Acórdão nº 01071/20.9BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1071/20.9BELRA RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima referida recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, contra as liquidações de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), efectuadas com referência à aquisição de dois prédios por ela efectuada antes de 31 de Dezembro de 2013 e por perda da isenção de que beneficiara ao abrigo do disposto no art. 8.º, n.º 7, do regime tributário especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional SIIAH, aprovado pelos arts. 102.º e 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009, uma vez que vendeu esses prédios em 2018, sem que nunca os tenha destinado a arrendamento habitacional.

1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «1. A Recorrente vem, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.ºs 1 e 2 e 282.º, n.º 1 do CPPT, interpor recurso, para o Supremo Tribunal Administrativo, contra a decisão que decidiu julgar totalmente improcedente a impugnação judicial intentada contra as decisões de indeferimento às reclamações graciosas apresentadas, e, consequentemente, em manter as liquidações de IMT n.ºs ...34 e ...36, emitidas em 2018, pelo valor total de € 5.933,45 (cinco mil novecentos e trinta e três euros e quarenta e cinco cêntimos); 2. A Recorrente delimita o seu objecto de recurso à apreciação de 3 questões fundamentais, nomeadamente, a de saber se a decisão em apreço padece de erro de julgamento, na aplicação do direito: (a) Ao não apreciar a legalidade das liquidações à luz da norma ínsita no artigo 236.º, n.º 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12; (b) Ao determinar a aplicação analógica do artigo 14.º, n.º 3 do EBF e consequentemente, a caducidade da isenção do IMT; (c) Ao determinar que a Impugnante não cumpriu o ónus de demonstrar que os pressupostos previstos no artigo 8.º, n.º 7, da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, à data em que os imóveis foram adquiridos e alienados estavam preenchidos, violando, assim, normas processuais adjectivas em matéria de distribuição de ónus.

  1. Com relevância para a apreciação do presente recurso, a Recorrente chama à colação os pontos 1), 3) e 5) da matéria de facto dada como assente que determinou que: (a) os imóveis foram adquiridos em data anterior a 31 de Dezembro de 2013; (b) os imóveis foram alienados em Fevereiro de 2018; e, (c) as liquidações em litígio foram solicitadas pelo sujeito passivo, “nos termos do n.º 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º e 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, com a redacção dada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, aplicável por força do artigo 236.º da Lei n.º 83-C, de 31/12”.

  2. Invoca a Recorrente que a decisão do tribunal em não apreciar a legalidade das liquidações à luz da norma ínsita no artigo 236.º, n.º 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, padece de erro de julgamento, porquanto as liquidações foram emitidas, precisamente, com base na obrigação decorrente do n.º 16 do artigo 8.º do RE, aditada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, como, aliás, decorre da factualidade dada como assente (cf. ponto 5) da fundamentação de facto).

  3. Arredar a apreciação da legalidade das liquidações à luz do disposto no artigo 236.º, n.º 2 da Lei n.º 83-C/2013 é, pois, desvirtuar a principal linha argumentativa em que assentou a impugnação da Recorrente.

  4. A Recorrente solicitou as liquidações com base no disposto no n.º 16 do artigo 8.º do RE, aditado pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013 e aplicável ex vi do artigo 236.º, n.º 2 aos imóveis adquiridos antes de 01.01.2014, pese embora considerando que a obrigação que se lhe impunha era ilegal, não só porque a mesma não existia à data que os imóveis foram adquiridos, mas sobretudo porque essa obrigação só passou a existir quando articulada com os novos pressupostos aditados pela Lei n.º 83-C/2013, que, no caso concreto, fazia depender a caducidade da isenção se os imóveis fossem alienados antes de decorridos 3 anos contados a partir de 01.01.2014. (cf. artigo 8.º, n.º 14 do RE).

  5. Este pressuposto foi julgado inconstitucional, em pelo menos 4 acórdãos do TC, por violação do princípio da protecção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, quando aplicado a imóveis adquiridos até 31.12.2013.

  6. Sendo de inferir que, se o requisito de que depende a obrigação de solicitar à AT a liquidação de IMT padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da protecção da confiança, quando aplicável a prédios adquiridos antes de 01.01.2014, então a própria obrigação de solicitar a liquidação, quando o prédio seja alienado antes de decorridos 3 anos contados de 01.01.2014, será necessariamente ilegal naquelas mesmas circunstâncias.

  7. Termos em que andou mal o tribunal a quo ao decidir que a apreciação da inconstitucionalidade não tem qualquer relevância para o caso dos autos, porquanto é a questão jurídica basilar suscitada pela Recorrente para impugnar a legalidade das liquidações em crise.

