Acórdão nº 00082/22.4BEPRT-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução21 de Abril de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: AA veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 10.01.2023, pela qual foi julgada improcedente a providência cautelar que intentou contra a Ordem dos Notários com vista a obter o decretamento da providência cautelar de autorização provisória para prosseguir o exercício da profissão de notário depois de atingir o limite de idade de 70 anos e, subsidiariamente, para intimação da Requerida para a abstenção de uma conduta por violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional.

Solicitou a fixação de efeito suspensivo ao recurso face aos prejuízos consideráveis que decorrem para a Recorrente em virtude do levantamento da providência decretada provisoriamente.

Quanto ao recurso em si invocou, em síntese, que: verifica-se uma nulidade processual por preterição de prova testemunhal requerida; a sentença é nula por violação das regras substantivas de direito probatório; ´eé nula por “vários e manifestos casos” de falta de fundamentação de facto e de direito e que, em todo o caso, errou na apreciação e aplicação do Direito ao caso concreto.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida; requereu ainda a ampliação do objecto do recurso com vista à revogação da decisão recorrida na parte em que jugou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio necessário passivo, dada a falta de intervenção nos autos de Contrainteressada a quem a procedência da providência pode prejudicar.

O Recorrente pronunciou-se sobre a ampliação do recurso pugnando pela respectiva improcedência.

Foi proferido despacho de sustentação, a negar a existência de qualquer nulidade e em que foi fixado o efeito devolutivo ao recurso, nos termos previstos nas disposições combinadas dos artigos , 143.º, n.º 2, alínea b), e 145.º, n.º 1, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e do artigo 645.º, n.º 1, alínea a), do Código e Processo Civil.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I.I. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. Deverá ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do n.° 4 do artigo 143.° do CPTA, dado os prejuízos consideráveis para o Recorrente que decorrem do levantamento da providência decretada provisoriamente.

  1. Considerando o propósito do Recorrente, e todo o circunstancialismo fáctico que se lhe encontra adstrito, da mesma forma que a sua pretensão não se compadece da delonga na prolação de decisão definitiva em sede de causa principal - a qual poderá só vir a ser proferida no prazo de 6 a 10 anos, o mesmo se dirá da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso ora interposto, na medida em que impedirá o Recorrente de se manter no exercício da profissão na pendência da causa principal, com todas as consequências daí advenientes.

  2. Permitindo-se que ao Recorrente seja imposto o limite de idade para o exercício da profissão na pendência do processo cautelar – acarretando a inibição de desenvolvimento da mesma –, a mesma redundará, inelutavelmente, na constituição de uma situação de facto consumado, da qual o Recorrente não poderá, de forma alguma, recuperar.

  3. Significa isto que o Recorrente deverá manter o seu cartório desmantelado - tendo-lhe já sido imposta essa determinação -, com a inerente cessação dos vínculos laborais dos seus colaboradores, a impossibilidade de acesso ao seu arquivo e a perda de clientela - tudo consequências naturais e evidentes da cessação coativa da atividade, mas nem por isso menos gravosas.

  4. O mesmo é dizer que, na eventualidade de o Recorrente obter ganho de causa em sede de ação principal - e mesmo em sede de ação cautelar -, os efeitos adversos que se pretendia obviar com o decretamento provisório da providência cautelar já se terão produzido, limitando inexoravelmente a capacidade do Recorrente de desenvolver a atividade.

  5. Por outro lado, numa hipotética situação em que o Recorrente reiniciasse as suas funções apenas após a proferição de decisão favorável em sede cautelar – não se equacionando sequer, neste âmbito, os prazos estimados para a obtenção de uma decisão definitiva em sede de causa principal – decerto aquela deparar-se-ia com a ausência de clientela, outrora fidelizada, que entretanto, e em face das necessidades sentidas, já terá procurado a prestação dos serviços outrora assegurados pelo Recorrente por parte de outro Notário.

  6. Como é bom de ver, a credibilidade e bom nome do Recorrente ficariam comprometidos, já que sempre existiria o sentimento de desconfiança dos clientes face ao seu afastamento compulsivo.

  7. Além disso, tenhamos presente que não seria certo – mesmo com ganho de causa – que o Recorrente retomasse as suas funções, já que o arquivo do seu Cartório Notarial já teria sido redistribuído a outro Notário em funções e o seu lugar estaria já certamente comprometido, atendendo à substituição operada após cessação de atividade por um Notário.

