), nos seguintes termos:

«O Ministério Público, notificado da decisão proferida nos autos em epígrafe, em que é Arguido/Recorrente "ARRENDAMENTO MAIS-FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL", decisão essa que desaplicou a norma que funda a infracção, pela sua inconstitucionalidade, vem da mesma interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O recurso é interposto ao abrigo do preceituado na al. a) do nº 1 do art. 70º da Lei 28/82, 15 de novembro.

Versa o presente recurso a apreciação da constitucionalidade da norma decorrente do n.º 2 do artigo 236. º da Lei n. º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Seio previstas nos nº 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014, cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida por entendida desconforme com a Constituição da República Portuguesa e violadora do princípio da proteção da confiança.

Porque está em tempo, tem legitimidade, ser a decisão recorrível, requer que seja considerado interposto o recurso, circunscrito à matéria da inconstitucionalidade referida, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito suspensivo da decisão - arts. 280º nº 1 al. a) e 6 CRP, 70º nº 1 al. a), 71º nº 1, 72º nº 1 al. a) e 3, 75º nº 1, 75o-A nº 1 e 78º nº 4 da Lei nº 28/82 de 15/11.»

3. O Tribunal “a quo” admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O recurso foi recebido no Tribunal Constitucional e o recorrente notificado para alegar.

4.1. O Ministério Público apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos:

«(…)

1. O Ex.mo Senhor Juiz a quo delimita o thema decidendum por remissão para um acórdão do Tribunal Constitucional, fazendo-o num processo sancionatório (contraordenacional), sem que, no entanto, se lhe prefigurem como inconstitucionais as normas punitivas da conduta do Arguido – dos artigos 34.º do Código do IMT e 26.º, n.º 4 e 114.º, n.ºs 2 e 5, al. c) do RGIT –, apesar de integrarem o complexo normativo contraordenacional pelo qual o mesmo foi sancionado na coima aplicada, razão pela qual às mesmas não caberá aludir.

2. Por outro lado, apesar de se referir lateralmente a um «caso de retroactividade fiscal inautêntica», o Ex.mo Senhor Juiz a quo não fundamenta a decisão de desaplicação da norma com base na violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal, consagrado no art. 103.º, n.º 3 da CRP, mas com base num juízo de afronta ao princípio constitucional da proteção da confiança, consignado no art. 2.º da CRP.

3. A questão de constitucionalidade foi delimitada nos seguintes termos, ao «(…) julgar inconstitucional, por violação do princípio da protecção da confiança, decorrente do artigo 2.° da Constituição, a norma decorrente do n.º 2 do artigo 236.° da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prago de três anos, contados de 1 de Janeiro de 2014».

4. O Ministério Público requereu, em conformidade com o disposto no artigo 82.º da LTC, a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação, pelo Plenário, da constitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31-12, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime Jurídico aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH), na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida lei, «de acordo com a qual as isenções em sede de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e de Imposto do Selo previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014».

5. Para fundamentar tal pedido, o Ministério Público alegou que a referida norma foi julgada inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 175/2018 e 622/2019 e na Decisão Sumária n.º 485/2018, verificando-se...

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