  8. Quanto à aplicação analógica do artigo 14.º, n.º 3 do EBF, entende a Recorrente que a mesma não é admissível na medida em que faz depender a caducidade da isenção da alienação do imóvel, independentemente dos imóveis terem estado afectos por determinado período, maior ou menor, ao fim extrafiscal que justificou o benefício.

  9. Este pressuposto não foi pensado pelo legislador e a ser aplicado, por via de aplicação analógica, ao caso concreto viola o disposto no artigo 10.º do citado diploma.

  10. Por outro lado, o artigo 14.º, n.º 3 do EBF prevê na sua letra que outros regimes (estabelecidos por lei) sejam aplicáveis em derrogação do princípio geral.

  11. O regime tributário dos FIIAH apresenta-se como um conjunto de benefícios fiscais aplicáveis àquelas entidades, estabelecendo de forma integrada os termos e condições da sua aplicação e funcionamento, com sede perfeitamente autonomizada na lei do Orçamento do Estado que o consagrou, justificando-se em função do objecto exclusivo das entidades a que se aplicam – objecto esse determinado na lei e sujeito a supervisão da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários –, pelo que é, claramente, um regime diferente estabelecido por lei e com um propósito específico.

  12. O Regime Tributário dos FIIAH nada dispôs quanto à caducidade do benefício até à alteração prevista na Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, devido a uma opção clara do legislador aquando da criação daquele regime especial.

  13. Fazendo operar a aplicação analógica do artigo 14.º, n.º 3 do EBF, a decisão do tribunal a quo padece de erro de julgamento ao fundamentar que a isenção só teve lugar “[p]or se tratar de um benefício automático e de a liquidação ter sido efectuada com base numa declaração, apresentada pelo Impugnante, nos termos do artigo 59.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, declaração essa que não terá sido correctamente preenchida no que toca aos requisitos necessários para beneficiar da referida isenção, devendo por isso concluir-se pela caducidade do benefício, nos termos do n.º 3 do art. 14.º do EBF.

    ” 16. A Recorrente discorda desta leitura dos factos e da aplicação do direito! Não houve qualquer erro no preenchimento das declarações quanto aos requisitos necessários para beneficiar da isenção, aquando da aquisição dos imóveis, porquanto os únicos requisitos de que dependia, à data, a isenção era que os prédios adquiridos pelos FIIAH se destinassem ao arrendamento para habitação permanente.

  14. Nos termos do disposto no artigo 4.º (Composição do património) do regime tributário aplicável aos FIIAH, pelo menos, “75% do seu activo total deve[ria] ser constituído por imóveis, situados em Portugal, destinados a arrendamento para habitação permanente.

    ” [negrito nosso] 18. Deste modo, os imóveis que integravam o património dos FIIAH (dentro dos limites fixados na lei) deveriam, pois, estar destinados a arrendamento para habitação permanente.

  15. A integração dos imóveis no património do fundo destinado ao arrendamento determinava, desde logo, a eficácia constitutiva do benefício – que operava de forma automática –, não fazendo a lei depender a isenção de qualquer outro requisito, designadamente, do efectivo arrendamento ou quaisquer outras restrições à sua alienação – ficando assim cristalizada na ordem jurídica.

  16. Concretizando à isenção em apreço, entende a Recorrente (e todos os sujeitos passivos que confiaram no regime fiscal criado em 2008 aplicável aos FIIAH) que para a mencionada isenção bastava que os imóveis integrassem o activo do fundo, destinado ao arrendamento.

  17. Após uma leitura cuidada da fundamentação expendida pelo tribunal a quo, parece resultar que este não só faz depender a caducidade da isenção da alienação do imóvel, mas também do facto de a Recorrente não ter alegado nem feito prova de que os imóveis foram destinados ao arrendamento.

  18. Sucede que, a fazer este raciocínio o tribunal a quo subverteu as regras do ónus impostas no artigo 74.º da LGT e 342.º do Código Civil (ex vi artigo 2.º, al. d) da LGT).

  19. A declaração que consumou a atribuição da isenção foi a declaração que a Recorrente teve de entregar aquando da aquisição do imóvel; essa declaração foi correctamente preenchida, porquanto os pressupostos previstos no artigo 8.º, n.º 7 do regime tributário à data dos factos encontravam-se preenchidos; 24. Ou seja, os prédios adquiridos pelo FIIAH destinavam-se ao arrendamento para habitação permanente, sem que fosse exigido arrendamento efectivo em determinado prazo; o pressuposto verificava-se assim que...

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