Acórdão nº 02953/17.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução05 de Maio de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO «EMP01...»., NIPC ..., com sede no Largo ..., ..., instaurou acção administrativa contra [AA], [BB] e [CC], herdeiros regularmente habilitados de [DD], todos m.i. nos autos, formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos melhores de Direito que certamente V. Exa. suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €2.302,47 (dois mil, trezentos e dois euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

”.

Por sentença proferida em 26/05/2021, nos autos de habilitação de herdeiros, que correram termos sob o nº 2953/17.0BEPRT-A, apenso a estes, foram habilitados [AA], [BB] e [CC], para, em substituição, assumirem nos autos principais a posição processual de réus, que antes era ocupada pela ré primitiva, [DD] (cfr. sentença a fls. 129-131 dos autos nº 2953/17.0BEPRT-A).

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir e absolvidos os Réus da instância.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: I. Ao ter julgado verificada a exceção dilatória da falta de interesse em agir, depois de praticados (ao longo de quase cinco anos) inúmeros atos processuais, o Tribunal a quo violou de forma clamorosa os princípios da economia e celeridade processual, estando por isso a sentença ferida de nulidade, que expressamente se invoca.

  1. Andou mal o tribunal a quo ao absolver os Recorridos da instância por entender que existe falta de interesse em agir da Recorrente ao recorrer à ação administrativa comum, sob o argumento de que a Recorrente disporia de um mecanismo de autotutela declarativa e executiva, previsto na Lei 81/2014, de 19 de dezembro e no artigo 179º do CPA que lhe permite declarar o seu direito a receber rendas e, em falta de cumprimento voluntário, proceder à sua cobrança coerciva.

  2. Decorre do artigo 179.º nº1 do CPA que a cobrança coerciva de obrigações pecuniárias mediante processo de execução fiscal será possível quando se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: i) as prestações pecuniárias sejam devidas por força de um ato administrativo; e ii) estas devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta.

  3. Conforme decorre claramente do artigo 1º dos respetivos Estatutos, bem como do artigo 19º n.º 4 do RJAEL, a «EMP01...» é uma pessoa coletiva de direito privado, possuindo autonomia patrimonial, financeira e administrativa.

  4. O facto de uma entidade privada estar habilitada por um ato jurídico público a exercer poderes públicos de autoridade não a transforma numa pessoa coletiva pública.

  5. A distinção entre pessoa coletiva de direito público e pessoa coletiva de direito privado é relevante na medida em que o próprio Código de Procedimento Administrativa continua, em certos casos e disposições legais específicas (como é o caso do artigo 179º CPA), a referir-se expressamente a pessoas coletivas de direito público, mesmo que tal norma se integre numa parte do Código que à partida será aplicável a entes públicos e entes privados, sendo certo que a referida distinção é essencial na definição da titularidade da capacidade de direito público em sentido formal, isto é, a aptidão de uma pessoa para praticar atos administrativos e para celebrar contratos administrativos.

  6. As empresas locais apenas podem ser admitidas a exercer poderes públicos de autoridade mediante habilitação legal expressa (diploma legal, estatutos ou contrato de concessão), nos termos do disposto no artigo 22º do Regime Jurídico do Sector Público Empresarial (DL n.º 133/2013, de 03 de outubro), que elenca taxativamente quis os poderes que as empresas públicas podem exercer, referindo no seu n.º 2 refere que os poderes especiais são atribuídos por diploma legal, em situações excecionais e na medida do estritamente necessário à prossecução do interesse público, ou constam do contrato de concessão.

  7. A «EMP01...» está legal e expressamente habilitada a celebrar contratos de arrendamento sob o regime de renda apoiada, a receber as respetivas rendas, bem como a proceder ao despejo administrativo em caso de incumprimento da obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma.

  8. A «EMP01...» não está expressamente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, uma vez que inexiste norma legal ou estatutária que a invista nesse poder, que o legislador reservou para as entidades públicas.

  9. O artigo 28º da Lei 32/2016 de 24 de agosto, apenas determina genericamente que “a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo” sem se referir, em parte alguma, à possibilidade de execução coerciva – a qual sempre estaria afastada em concreto, face ao teor do artigo 179º do CPA.

