Acórdão nº 263/23 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução15 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 263/2023

Processo n.º 173/2023

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora reclamante) foi condenado, em primeira instância, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas pela prática de crimes de corrupção ativa, detenção de arma proibida e falsificação de documentos, decisão esta confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/09/2020.

1.1. O arguido suscitou um incidente pós-decisório desta última decisão, que viu indeferido por acórdão de 10/11/2020.

1.1.1. Interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) do acórdão de 08/09/2020, recurso este que não foi admitido, por despacho de 18/03/2021. Arguiu, ainda, a nulidade deste último despacho, pretensão que viu indeferida por despacho de 11/05/2021.

Na sequência de reclamação, a não admissão do recurso do acórdão de 08/09/2020 foi confirmada pela Senhora Vice-Presidente do STJ em 29/06/2021.

1.1.2. O arguido recorreu, então, para o Tribunal Constitucional que, pela Decisão Sumária n.º 155/2022, confirmada pelo Acórdão n.º 243/2022, decidiu não conhecer do objeto dos recursos que haviam sido interpostos quer do acórdão do Tribunal da Relação, quer da decisão que confirmou a não admissão do recurso para o STJ.

1.1.3. Entretanto, o arguido suscitou nulidades do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/11/2020, pretensão que viu negada por acórdão de 09/02/2021.

1.1.4. O arguido pretendeu recorrer para o STJ desta última decisão, pretensão que viu negada. Arguiu a nulidade do despacho de não admissão e reclamou nos termos do art. 405.º do CPP, reclamação que foi indeferida por despacho do Senhor Conselheiro Vice-Presidente do STJ de 29/09/2022.

1.1.5. O reclamante apresentou, então, requerimento a interpor recurso para o Tribunal Constitucional, recurso esse que não foi admitido, por despacho de 05/11/2022.

1.1.6. O recorrente reclamou desta última decisão, tendo sido ordenada a remessa do processo de reclamação ao Tribunal Constitucional em 17/11/2022, por despacho do Senhor Conselheiro Vice-Presidente do STJ.

1.1.7. Entretanto, o arguido pretendeu recorrer para o STJ do despacho de 11/05/2021, referido em “1.1.1.”, supra, recurso que não foi admitido por despacho de 14/07/2022. O ora reclamante arguiu então a nulidade deste último despacho, a qual foi indeferida por despacho de 12/10/2022.

1.1.8. O arguido interpôs recurso ordinário deste último despacho para o STJ, recurso que não foi admitido por despacho de 11/11/2022, com o fundamento em o despacho recorrido não ser uma decisão proferida em 1.ª instância pela Relação (artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP), nem uma decisão da Relação para o efeito da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, acrescentando que não faz sentido que se pretenda recorrer de um despacho que indeferiu a arguição de nulidade de outro despacho que não admitiu um recurso depois da reclamação dessa não admissão ter sido indeferida pelo STJ.

1.1.9. O recorrente apresentou, então, reclamação do despacho de 11/11/2022, nos termos do artigo 405.º do CPP. Nesta peça processual, sustentou o recorrente que o despacho em causa deve ser integrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, com a consequente admissibilidade do recurso interposto. Invocou, designadamente, o seguinte:

“[…]

A unidade da ordem jurídica exige uma interpretação material e aplicação efetiva da norma infraconstitucional que não se esgote na restritividade odiosa do texto-norma e que se conforme com o sentido constitucional dos artigos 32.º, n.º 1, 20.º, n.º 4 e 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.

A decisão judicial não se pode prender tão-só às questões formais ou positivadas advindas do texto-norma ancoradas numa interpretação restritiva, i e., exige-se que a norma-texto encontre guarida no texto-norma: o verdadeiro sentido da norma-texto subsumida a conformidade constitucional do direito de e ao recurso, cuja conformidade é consequência da vinculação do Tribunal à Constituição e aos princípios nela consignados [ex vi artigo 204.º da CRP]. Exige-se que se subordine ao princípio da constitucionalidade [artigos 3.º, n.º 2, e 18.º, ambos da CRP], que, quando em confronto, prevalece sobre o princípio da legalidade formal ou o derroga quando desconforme com os princípios constitucionais.

