Acórdão nº 0144/21.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 144/21.5BEPRT (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO “A..., S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 07-12-2021, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a taxa municipal de ocupação do subsolo (TOS), relativa a Abril de 2019, no montante de € 9.411,48, que foi incluída na factura n.º ...35, emitida em 13/05/2019 pela “B..., SA - Sucursal Portugal”.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) A.

A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida.

B.

Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do OE para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

C.

Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º ...35, emitida em 13 de maio de 2019 pela B..., S.A. - Sucursal em Portugal, e na qual foi incluída a TOS no montante de €9.411,48.

D.

Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 6 de junho de 2019, ao pagamento da fatura e da TOS, tendo, no dia 7 de junho de 2019, apresentado reclamação graciosa necessária junto do Município da Maia por forma a reagir contra a repercussão ilegal.

E.

Perante a formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a Recorrente deduziu impugnação judicial, cujo objeto era o ato de indeferimento tácito, a anulação da TOS incluída na fatura n.º ...35 e o reembolso do seu montante acrescido de juros indemnizatórios.

F.

O Tribunal a quo concluiu pela total improcedência da ação, declarando a absolvição da instância por falta de legitimidade passiva do Município.

G.

Na sequência da referida sentença, a Recorrente instaurou nova ação contra a comercializadora B..., S.A. - Sucursal Portugal), requerendo a anulação da repercussão da TOS incluída na fatura n.º ...35 por violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso.

H.

Entretanto, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada de sentença desfavorável no presente processo n.º 144/21.5BEPRT, no qual a Meritíssima Juíza a quo pugna pela improcedência da impugnação judicial porquanto entende que o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do OE para 2017, não produziu efeitos jurídicos imediatos.

I.

Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito. Discorda-se totalmente do raciocínio seguido pelo Tribunal a quo na medida em que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais.

J.

O quadro normativo em que se baseava a possibilidade de repercussão legal foi profundamente alterado com o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

K.

Assim, desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores.

L.

Por outras palavras, sendo a Impugnante, ora Recorrente, consumidora final de Gás, esta não poderá suportar a TOS por repercussão legal.

M.

A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.

N.

Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.

O.

Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal da Maia liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a C..., S.A.), que é repercutida ao comercializador (a B..., S.A. - Sucursal Portugal) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrente.

P.

Do quadro descrito tal como estava estabelecido resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.

Q.

Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr.

artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017).

R.

Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrente encontra a sua razão de ser no facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

S.

Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, que a Impugnante considera ser ilegal - e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

T.

Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte deste douto Tribunal em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrente, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do STA a propósito desta questão.

U.

Entendimento este que tem suporte na norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 o qual impede que a TOS seja repercutida na Recorrente. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático.

V.

Com efeito, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado.

W.

Do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 resultam dois imperativos claros, precisos e incondicionais: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores.

X.

O artigo 85.º, n.º 3, não impõe qualquer requisito nem limitação à sua interpretação ou aplicação. Não se lê “sem prejuízo do disposto no número x”, “assim que y”, “verificado que esteja z”, nem tão pouco se prevê um diferimento temporal para aplicação do referido regime.

Y.

Mais, a norma não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

Z.

Salienta-se que a lei é especialmente cuidadosa na terminologia utilizada ao referir que não podem ser “refletidas na fatura dos consumidores”, afastando qualquer possibilidade de repercussão legal e económica. Nada se diz sobre como operará a repercussão, para além da obrigação de a fazer cessar quanto aos consumidores.

AA.

Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental - invocado pela Meritíssima Juíza a quo -, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

BB.

Mais, através da referida norma, o legislador não revogou a norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada.

CC.

Repare-se que o Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos). De referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017.

DD.

Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos deste último.

EE.

Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrente que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).

FF.

A Recorrente desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedica à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural. Assim, tratando-se a Recorrente de uma consumidora de gás, a cobrança da TOS contraria lei expressa (cfr. artigo 3.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto).

GG.

Assim, tendo sido repercutida na Recorrente a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.

HH.

Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que declare procedente a impugnação judicial proposta pela Impugnante, ora Recorrente, por ser conforme ao Direito.

Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, em face da fundamentação exposta, revogando-se assim a douta sentença e substituindo-a por uma outra que declare procedente a ação judicial da Impugnante, ora Recorrente.

A Recorrida “B..., S.A. - Sucursal...

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