Acórdão nº 384/22.0T8PRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelFLORBELA SEBASTIÃO E SILVA
Data da Resolução02 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

No âmbito de processo de Recurso de Contraordenação, com intervenção do Tribunal Singular que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o nº 384/22...., após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 13-12-2022, com a refª ...51, relativamente à acoimada R..., Sociedade Unipessoal, Lda.

, através da qual foi mantida a decisão administrativa de aplicar uma coima de € 12.000,00 pela prática de uma contraordenação económica grave pela falta de inscrição e de registo no SIRER, p. e p. pelo art. 48.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro e pelos artigos 9.º, 97.º, 98.º, n.º 1, al. a), subalínea i), e 117.º, n.º 2, al. uuu), ambos do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro.

II.

Inconformada, veio a acoimada interpor recurso em 26-12-2022 com a refª ...39 através do qual oferece as seguintes conclusões: “Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia / vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

  1. A questão alegada pela arguida, no seu recurso de impugnação judicial da decisão administrativa [cfr. as suas conclusões C) e D)], quanto à invocada nulidade da notificação para exercício do direito de audição e defesa, e para efeitos do disposto no art. 223.º do CPC, de que o respetivo aviso de receção (de fls. 14 dos autos) não se encontrava assinado por nenhum seu representante legal, nem nenhum seu empregado, o que demonstrou documentalmente, surge como omissa na resposta à matéria de facto na sentença recorrida.

  2. Pelo que ocorre nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1 al. c), do CPP.

  3. A não se entender assim, sempre se verificaria o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, pois o Tribunal a quo não considerou provado ou não provado, um facto expressamente alegado pela defesa, de que podia e devia conhecer, sendo esse facto relevante para aferir se a notificação em causa foi, ou não, recebida por quem tinha a capacidade de vincular a pessoa coletiva à receção dessa notificação.

  4. Vício que pode ser conhecido pelo Tribunal de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a sua cognição a matéria de direito, nos termos do n.º 2 do art. 410.º do CPP.

    Da nulidade da sentença por inobservância do art. 358.º do CPP E) O facto provado n.º 14 na sentença recorrida (“A carta em crise foi recebida por AA, que assinou o respetivo aviso de receção “AA””) e o facto provado n.º 15 (“À data dos factos, AA estava autorizada pelo representante legal da sociedade arguida para receber as cartas da sociedade”), não constam da decisão da entidade administrativa, nem do recurso de impugnação judicial apresentado pela arguida.

  5. Aliás, a arguida invocou, no seu recurso, que desconhecia quem recebeu a notificação a que se refere o AR de fls. 14, não constando deste quaisquer dados de documento de identificação, mas apenas um nome ilegível, e não se tratando do representante legal da arguida, nem de nenhum dos seus empregados.

  6. Deste modo, o Tribunal a quo não poderia ter conhecido de tais factos (que, ademais, se revelaram essenciais para a decisão de improcedência da impugnação judicial da contraordenação, como resulta da motivação da sentença), sem recorrer ao mecanismo previsto no art. 358.º, n.º 1 do CPP, para a alteração «não substancial de factos», devendo a arguida ter sido dos mesmos notificada, no decurso da audiência de julgamento, de modo que se pudesse defender, o que não sucedeu.

  7. A inobservância do art. 358.º do CPP, acarreta a nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º n.º 1 al. b), do mesmo Código.

    Do vício de erro notório na apreciação da prova I) A formação de um juízo presuntivo quanto à autorização para receber correspondência, e, portanto, poderes de representação, de uma sociedade comercial por quotas, como faz a sentença recorrida no seu facto provado n.º 15 e na motivação da decisão de facto, unicamente baseada no depoimento da testemunha AA, desacompanhado de quaisquer outros factos integradores desses poderes de representação, em face das regras da experiência comum, não pode deixar de consubstanciar um erro notório na apreciação da prova, vício previsto na al. c), do n.º 2, do art. 410.º do CPP.

  8. Pelo que tal facto n.º 15 não deveria constar dos factos dados como provados, tratando-se de vício que pode ser conhecido pelo Tribunal de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a sua cognição a matéria de direito, nos termos do n.º 2 do art. 410.º do CPP.

    Do enquadramento jurídico dos factos – Da nulidade do procedimento contraordenacional por falta de notificação da arguida para o exercício do direito de defesa K) Colocando-se, essencialmente, a questão de como deveria a sociedade arguida, pessoa coletiva, ter sido notificada no âmbito do processo contraordenacional, nomeadamente para os efeitos previstos no art. 50.º do RGCO e art. 49.º n.º 1, da LQCOA, temos que, de acordo com o art. 2.º da LQCOA, as contraordenações ambientais e do ordenamento do território são reguladas pelo aí disposto e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações; por seu turno, o art. 41.º do RGCO, prevê a aplicação subsidiária das regras do processo penal; em caso de lacuna deste, aplicam-se as regras do CPC, nos termos do art. 4.º do CPP.