2. Da adequada interpretação normativa e aplicação da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP: aplicação da norma conforme o «Direito» e a Constituição

[…]

Uma interpretação e aplicação da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP com o objetivo de fundamentar a irrecorribilidade da decisão – despacho do juiz desembargador do Tribunal da Relação – proferida em primeira instância pela Relação com o argumento de que é uma “decisão singular de um juiz desembargador, pelo que é irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça”, é uma interpretação e aplicação contrária ao que supra se expôs, ao já decidido pelo TC e aos princípios da fiscalização, da controlabilidade e da previsibilidade das decisões judiciais, sejam singulares sejam coletivas: é contrária ao sentido axiológico-constitucional do artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

Primeiro, a decisão de um juiz-desembargado é uma decisão da Relação e não uma decisão isolada e externalizada ao processo: é intrínseca ao processo e nele se afirma enquanto ato decisório suscetível de ser duplamente apreciado.

Segundo, um despacho que neutraliza em absoluto o direito fundamental a ter uma decisão fundamentada nos termos do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, configura uma decisão restritiva de direitos fundamentais – direito de defesa efetiva e de recurso – que é fundamento legal e constitucional, formal e material, de recurso a interpor para o STJ.

Terceiro, o despacho recorrido não configura uma decisão sobre um incidente processual, mas uma decisão – um ato decisório – que afeta/restringe o âmago de um direito fundamental cuja aferição de suscetibilidade ou insusceptibilidade não se pode basear nas teses de incidentabilidade avocadas pelo despacho de inadmissibilidade de recurso: é um ato decisório restritivo de um direito fundamental.

Eis, pois, a interpretação assente na verdadeira norma-texto do texto-norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP que deve ser aplicada. Outra que seja aplicada, que não esta, colide e oblitera o direito a ter uma decisão fundamentada. O direito de recorrer de uma tal decisão, o direito de defesa efetiva, o princípio da equidade e do processo justo, o princípio da proibição do excesso e o princípio da proibição das interpretações restritivas de normas que garantem e efetivam direitos e garantias constitucionais: artigos 205.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1, 3 e 5, 18.º, n.ºs 2 e 3, e 20.º, n.º 4, todos da CRP.

A interpretação normativa e respetiva aplicação da norma da alínea a) do n.º 4 do artigo 432.º do CPP, na dimensão de que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas pela Relação em primeira instância que vise o reexame da matéria de direito – subsumida à ausência e sentido de fundamentação –, é suscetível de estar ferida de inconstitucionalidade material por violação do princípio da defesa efetiva, do direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição de uma decisão judicial, consagrado no artigo 32.º, n.ºs 1, 3 e 5 da CRP e no artigo 2.º do Protocolo n.º 7 Adicional à CEDH, do princípio da equidade e do processo justo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP e artigo 6.º da CEDH, do princípio da proibição do excesso das restrições do direito ao recurso e do princípio odiosa sunt restringenda, consagrados nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º conjugado com o n.º 1 do artigo 32.º da CRP.

O ora Reclamante considera que a interpretação normativa e respetiva aplicação da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, na dimensão normativa de que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão proferida pela Relação, mesmo que por despacho de juiz-desembargador, decisão singular, restritiva de direitos fundamentais, que conheça de requerimento de arguição de nulidades de um despacho por vício de ausência de fundamentação nos termos constitucionalmente impostos, e que foram arguidas tempestivamente pelo arguido, é suscetível de consignar uma inconstitucionalidade material por violação do princípio da defesa efetiva e do direito de e ao recurso, consagrado nos n.ºs 1, 3 e 5 do artigo 32.º, todos da CRP, e nos artigos 2.º e 4.º do Protocolo 7.º Adicional à CEDH.

Se o direito de recurso está constitucionalmente consagrado para que os arguidos possam recorrer das sentenças condenatórias e de quaisquer atos judiciais que, no decurso do processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais, interpretar e aplicar a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea a), conjugada com o artigo 400.º, n.º 1, alínea a), do CPP, no sentido de que se é admissível recorrer apenas de decisões coletivas da Relação, como o douto despacho decidiu e aplicou, é suscetível de configurar uma inconstitucionalidade material por violar o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e artigos 2.º e 4.º do Protocolo 7.º Adicional à CEDH, e o princípio odiosa sunt restringenda, consagrado no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, princípio este que exige que as normas restritivas de direitos e liberdades devem ser restritivamente interpretadas e não de forma literal positiva, como acontece e aplica o douto despacho ora em crise.

E, ainda, quanto ao argumento de que, sendo uma decisão de um juiz-desembargador, decisão singular, a mesma não é uma decisão da Relação, o ora reclamante entende que é de ater que o...

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