Acórdão nº 00091/23.6BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução21 de Abril de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO 1. «EMP01...», LDA, melhor identificada nos presentes autos de PROVIDÊNCIA CAUTELAR em que é Requerida APDL - ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DO DOURO, LEIXÕES E VIANA DO CASTELO, S. A, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, editada em 01.03.2023, que “(…) rejeito[u] o presente requerimento cautelar, por se revelar manifesta a ausência dos pressupostos (…)”.

  1. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) a) Através da presente providência cautelar, peticionou a Recorrente (i) suspensão de eficácia do acto de adjudicação da entidade Recorrida praticado em procedimento concursal para atribuição de licença de utilização privativa do Cais ..., (ii) suspensão de eficácia da decisão da entidade Recorrida em não reconhecer ao Recorrente direito de preferência no âmbito do aludido procedimento concursal, ambos notificados através do ofício n.° ...23, de 26/Jan/2023 [documento n.° ...]; (iii) atribuição provisória da manutenção do direito do Recorrente utilizar e explorar o Cais ....

    b) Entendeu o Tribunal a quo rejeitar o requerimento inicial, ao abrigo do artigo 116.°/ 2 f) do CPTA, julgando ser manifesta a falta de pressupostos da acção principal por considerar que teria caducado o direito àquela, nomeadamente por o ofício n.° ...22, de 25/maio/2022 [documento n.° ...7] ser um verdadeiro acto administrativo impugnável, tal apesar de o mesmo expressamente mencionar que a Recorrente dispunha de um prazo de dez dias úteis para, em sede de audiência prévia, alegarem o que tiverem por conveniente e/ou suscetível de influir na presente determinação.

    c) Com o devido respeito, não pode a Recorrente concordar ou conformar-se, de todo, com tal decisão, incorrendo esta em erro de julgamento por vários motivos, requerendo-se, assim, por um lado, a sua revogação e substituição por outra que admita o requerimento inicial, e, por outro, nos termos do artigo 149.°/3 do CPTA, o conhecimento e decisão por parte do Tribunal a quem do mérito da causa, bem como e ao abrigo do artigo 131.° do CPTA, o decretamento provisório das providências peticionadas, ou, caso assim não se entenda, nos termos do artigo 143.°/4 do CPTA, a adopção de providências que se julguem ser adequadas a evitar ou minorar os danos, entendendo a Recorrente que tais se podem consubstanciar na sua manutenção na utilização do cais em causa mediante o pagamento da “contrapartida / taxa” mensal, a título de recursos hídricos, prevista na anterior licença [n.° 0034/2022] e que pagou no último ano.

    Com efeito: d.1) Em primeiro lugar, é a lei clara e a jurisprudência e doutrina unânimes no sentido do aludido ofício [n.° 244/2022] não se consubstanciar num verdadeiro acto administrativo, lesivo e definitivo, e por isso impugnável, como assim se define nos artigos 148.° do CPA e 51.° do CPTA - cfr., a título de exemplo, Acórdãos do TCAN de 16/março/2018 [processo n.° 02109/16.0BEPRT] e de 29/maio/2008 [processo n.° 01006/05.9BEPRT].

    d.1.1) Na verdade, decorre literal e expressamente daquele que a Recorrente dispunha de 10 dias úteis para se pronunciar em sede de audiência prévia, pelo que o mesmo insere-se nesse direito [de exercício de audiência prévia] - o que só por si, e por definição, atento o disposto nos artigos 148.° e 121.° e seguintes do CPA e ainda do 51.° do CPTA, retira a sua definitividade, lesividade, efeitos externos e, por conseguinte, é insuscetível de impugnação.

