Acórdão nº 0191/20.4BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"A..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Viseu, constante a fls.100 a 105 do processo físico, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando acto de autoliquidação de I.R.C., atinente ao ano de 2018 e, mediatamente, actos de liquidação de Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF), relativos ao ano de 2018 e no montante total de € 1.616.849,20.

XO recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.112 a 131 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões: I-A sentença “sub-judice” enferma de nulidade por erro de julgamento sobre os pressupostos de direito.

II-Sendo que está, apenas, em causa uma questão de qualificação de um gasto como indispensável e susceptível ou não de dedução para apuramento do Imposto a pagar e sobre o que se impõe um juízo ou operação de qualificação (questão de direito) que o Tribunal deve decidir.

III-Nos presentes autos de Impugnação Judicial consta assente que: a) Quando a Contribuição Extraordinária “CEIF” foi introduzida pelo art. 168.º da Lei n.º 82-B/2014, OE 2015, no ordenamento jurídico-tributário, a mesma beneficiava da possibilidade de ser considerada como gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC; b) Com a aprovação da Lei do Orçamento para 2018 apenas a “CEIF” deixa de beneficiar dessa possibilidade, sem que para tal o Estado Português tenha avançado com qualquer motivação devidamente atendível, limitando-se a invocar noutra sede judicial “veio o Conselho de Ministros defender a manutenção da decisão do despacho reclamado, tendo concluído da seguinte forma: «1ª. O artº 168º da Lei do Orçamento de Estado para 2015 não é um acto administrativo; 2ª. A referida disposição legal, no cumprimento do princípio da legalidade estabelecida nos artºs 103º, nº 2 e 165º, nº 1, i) da CRP, criou e regulou um novo imposto, denominado Contribuição sobre a Indústria Farmacêutica; cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0922/15, de 20-10-2016 do PLENO DA SECÇÃO DO CA.

  1. Entendimento diverso ressalta da Douta Sentença em crise pois o Mº Juiz acolhe o entendimento oposto quanto a contribuição de idêntica natureza: “Chegados à conclusão de que a CESE deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como um imposto, …”, cfr. pag. 9 da Sentença.

  2. Fica, assim, demonstrada a contradição dos fundamentos que sustentam a Sentença, em evidente violação do princípio da segurança e certeza jurídica exigido pelo princípio constitucionalmente consagrado do Estado de direito democrático; e) A Contribuição Extraordinária “CEIF” constitui um gasto na esfera das empresas e, como tal, deve ser reconhecida na contabilidade para ser subtraída aos proveitos obtidos aquando do apuramento do resultado líquido do exercício; f) O princípio geral que estipula que os gastos fiscais devem poder ser deduzidos, assenta no conceito de indispensabilidade do gasto, devendo o mesmo ser entendido no seu sentido amplo e, como tal, dependente apenas da verificação de uma conexão com a atividade da empresa, suscetível de incrementar o lucro desta, e do qual o Sujeito Passivo não consegue, de modo algum, escudar-se, mormente por via de imposição legal.

  3. A não dedutibilidade do encargo com a Contribuição Extraordinária resulta num agravamento do lucro tributável, acrescendo o respetivo encargo com a Contribuição Extraordinária ao próprio IRC enquanto imposto sobre o rendimento (resultando em duplicação da coleta).

  4. A doutrina e Jurisprudência são unânimes no que concerne ao critério material, aceitando como dedutíveis todos os gastos e perdas que tenham uma relação objetiva face ao interesse da empresa, entendendo-se como tal o próprio objeto da sua atividade.

  5. Efectuar o pagamento da “CEIF” corresponde a verdadeira necessidade operacional in casu decorrente de imposição legal.

  6. A alteração introduzida no artigo 23.º-A do Código do IRC, por via da aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2018, no sentido de não consideração da “CEIF” como gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável, em sede de IRC, constitui violação frontal dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, na vertente da tributação pelo rendimento real, da certeza e segurança jurídica e da igualdade, nomeadamente, do disposto no artigo 103.º da CRP.

IV-A sentença “sub-judice” assenta em desconformidade legal com a não-aceitação da dedutibilidade integral da “CEIF” como gasto fiscal, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, suportada naquele exercício (2018) no montante total de 1.616.849,20 EUR (um milhão, seiscentos e dezasseis mil, oitocentos e quarenta e nove euros e vinte cêntimos), encontrando-se eivada de nulidade por vício de violação de Lei.

