Acórdão nº 00149/22.9BEMDL-R1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução21 de Abril de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório Nos presentes autos em que é Requerente EMP01..., S. A. e Requerida a Associação ..., veio EMP02..., Lda., todas melhor identificadas nos autos, apresentar reclamação.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: 1.

Destina-se a presente iniciativa recursiva a suscitar a ponderação do que se crê constituir erro de julgamento por parte do Tribunal a quo que julgou a presente ação em 1ª instância, em relação ao despacho que não admitiu o recurso da aqui Reclamante.

  1. Afigura-se, pois, que, em matéria de competência do Tribunal, em razão do território, à presente ação administrativa é aplicável a regra geral, vertida no artigo 16.°, n.° 1, do CPTA, segundo a qual é competente o tribunal da área da residência habitual ou da sede do Autor, não valendo a exceção a tal regra, constante no artigo 19.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, que, em matéria relativa a contratos, em concreto, à interpretação, validade ou execução de contratos, defere tal competência ao tribunal do lugar do cumprimento do contrato ou ao tribunal convencionado pelas partes.

  2. O que significa, no caso sub judice, que o processo cautelar assim como a decisão de não admissão do recurso apresentado pela aqui Reclamante foi julgada por um tribunal territorialmente incompetente; que, por isso, não detinha o poder jurisdicional para julgar o referido processo.

  3. E, na verdade, a incompetência em razão do território no processo administrativo, nos termos do artigo 89.º/3 e 4/a) do CPTA, é de conhecimento oficioso (ao contrário do que sucede em processo civil).

  4. O que significa dizer que, nos termos do artigo 13.º do CPTA, antes de qualquer outra decisão o tribunal deve apreciar a sua competência; pois, no caso de efetivamente não ser o tribunal competente, logo aí se esgota o seu poder jurisdicional.

  5. Consequentemente, o Tribunal a quo devia, antes de qualquer outra decisão, ter apreciado a sua competência e concluído, na verdade, pela incompetência territorial – o que o levaria a compreender que o seu poder jurisdicional se encontrava esgotado perante o caso sub judice, restando-lhe remeter o processo cautelar (e principal) ao TAF competente.

  6. Não obstante e contrariando o dever que lhe incumbia, de apreciar a sua competência em primeiro lugar e antes de qualquer outra matéria, o Tribunal a quo decidiu o presente processo cautelar assim como o despacho de não admissão do recurso da aqui Reclamante – reitera-se, apesar de ser territorialmente incompetente para o fazer.

  7. A este facto importa acrescentar que, apesar de ter julgado a procedência do processo cautelar, veio agora o TAF de Mirandela na ação principal (proc. n.º 237/22.1BEMDL) proferir despacho, a 08.02.2023, no sentido de ser o tribunal territorialmente incompetente para conhecer dos autos principais (cfr. certidão junta a estas alegações como doc. ...).

  8. O que significa que, sendo o critério da competência territorial o mesmo, quer para o processo cautelar, quer para o processo principal, o Tribunal a quo julgou uma providência cautelar, para a qual também não tinha competência; conforme veio, aliás, agora reconhecer na ação principal.

  9. E a situação dos autos é tanto mais grave que, no caso sub judice, e, face à evidência de que a Requerente tem a sua sede no concelho ... e tendo em consideração o que resulta do artigo 8.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 174/2019, de 13 de dezembro, existe, no caso, um juízo de competência especializada, para conhecer do presente litigio: o Juízo de Contratos Públicos do TAF do Porto.

  10. Ora, e com o devido respeito, se o legislador determinou a criação de juízos de competência especializada será porque entende que esses juízos serão mais competentes ou estarão melhor preparados para conhecer de litígios como o dos autos.

  11. Consequentemente, não pode senão restar a este Douto Tribunal Central ordenar a revogação do despacho de não admissão do recurso apresentado pela aqui Reclamante assim como da decisão recorrida, atento que a sentença proferida no processo cautelar assim como o referido despacho foram julgados por quem não tinha poder jurisdicional para o fazer.

  12. O mesmo decidiu o TCAS, no Acórdão proferido 11.10.2021, proc. n.º 590/21.4 BESNT, disponível em www.dgsi.pt., cujo trecho se copia para estas alegações, atenta a sua relevância para o caso sub judice.

  13. E, por isso, desde já se requer, a revogação da sentença cautelar e da decisão de não admissão de recurso da aqui Reclamante que, ao invés, deverá ser decidida pelo Tribunal territorialmente competente, para onde os presentes autos devem ser remetidos, o juízo de contratos públicos do TAF do Porto.

  14. Atenta a leitura conjugada do artigo 142.º/5 do CPTA e do artigo 644.º do CPC, só pode concluir-se que o despacho proferido pelo Tribunal a quo a 17.10.2022 só podia ser impugnado a final, o mesmo é dizer, no presente momento.

