Acórdão nº 01587/16.1BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, oriunda do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, com data de 19 de dezembro de 2022, que julgou procedente impugnação judicial (“e, em consequência, (i) anula-se a liquidação de IRC do ano de 2013 e (ii) reconhece-se o direito da Impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante de € 208.296,57, contados desde 31.05.2016 até à data do processamento da respectiva nota de crédito”.), apresentada pela Massa Falida da A..., S.A. (Em liquidação), …, visando “a liquidação de IRC relativa ao ano de 2013, no valor a pagar de € 208.296,57”.

A recorrente (rte) alegou e concluiu: « A. Vem o presente recurso apresentado pela FP (Fazenda Publica), aqui recorrente, da douta sentença proferida pelo TAF (Tribunal Administrativo e Fiscal) de Braga, que julgou a impugnação judicial dos presentes autos procedente e, consequentemente, anulou a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2013, com base na inexistência de facto tributário.

  1. Para julgar procedente a impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte: “(…) a inatividade ou a não exploração de estabelecimentos compreendidos na massa insolvente não significa necessariamente a impossibilidade de ocorrência de factos tributários posteriores, nem legitima que tais factos se devam excluir da tributação. No caso dos autos, com a declaração de falência, verificou-se a cessação da atividade da empresa falida, passando os bens a integrar essa massa. (…) não sendo esta situação impedimento para incidência em IRC, atenta a possibilidade de existir alguma atividade económica geradora de rendimentos durante o período de liquidação da massa falida (…) Ora, no caso dos autos, os rendimentos e os gastos contabilizados pela impugnante no ano de 2013 resultaram de regularizações de saldos, ou seja, de meros movimentos contabilísticos que não têm subjacentes quaisquer operações económicas geradoras de rendimento e que, por essa razão, são destituídos de relevância fiscal. Assim, ao contrario do que defende a AT, os movimentos contabilísticos realizados pela Impugnante não traduzem verdadeiros factos tributários, ou seja, situações de facto concretas que se encontrem previstas abstrata e tipicamente na lei fiscal, inexistindo qualquer incremento patrimonial suscetível de constituir a base do imposto, nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea a) e nº 2 do CIRC. Em face do exposto, impõe-se concluir pela ilegalidade da liquidação impugnada, por inexistência de facto tributário, determinante da sua anulação.

    ” Ora, C. Salvo melhor entendimento, a douta sentença em recurso errou na interpretação e aplicação do direito, mormente os artigos 1º, 2º e 3º, nº 1, alínea a) e nº s 2 e 4 e 29º do CIRC.

    Vejamos, D. Do probatório da douta sentença recorrida resulta então que, na sequencia do processo de falência ao abrigo das normas do CPEREF, decretada em 05-07-2005 (cfr. proc. nº ...02) tendo em vista o seu encerramento, a sociedade impugnante, no dia 28.05.2010 endereçou à AT um pedido de esclarecimento sobre como interpretar e aplicar as normas tributarias (sem características de informação vinculativa) relacionadas com a contabilização das regularizações de saldos contabilísticos (fornecedores) e a consideração como incobráveis os saldos devedores de clientes, ao abrigo do disposto na alínea f) do nº 3, do artigo 59º da LGT (vide facto 2) do probatório).

  2. Na resposta ao solicitado, veio a AT prestar informação (vide Doc. ... dos autos), melhor reproduzida no facto 3) do probatório da sentença, do qual se extrai o mais relevante. Assim: ”para efeitos fiscais, o resultado tributável não pode ser auferido em termos de saldo das contas contabilísticas, mas antes componente a componente”, não constituindo os valores indicados a débito, sem mais, variações patrimoniais negativas, e ainda, que a anulação dos débitos dos clientes só pode ocorrer se os mesmos obedecerem à estatuição do artigo 41º do Código do IRC. O mesmo acontecendo com o saldo devedor dos fornecedores.

    ” F. A impugnante, em conformidade com o entendimento veiculado pela AT na resposta ao pedido formulado (acima referido), acresceu ao resultado líquido daquele exercício (2013) o valor relativo às variações patrimoniais negativas [campo 710 do quadro 07 da declaração Modelo 22], o montante de € 4.820.162,88.

  3. No âmbito da instrução do processo de reclamação graciosa nº – ...66, apresentado contra a autoliquidação de IRC, do ano de 2013, no valor de € 208.296,57 (cfr. facto 6 do probatório da sentença), foi prestada informação pelo serviço de inspeção tributaria da Direção de Finanças de Braga (vide facto 9) do probatório da sentença), que se resume ao seguinte: “está em causa nos autos a regularização contabilística de saldos de clientes, fornecedores e de empréstimos obtidos da sociedade falida, anulando os saldos devedores de clientes por considerá-los incobráveis. Ora, a reclamante contabilizou como Gasto do exercício de 2013, sob a conta 7881 - Correções relativas a períodos anteriores, o montante de € 4.820.162,88 (anulação/redução de saldos contabilísticos devedores (clientes e outros devedores) ou do aumento de saldos contabilísticos credores reconhecidos no processo falimentar (fornecedores).

