Acórdão nº 02407/21.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução05 de Maio de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO «EMP01...», LDA., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., instaurou AÇÃO ADMINISTRATIVA contra o Município ... (doravante entidade demandada, ED., R., ou ME), com sede na Praça ..., peticionando: a. A anulação do despacho do Presidente do Município ..., de 12.10.2021, que determina que será o adjudicatário (a A.) a responder perante o Município ... pelos defeitos da obra, que deverão ser corrigidos o mais rapidamente possível e, bem assim, ordena a liberação da caução apenas após tal reparação; b. Ser declarado que o Município age com abuso de direito, devendo manter-se os termos, condições, validade e eficácia do acordo de reparação de defeitos; c. Ser o Município condenado a pagar à A. a quantia total de € 16.341,38, correspondente ao valor vencido a título de retenções (€ 15.217,77), acrescido de juros de mora, à taxa de 7%, contados desde a data do auto para liberação da caução (16.11.2020) até 16.12.2021 que computou em € 1.123,62, juros vincendos e respetivos encargos legais.

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi decidido assim: a. Verificada a exceção de inimpugnabilidade do despacho do Presidente do Município ..., de 12.10.2021.

b. Quanto ao mais, totalmente improcedente a ação; c. Improcedente o pedido de condenação da R. como litigante de má fé.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso de apelação da douta sentença proferida e que julgou verificada a exceção de inimpugnabilidade do despacho do Presidente do Município ... de 12/10/2021, julgando, ainda, quanto ao mais, totalmente improcedente a ação e, bem assim, improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé.

  1. Não se conforma, a ora Recorrente, com tal douta sentença que, como se demonstra supra, é incongruente, contraditória, infundamentada, ilegal e, acima de tudo, injusta, salvo o devido respeito.

  2. A douta sentença recorrida viola, antes de mais, o princípio do contraditório, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, o que consubstancia uma nulidade processual suscetível de influir no exame ou decisão da causa.

  3. E, a não observância de tal princípio, com a não concessão às partes da possibilidade de se pronunciarem sobre questões que importe conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC.

  4. Note-se que, a M.ma Juíza titular dos presentes autos considerou inadmissíveis (processualmente) factos que contraditavam os argumentos invocados pela Ré na sua contestação – cfr. pág. 1, último parágrafo, da douta sentença recorrida – e, por outro lado, admitiu o Documento ... junto com a Réplica da ora Recorrente – cfr. pág. 2, 1.º ponto do 2.º parágrafo da douta sentença recorrida – documento esse que, conforme foi ali alegado, corresponde a uma carta da Ré, na qual esta vinha agora confirmar uma “reunião de trabalho com vista à resolução de todas as patologias existentes na obra”, “no seguimento do despacho do Sr. Presidente datado de 12/10/2021 e da informação ...21”, intitulando, desta feita, o despacho ora em crise, não como uma “mera declaração negocial” – como havia feito na sua contestação –, mas sim como um verdadeiro despacho que, no entender da Recorrente, reveste, sem dúvida, a natureza de um ato administrativo, sendo passível e suscetível de impugnação autónoma.

  5. Por conseguinte, deveria (salvo melhor opinião), a M.ma Juíza titular dos presentes autos, designar uma audiência prévia, para os fins previstos no n.º 1 do artigo 87.º-A do CPTA, atenta a prova documental carreada para os autos, e, ao não o fazer, violou o princípio do contraditório já referenciado e, bem assim, o artigo 87.º-A do CPTA já citado.

  6. E, apesar do determinado no artigo 87.°-B, n.° 1 do CPTA, certo é que, atenta toda a prova documental junta aos autos, não se afigura minimamente claro ou notório, o termo dos presentes autos pela procedência da exceção dilatória invocada (inimpugnabilidade do ato).

  7. E, sem permitir o contraditório à Recorrente, o Tribunal recorrido, em clara violação do artigo 3.°, n.° 3 do CPC, julga injustamente procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato e determina a improcedência total da ação.

  8. Nessa medida, a decisão recorrida é nula, nulidade essa que veio influir na decisão da causa, sendo certo que, tal omissão praticada pelo Tribunal recorrido violou, ainda, os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e do contraditório, nos termos preceituados no artigo 20.°, n.° 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, devendo por isso declarar-se a nulidade processual em questão.

  9. Por todo o exposto, entendemos que o Tribunal recorrido violou as normas dos citados artigos 87-A, n.° 1, alínea b) do CPTA, 3.°, n.° 3 do CPC e 20.°, n.° 1 e 4 da CRP, violação essa que, desde já, se invoca para todos os legais efeitos.

  10. A douta decisão recorrida viola, ainda, o disposto no artigo 34.°, n.° 1 e 2 do CPTA, pois considera estarmos “...

    perante uma ação que tem por objeto a apreciação do cumprimento de um contrato que ascende ao valor de € 147.491,05, no que respeita à obrigação de reparação de defeitos e de devolução das quantias retidas a título de caução, ou seja, os pedidos compreendem-se no âmbito do disposto no art. 32.º, n.º 3 do CPTA.