  9. No caso dos autos, contrariamente ao invocado na sentença recorrida, tratando-se da notificação de uma arguida pessoa coletiva, não existe qualquer divergência jurisprudencial quanto à aplicação em processo contraordenacional das regras da notificação em processo penal, ou da citação em processo civil.

  10. Dúvidas não devendo subsistir de que, uma vez que o RGCO e o CPP não contêm qualquer regra específica para a notificação das sociedades e demais pessoas coletivas, a notificação desses entes deve ser feita nos termos das citações em processo civil, ou seja, segundo o artigo 223.º do CPC, na pessoa dos seus legais representantes ou na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.

  11. A notificação em causa da arguida, para o exercício do direito de audição e defesa, datada de 17/10/2017, deveria ter sido efetuada por carta registada com aviso de receção, nos termos do art. 43.º n.º 1, da LQCOA, pelo que não tem aplicação a presunção da receção no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, referida na sentença recorrida, pois esta presunção apenas tem aplicação tratando-se de cartas simples registadas, o que não foi o caso.

  12. Analisando o AR de fls. 14, facilmente se constata que este não pode consubstanciar uma notificação válida, não constando do mesmo os dados de qualquer documento de identificação, nem sequer assinatura, mas apenas um nome abreviado e ilegível, não observando os requisitos exigidos pelo n.º 3 do art. 228.º do CPC – aplicável ex vi do art. 246.º n.º 1, do CPC – ao qual também temos de recorrer para aferir os requisitos das notificações por via postal registada com AR.

  13. Não havendo AR válido, não pode funcionar qualquer presunção de entrega daquela carta à sociedade arguida.

  14. Arguida que negou ter recebido tal carta, no seu recurso de impugnação judicial, tendo ainda demonstrado quem é o seu representante legal, e os seus empregados à data daquela notificação – outubro de 2017 – através da certidão do registo comercial e do extrato de declaração de remunerações, respetivamente, juntos com o recurso de impugnação judicial, o que também sempre permitiria ilidir qualquer presunção de entrega daquela carta.

  15. Mesmo atendendo aos factos dados como provados, apesar de ter sido dado como provado que a carta foi recebida pela testemunha “AA”, e que esta estava “autorizada” a recebê-la, certo é que a existência de poderes de representação representa já matéria de direito, inexistindo nestes autos qualquer demonstração da existência de uma relação de mandato ou de representação entre a testemunha e a arguida que pudesse vincular esta, e estando demonstrado que a testemunha em causa não era representante legal da arguida, nem sua empregada.

  16. Pelo que, mesmo tomando em conta os factos dados como provados, provado está que a carta não foi recebida pelo representante legal da arguida, nem por nenhum seu empregado, o que, uma vez mais, ilidiria qualquer presunção de entrega da mesma, e a receção da carta pela testemunha AA sempre seria ineficaz perante a arguida, nada constando dos factos provados quanto à entrega da carta à arguida.

  17. Aliás, uma interpretação do art. 50.º do RGCO, e do art. 49.º n.º 1, da LQCOA, que considere válida a notificação de uma arguida, pessoa coletiva, para exercício do direito de audiência e defesa, comprovadamente efetuada em pessoa diversa das previstas no art. 223.º do CPC – aplicável por força do art. 41.º, do DL n.º 433/82, e art. 4.º, do CPP – é violadora do direito constitucional à defesa plasmado no art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

  18. Sendo inválida a notificação datada de 17/10/2017, para exercício do direito de audição e defesa, a nulidade decorrente dessa omissão deve considerar-se insanável, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art.º. 119.º do CPP.

  19. De todo o modo, no caso dos autos, tal nulidade nunca se poderia considerar sanada, mesmo em face do art. 121.º do CPP, pois o recurso de impugnação judicial não se pronuncia sobre o objeto do procedimento contraordenacional.

  20. A nulidade da notificação, acarreta a invalidade do processo contraordenacional após a omissão da notificação, incluindo a decisão final condenatória, nos termos do art. 122.º do CPP.

  21. Pelo que deveria ter sido julgado procedente o recurso de impugnação judicial, interposto pela arguida, da decisão final da entidade administrativa.

  22. A sentença recorrida violou as seguintes normas: - Arts. 4.º, 119.º n.º 1 al. c), 122.º, 358.º, n.º 1...

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