  10. A interpretação extensiva não pode ser utilizada para sustentar interpretações que não tenham um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, conforme decorre do artigo 9º n.º 2 do Código Civil e, muito menos, para sustentar interpretações contra legem, como é o caso da propalada pelo tribunal a quo, que contraria totalmente a letra do artigo 179º CPA.

  11. Se o legislador pretendesse conceder às empresas locais a possibilidade de execução coerciva de obrigações pecuniárias, tê-lo-ia feito, retirando a expressão “pessoa coletiva pública” da norma inserta no artigo 179.º do CPA, o que não fez porque quis intencionalmente reservar a possibilidade de recurso à execução fiscal às pessoas coletivas públicas.

  12. A Recorrente não está a atuar por ordem de uma pessoa coletiva pública ou como sua “delegada”, uma vez que as empresas locais, como é a «EMP01...», gozam de autonomia administrativa, financeira e patrimonial e não atuam sob as ordens diretas dos seus acionistas.

  13. O artigo 179.º do CPA configura uma norma geral e abstrata, não se tratando de um diploma legal ou contrato de concessão e jamais poderia ser esta norma a atribuir um novo poder público (o da remessa para processo de execução fiscal): o exercício do poder público é o pressuposto e não o resultado da aplicação do Código.

    Sem prescindir, XV. O artigo 17º n.º 2 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei no 32/2016 (regime do arrendamento apoiado para habitação) determina que o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo (e não ato administrativo).

  14. O artigo 179.º nº1 do CPA, quando consagra o recurso ao processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário, faz depender tal possibilidade de as prestações pecuniárias devidas a uma pessoa coletiva pública o serem “por força de um ato administrativo”.

  15. As prestações pecuniárias em dívida – as rendas – não são devidas em função de um ato administrativo, mas sim em virtude de um contrato, (o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente e o respetivo inquilino, onde as partes convencionaram direitos e obrigações reciporcas), mais concretamente, do incumprimento do contrato (pagamento das rendas) por parte do inquilino.

  16. Deixando uma das partes de cumprir os deveres a que contratualmente se obrigou, in casu o dever de pagar pontualmente a renda, verifica-se uma situação de incumprimento contratual que carece de tutela jurisdicional.

  17. O legislado consagrou expressamente na lei determinadas prorrogativas da entidade – como modelar o conteúdo do contrato, resolvê-lo, proceder ao despejo administrativo, – e se esse fosse o seu intento, teria também consagrado expressamente a possibilidade de recorrer à execução fiscal para a cobrança dos valores em dívida, o que não sucedeu.

  18. Decorrendo a obrigação do pagamento das rendas da celebração do contrato de arrendamento e não de um ato administrativo e não sendo a Empresa Municipal em causa uma pessoa coletiva pública nem estando a agir por ordem de uma, não estão – duplamente – preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 179.º do CPA, que não atribuiu às empresas locais o poder de emitir certidões com o valor de título executivo, com vista instauração dos processos de cobrança coerciva das dívidas.

  19. De acordo com as regras de interpretação estabelecidas pelo artigo 9º do Código Civil, na fixação do alcance do artigo 179.º do CPA, presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que ao usar as expressões “pessoa coletiva pública” e “ato administrativo”, pretendeu restringir o âmbito de aplicação do artigo 179.º do CPA àquelas específicas circunstâncias.

  20. Sendo a entidade demandante uma Empresa Municipal, é inequívoco o seu interesse em agir, sendo a ação nos Tribunais Administrativos o meio idóneo para tal fim; XXIII. A procedência da exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir determina que a Recorrente veja ser-lhe absolutamente negada a possibilidade de cobrar os valores em dívida! XXIV. A decisão ora em crise que julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, indeferindo liminarmente a petição inicial, viola o disposto no artigo 179º do CPA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que a admita, com todas as legais consequências.

    Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que serão supridos, deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida com os devidos efeitos legais; Caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser revogada a douta decisão que julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, absolvendo os Recorridos da instância, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento dos autos nos seus normais termos, com todas as legais consequências.

    Fazendo assim Justiça.

    Não foram juntas...

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