    ”, fixando aos autos o valor de €147.491, 05.

  11. Ora, discordamos da aplicação daquela norma que, saliente-se, atende ao valor do contrato, quando o objeto da ação seja a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução desse mesmo contrato, o que, refira-se, entendemos não ser o caso.

  12. De facto, o objeto do processo é, conforme se discrimina no pedido, a declaração de ilegalidade do ato administrativo praticado pela Ré, com a declaração de abuso de direito praticado por esta e, em cumulação, a condenação no pagamento à Recorrente das retenções e respetivos juros (no caso, o total de €16 341, 38).

  13. Entendemos, assim, ser de aplicar o critério supletivo previsto no artigo 34.°, n.° 2 do CPTA, por considerarmos estar em causa um valor indeterminável que sempre consubstanciaria o valor que, desde logo, foi atribuído pela própria Recorrente (€30 000, 01), isto é, superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo.

  14. Aliás, consideramos inclusive que, o pedido cumulativo formulado pela Recorrente e que consubstancia um valor económico e determinado no pedido, correspondente às retenções aí solicitadas e num total de €16 341, 38, estará já englobado naquele maior valor de €30 000, 01 ou, quando muito, acresceria àquele valor e somaria o total de €46 341, 38, por estarem em causa e terem sido peticionados pedidos cumulativos.

  15. Fixar-se o exorbitante valor fixado na douta sentença recorrida, seria onerar injustamente as partes com taxas e custas elevadas que, nos presentes autos, não teriam qualquer cabimento, atentos os pedidos formulados e que, economicamente, não ascenderiam sequer a um décimo do valor fixado.

  16. Nessa medida, entendemos que o Tribunal recorrido violou a norma do citado artigo 34.º, n.º 1 e 2 do CPTA, violação essa que, desde já, se invoca para todos os legais efeitos.

  17. A douta decisão recorrida viola, ainda, o disposto nos artigos 307.º, n.º 2, alínea a), 396.º, n.º 1 e 398.º, n.º 5 do CCP.

  18. Considera, além do mais, que “A questão está em saber se o ato impugnado, que no essencial se traduz na imputação ao empreiteiro do dever de reparação dos defeitos e recusa de liberação da caução se reconduz a qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 307.º, pois só aí estaremos perante um ato administração e não uma mera declaração negocial.”.

  19. E, para justificar a fundamentação supra, a douta sentença ora em crise recorre ao probatório para dizer que “... a ordem de correção de defeitos, após a vistoria para receção definitiva, a que se reporta o art. 396.º, n.º 1 ex vi art. 398.º, n.º 5 do CCP, foi emitida em 5.6.2018 na sequência da vistoria de 25.5.2018. Essa ordem foi confirmada em 17.12.2020, na sequência da realização de nova vistoria em 26.11.2020.”, considerando que o ato impugnado não corresponde à ordem de reparação de defeitos, emitida nos termos daqueles preceitos, mas sim a um novo levantamento dos defeitos e apuramento do grau de imputabilidade aos intervenientes da responsabilidade pelos mesmos (à luz do processo negocial encetado pelas partes) e ao pedido de levantamento da caução pela Recorrente, ao esclarecimento da posição da Ré quanto à exigibilidade ao empreiteiro do dever de reparação dos defeitos (na medida da imputabilidade dos mesmos ao subempreiteiro) e aos moldes em que deve ser dado início ao processo de reparação e à recusa da liberação da caução enquanto tais defeitos não forem corrigidos.

  20. Considera, por isso, a douta decisão recorrida, que, o ato impugnado e aqui em causa corresponde, na realidade, a uma mera declaração negocial.

  21. Discorda totalmente, a ora Recorrente, de tal fundamentação, considerando que a douta decisão recorrida é contraditória e faz uma errada interpretação do artigo 307.º, n.º 2 do CCP, em confronto com toda a matéria factual provada e constante dos autos.

  22. Importa por isso salientar que, a douta decisão recorrida considera provada, entre outra, a matéria de facto que se transcreveu nas alegações do presente articulado e que ora, por mera economia processual, nos abstemos de reproduzir.

  23. Ora, de toda a documentação junta aos autos, é passível extrair a conclusão de que a Ré, com o despacho em causa, pretendeu, única e simplesmente, vincular a Recorrente, ordenando-lhe formalmente a reparação dos defeitos, contrariamente ao acordado com esta no acordo de eliminação dos defeitos celebrado em 08/02/2017.

  24. De facto, entende a Recorrente que o despacho em causa vai além da mera declaração, não se ficando pela interpretação e/ou validade do contrato e reveste uma verdadeira ordem ou...

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