  8. Pelo que, nesta perspetiva, em face das concretas circunstâncias do caso, dúvidas não restam de que, in casu, se encontra demonstrada a necessidade imperiosa de atribuição de efeito suspensivo ao recurso ou, no limite, a essencialidade da adoção de providências adequadas a acautelar a evitar ou minorar os danos decorrentes da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso interposto.

    ISTO POSTO: X. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, notificada ao Recorrente em 11.01.2023, que julgou improcedente o presente processo cautelar, absolvendo a Recorrida do pedido.

  9. Em primeiro lugar, de referir que, com o fito de demonstrar os factos alegados no seu Requerimento Inicial, o Recorrente juntou com o seu articulado documentos, arrolando três testemunhas que, ao longo das últimas décadas, têm acompanhado de perto a evolução do estatuto do Notariado: Dr. BB, Dra. CC e Dr. DD – testemunhas cujo depoimento foi prescindido pelo Tribunal a quo.

  10. No caso sub judice, não logrou o Tribunal a quo fundamentar de forma expressa a decisão de indeferimento do requerimento de prova testemunhal apresentada pelo Recorrente, ao invés decidindo, desde logo e sem mais, que se encontrava na disposição de elementos suficientes para a decisão da causa.

  11. A preterição da produção da prova testemunhal requerida consubstancia assim uma nulidade do processo, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 195.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.

  12. Aqui chegados, e à guisa de conclusão, dúvidas não restam de que a sentença recorrida padece de nulidade, pelo que deverá esta ser declarada por violação das regras substantivas de direito probatório.

  13. Sem prejuízo do que se mencionou, a sentença proferida é também ela nula por aplicação do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, na medida em que são vários e manifestos os casos de completa ausência da especificação dos fundamentos de facto e de Direito subjacentes à decisão proferida.

  14. No que respeitante à alegada violação do princípio da igualdade, o Tribunal a quo é manifestamente lacónico na alegada fundamentação da decisão proferida – não especifica que prerrogativas são atribuídas ao Notário “que o farão participar da autoridade pública”, o que entende por “profissão liberal em sentido próprio” – e o porquê de a profissão de Notário não se integrar naquela categoria –, nem, por fim o que entende por oficial público.

  15. O Tribunal a quo estriba-se em acórdão do TJUE, aplicando, de forma desgarrada e sem qualquer ligação ao caso concreto, os critérios a que aquele faz referência.

  16. No fundo, o Tribunal a quo defende que “a imposição de idade não viola nenhum princípio constitucional” – sendo essa a sua decisão a propósito do vício invocado –, não logrando, contudo, especificar os fundamentos que a justificam, quedando-se por referências abstratas a uma série de critérios que careciam, mesmo que perfuntoriamente, de concretização e densificação.

  17. Pelo que, em face do exposto, evidencia-se uma situação de nulidade da sentença, em virtude de o Tribunal a quo não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a qual deverá ser declarada, com todos os legais efeitos.

  18. Ademais, a sentença recorrida padece ainda de flagrante erro de julgamento de Direito.

  19. No que à violação do princípio da igualdade, tal qual se encontra consagrado no artigo 13.º da CRP, diz respeito, assenta a mesma, nos termos que foram alvo de detida e cuidada análise em sede de Requerimento Inicial, no facto de aos Notários – enquanto profissionais liberais ao abrigo do EN – ser dispensado tratamento distinto daquele que é assegurado a outros profissionais liberais aos quais é permitida a prática de atos notariais inicialmente cometidos, em exclusividade, àqueles primeiros.

  20. A transição de competências do âmbito reservado à classe notarial para a praça, tanto de outros profissionais liberais, como para os serviços simplificadores da Administração, desacompanhada de equivalentes restrições no que diz respeito ao acesso e exercício da profissão e das funções correspondentes não poderá senão configurar-se como flagrantemente atentatória do princípio da igualdade.

  21. Não adere, contudo, o Tribunal a quo a tal entendimento, considerando, depois de absorto excurso a propósito do princípio da igualdade, que não parece que haja violação deste princípio, uma vez que, não se está perante uma profissão liberal no sentido propriamente dito.

  22. Dedicando breves parágrafos à análise da violação do princípio da igualdade invocada pelo Recorrente, o Tribunal a quo parece ancorar – como seria de esperar – a parca fundamentação subjacente à decisão proferida na natureza perfuntória da análise a realizar, sendo que o...

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