  15. Salvo melhor opinião, o despacho proferido pelo Tribunal a quo padece de um erro de julgamento, conforme se demonstrará de seguida. E esse erro de julgamento resume-se, no fundo, ao Tribunal a quo ter feito uma interpretação demasiado restritiva do conceito de “contrainteressado”, que é contrária à posição maioritária adotada pela doutrina e até pela jurisprudência.

  16. E, apesar do Tribunal a quo ter partido do pressuposto que “são contrainteressadas as pessoas ou as entidades que, na concreta relação material controvertida, sejam titulares de interesses contrapostos aos do autor ou do requerente da providência cautelar (cf. artigo 10.º, n.º 1, do CPTA)” e que “tem interesses contrapostos aos do autor ou aos do requerente da providência cautelar as pessoas ou as entidades a quem, diretamente, a procedência ou o provimento da demanda possa prejudicar ou que, diretamente, tenham interesse na manutenção do acto administrativo impugnado ou suspendendo e, daí, na manutenção dos seus efeitos, pessoas ou entidades cuja identificação deve resultar dos termos da concreta relação material controvertida ou de documentos integrantes do processo administrativo instrutor, devendo, por isso, ser obrigatoriamente demandadas, na qualidade de contrainteressadas, juntamente com a Requerente do acto administrativo impugnado ou suspendendo (cf. artigo 57.º do CPTA)” – apesar disso, veio, depois, entender que a aqui Recorrente não integrava a referida relação material controvertida nem tinha interesse na manutenção do ato administrativo impugnado ou suspendendo. Contudo, não se pode concordar com essa decisão. Vejamos.

  17. O conceito de contrainteressados está interligado, no fundo, ao conceito de “legitimidade processual” para poder intervir numa ação.

  18. Como é sabido, a legitimidade em sentido processual (o legislador emprega, por vezes, o termo legitimidade num outro sentido, dito material) representa uma posição da parte em relação a certo processo em concreto - melhor, em relação a certo objeto do processo, (ao contrário do que ocorre com os demais pressupostos processuais subjetivos relativos às partes (personalidade, capacidade, patrocínio judiciários) - os quais assistem ou faltam à parte em todos os processos ou, pelo menos, num grande número de processos, sendo, portanto, qualidades processuais do sujeito em si).

  19. Assim, e conforme decorre do artigo 10.º do CPTA, considerar-se-ão como titulares de um interesse relevante para o efeito de aferição de legitimidade os sujeitos da relação material controvertida.

  20. Ora, in casu, pela análise das peças processuais apresentadas pela Requerente, aqui Recorrida, e pelo processo administrativo instrutor junto pela Requerida é claro que a Recorrente faz parte da relação material controvertida espelhada nos autos e descrita pela Requerente e Requerida neste processo cautelar.

  21. Efetivamente, não podemos esquecer que o conceito de “legitimidade processual” é um critério formal (que não implica a apreciação de mérito) e afere-se em função da forma como a relação material controvertida foi alegada pelas partes.

  22. Assim, quer da forma como foi descrita a relação material controvertida pelas partes, quer pelo que decorre dos próprios documentos juntos pela Requerente (docs. ... a ... juntos com a petição inicial) e do p.a.i., na presente ação, a EMP02... é facilmente identificável como um terceiro que compõe e é parte integrante da referida relação jurídica material controvertida.

  23. Acresce que, o mesmo decorre do ponto II destas alegações de recurso e do próprio p.a.i., onde nas várias comunicações enviadas pela Associação ... à aqui Recorrente se depreende que o procedimento administrativo de aplicação da sanção pecuniária compulsória à Requerente, aqui Recorrida, foi iniciado e desenvolveu-se, em consequência da denúncia feita pela EMP02....

  24. E, isso reflete-se, aliás, pelo facto de a própria Recorrente, ao longo desse procedimento administrativo, ter sido sempre notificada do seu andamento, assim como da decisão final nele adotada.

  25. Consequentemente, isso só pode significar que a aqui Recorrente faz parte da relação jurídica material controvertida em causa nos presentes autos; relação essa que é, por isso, multilateral e tripartida (EMP02...).

  26. E não se diga que a legitimidade tem de ser vista noutra perspetiva, ou numa perspetiva diferente, por estarmos num processo cautelar. Efetivamente e conforme afirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul em 20/02/2018, no proc. n.º 323/17.0BEBJA, disponível em www.dgsi.pt.

    “III – A relação de instrumentalidade estrutural entre o processo cautelar e a ação principal cujo efeito útil aquele visa acautelar faz com que naturalmente as partes em juízo, num e noutro processo, tendencialmente devam coincidir”.

  27. Acresce que, (i) para além de ser uma entidade cuja identificação resulte dos termos da concreta relação material controvertida e dos documentos integrantes do processo administrativo instrutor, a aqui Recorrente (ii) também tem, naturalmente, interesse na manutenção do acto...

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