V-Por constituir uma lesão decorrente da aplicação de um quadro normativo - o da denominada «contribuição sobre a indústria farmacêutica» - com consequente violação dos princípios da legalidade, segurança e certeza jurídica, atento o disposto no artigo 103.º da CRP, deve ser rejeitada a sua aplicação por manifesta violação de norma constitucional.

VI-Na sentença ora em crise, fundamenta o Tribunal “a quo” a decisão de improcedência da Impugnação Judicial no cumprimento formal de uma norma do Código do IRC (artigo 23.º-A); referindo que foi escolha sua (ou seja, da Recorrente), optar por este regime específico, e que, a Constituição não garante que a incidência de IRC apenas possa ter como parâmetro correspetivo o rendimento real, pelo que, nesta perspetiva, não se pode formular qualquer juízo de inconstitucionalidade.

VII-Ora, a Recorrente entende que a “CEIF” viola frontalmente o princípio da tributação pelo rendimento real ao desconsiderar-se um gasto que, para além de imposto por lei ao contribuinte, apresenta uma evidente conexão com o exercício da atividade económica do mesmo.

VIII-Ao não ser admitida a dedução da “CEIF” como gasto fiscal, assume-se, ainda que indirectamente, que a mesma se trata de um imposto puro (pois, na Sentença, indica-se ser uma Contribuição), dando azo ao surgimento de um duplo IRC (IRC paralelo), aceitando uma situação de flagrante dupla tributação.

IX-O que constitui contradição insanável com o teor da douta sentença.

X-Sendo certo que resultou demonstrado nos autos, como reconhecido pelo Mº Juiz a quo, que, à data dos factos, todos os requisitos de dedutibilidade do gasto se encontravam preenchidos.

XI-Constitui flagrante injustiça, impedir a dedutibilidade do gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC quando: a. inexiste qualquer fundamento que justifique a alteração de tratamento fiscal em 2018, e b. quando o próprio Tribunal reconhece a adoção de um comportamento (adesão ao acordo com a APIFARMA) como veículo para obtenção de uma situação vantajosa em matéria fiscal em sede de dedutibilidade da CEI.

XII-Tem sido sufragado pelos nossos Tribunais que “o dever de actuar de harmonia com o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente prevêem a actuação da administração, abrangendo o dever de a administração ter em conta os reflexos práticos da actividade administrativa que levar a cabo. Por isso, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto”, [Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, prolatado no Processo 01952/11.0BEBRG, de 15 de abril de 2021].

XIII-O entendimento vertido na Douta Sentença, pelo Tribunal “a quo”, assume de forma flagrantemente violadora dos princípios tributários consignados no artigo 55.º da LGT e artigo 103.º da CRP, e, como tal inadmissível na medida em que lhe parece ser claro que não pode(rá) ser “obrigada” a aderir a um acordo de cuja negociação não fez parte (porque não fazia parte da APIFARMA) para poder obter uma situação fiscal mais vantajosa.

XIV-Sendo certo que os dois instrumentos cumprem a mesma obrigação tributária, ainda que por vias diferentes (tributária e mediante acordo entre o Estado e a APIFARMA), não pode a Recorrente concordar com uma solução que possa ser entendida como puro veículo para obter uma situação fiscal mais vantajosa.

XV-Efetivamente, o Mº Juiz considera que coexistem duas realidades de natureza distinta, uma de caráter não-fiscal resultado de uma manifestação de acordo entre as partes (Acordo celebrado pela APIFARMA), e uma segunda de caráter fiscal, exigida de forma coativa aos sujeitos passivos “CEIF”.

Acresce que, XVI-Admitir tal “sugestão” seria, claramente, uma ingerência restritiva com efeitos negativos no que à autonomia de gestão da empresa concerne, colocando em causa a natureza puramente estratégica de negócio (e não fiscal) a que deve obedecer a decisão empresarial, também, da Recorrente no sentido de aderir ou não aos termos acordados pela Associação representativa do setor (APIFARMA).

XVII-A suposta ausência de imprevisibilidade da alteração legal em apreço não tem qualquer acolhimento pois que, se em 2015, a Contribuição Extraordinária “CEIF” foi assumida como uma contribuição extraordinária para resposta aos constrangimentos financeiros impostos pela debilidade das contas públicas nacionais de então, sendo ab initio admitida a sua aceitação como gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC.

XVIII-A alteração do tratamento fiscal da “CEIF” em 2018, a partir do qual passa a não ser aceite como gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, resulta numa clara e evidente violação do princípio da segurança e certeza jurídica.

XIX-Entende-se como manifesta a referida violação, porquanto não foi introduzida qualquer alteração na natureza da “CEIF” ou imposição de interesse...

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