    Foi contabilizado como rendimento do exercício o montante de € 1.078.990,78/conta 7881- correções de períodos anteriores (regularização de saldos contabilísticos). Conclusão: a correção de situações de períodos anteriores não é aceite como Gastos previstos no artº 18º do CIRC, razão pela qual foi acrescido o valor de € 4.820.162,88 ao resultado líquido do exercício. (…) relativamente à anulação de saldos contabilísticos credores, inexistindo documento que sustente esses movimentos (comprovativo do pagamento das faturas ou documentos de anulação ou redução de valor emitidos pela entidade fornecedora) estamos em presença de variações patrimoniais negativas que não se encontram excecionadas pelo artigo 21º do CIRC, concorrendo, em consequência, para o apuramento do lucro tributável. No caso em análise, não constatamos que tenham sido invocados erros aritméticos, negligência/fraude, nem as dívidas foram anuladas via procedimento contemplado no art.º 41º do CIRC.

    ” H. Conjugados o teor da informação prestada pelo SIT com o entendimento propugnado pelo douto tribunal a quo e contrario à posição da AT, levar-nos-á a questionar se se poderá então aceitar as regularizações de saldos a qualquer entidade que as entenda fazer, sem que daí decorram as consequências fiscais defendidas pela ATA no caso em análise.

    I. Pensamos que a resposta será negativa e, nessa medida, as referidas regularizações seriam de qualificar como variações patrimoniais negativas a acrescer ao resultado líquido do exercício.

  4. Razão pela qual se concorde e adira ao entendimento vertido nas informações anteriormente prestadas pela AT, já reproduzidas, das quais subjaz o entendimento de que as operações subjacentes aos registos contabilísticos da conta “6881 – Correções relativas a períodos anteriores”, configuram liberalidades e, como tal, podem e devem ser relevadas para efeitos fiscais ao abrigo da alínea a) do art.º 24.º do CIRC.

  5. O artigo 3º do CIRC (Base do Imposto), no seu nº 4, dispõe assim: “Para efeitos do disposto neste código, são considerados de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.

    ” L. Da disposição legal acima citada e, caso se aceitasse a tese defendida pelo douto tribunal a quo – da inexistência de facto tributário, assente no pressuposto de a sociedade falida não ter gerado lucro nem ter apurado qualquer rendimento real, mas apenas a regularização de saldos contabilísticos de períodos anteriores, é estar a subverter a norma legal ou, melhor dito, interpretar a contrario o disposto no 4 do artigo 3º do CIRC.

  6. Ora, seguindo aquela linha de raciocínio, se uma sociedade em liquidação, como é o caso, deixar de exercer a título principal uma atividade de natureza comercial, deixar de obter rendimentos e, consequentemente, deixar de obter lucro, pode vir a ser dispensada do pagamento de qualquer imposto.

  7. O artigo 3.º do CIRC, no seu n.º 1 dispõe que: “o IRC incide sobre o lucro das sociedades”, e que o mesmo, nos termos do n.º 2, “consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no CIRC”.

  8. Tal significa que a base do IRC, apesar de ter a sua matriz na contabilidade, não incide apenas sobre o lucro contabilístico, mas antes numa realidade económica mais abrangente constituída por todo o acréscimo de rendimento e riqueza, tributando, assim, a globalidade dos rendimentos obtidos.

  9. Assim, mantendo uma sociedade a sua personalidade jurídica, mesmo após a declaração de insolvência, até ao encerramento da liquidação do seu ativo, como acontece no caso sub iudice, manterá essa mesma sociedade a sua personalidade e capacidade tributárias, sendo, por isso, suscetível de ser sujeito ativo e passivo de relações jurídico-tributárias, conforme decorre dos artigos 15.º e 16.º da LGT.

  10. Conclui-se, assim, que a sociedade comercial, até ao registo do encerramento da liquidação do ativo, em processo de insolvência, se mantém como sujeito passivo de imposto, em concreto, e no que para o caso releva, de IRC.

  11. Importa, no entanto, realçar que, tal como se referiu no Acórdão do STA de 29-10-2003, proferido no processo 01079/03, em termos acolhidos na jurisprudência subsequente, a haver lugar a tributação não podiam deixar de deduzir-se os prejuízos fiscais anteriores à data da dissolução e com referência a todo o período de liquidação, tendo em mente que a declaração de insolvência pressupõe uma situação claramente deficitária em que o sujeito passivo...

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