    d.1.2) E, para além da sua literalidade, as anteriores comunicações neste âmbito da entidade Recorrida foram no sentido diametralmente oposto [i.e., os ofícios n.°s ...22 e ...22, que são os ofícios anteriores ao ofício n.° ...22, ao contrário deste, reconhecem expressamente o direito de preferência à Recorrente], pelo que esta sempre tinha o direito de ser ouvida no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informado sobre o sentido provável desta. Daí também o ofício n.° ...22 apenas se poder configurar e definir como uma verdadeira notificação para o exercício do direito de audiência prévia, e jamais acto administrativo tout court, sob pena de violação do artigo 121.° do CPA e se consubstanciar numa decisão-surpresa.

    d.1.3) Encerra, assim, a decisão em crise em erro de julgamento, ao interpretar o ofício n.° ...22 como um verdadeiro acto administrativo quando não é mais que uma notificação para o exercício do direito de audiência prévia, violando, deste modo, os artigos 121.° e 148.° do CPA e 51.° do CPTA.

    d.2) Em segundo, conforme acima exposto e com o devido respeito, é para a Recorrente impossível afirmar, com o mínino sequer de segurança, que aquele ofício n.° ...22 de 25/maio/2022 poderia ser um acto administrativo final e por isso passível de impugnação - note-se que o mesmo integra expressamente a notificação para a Requerente se pronunciar no prazo de 10 dias em sede de audiência prévia! - pelo que decidir que tal é manifesto é, tal como o artigo 116.°/2 f) do CPTA exige, absolutamente incompreensível.

    d.2.1) Com efeito, salvo o devido respeito, não apenas o pedido cautelar se mostra perfeitamente procedente, porque destinado a acautelar o efeito útil da decisão judicial a proferir e porque se baseia em argumentos factual e legalmente atendíveis, como, reitere-se, nunca a alegada improcedência do pedido cautelar poderia ser, nesta fase, manifesta, pelo que viola a decisão em crise o artigo 116.°/2 do CPTA.

    d.3) Por sua vez, o ofício em causa [n.° 244/2022] consubstancia-se numa notificação assinada e da autoria da Diretora Jurídica, Dominial e de Património da Recorrida, ao invés de quem delibera reconhecer e notificar a Recorrente para exercer o seu direito de preferência, através do ofício n.° ...22, é Vogal do Conselho de Administração, sendo certo que, também o ofício n.° ...22 de 28/Nov/2022 [documento n.° ...9] é da então Vogal do Conselho de Administração [e este, note-se, expressamente, se refere a uma notificação de uma deliberação do Conselho de Administração]. Curiosamente, ou não, o ofício impugnado em sede de acção principal e cuja eficácia nos presentes autos cautelares se pretende suspender [n.° 71/2023, de 26/Jan/2023 - documento n.° ...], é da Presidente do Conselho de Administração.

    d.3.1) Assim, verifica-se que o ofício que o Tribunal a quo considerou ser definitivo, lesivo e impugnável foi emitido pelo órgão que nenhum poder ou competência detém para vincular a entidade Recorrida, o que, por um lado, até simbolicamente, dá para perceber qual a “força” de um e de outros, atestando-se o que se intencionou ser um verdadeiro acto e o que será uma projeto de decisão, e, por outro, caso o aludido ofício de 25/maio/2022 significasse um verdadeiro acto administrativo, com produção de efeitos jurídicos externos - o que não se consente -, sempre seria nulo, nos termos e ao abrigo do artigo 161.° do CPA, nulidade essa invocável a todo o tempo por qualquer interessado e [podendo], também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação [cfr. artigo 162.°/2 do CPA e ainda 58.°/1 do CPTA].

    d.3.2) Pelo que, também por esta ordem de razões e por violar os artigos 162.° do CPA e 58.° do CPTA, deve a decisão em crise ser revogada.

    d.4) Note-se que, considera a Recorrente ser o ofício n.° ...23, de 26/Jan/2023 o acto administrativo final - e que impugnou em sede de acção principal -, pois que, para além de ser da autoria da Presidente do Conselho de Administração da entidade Recorrida e dos anteriores ofícios todos notificarem para o exercício de audiência prévia, é o que definitivamente decide não reconhecer o direito de preferência à Recorrente e atribuir a licença à concorrente Contra-interessada.

    d.4.1) Em todo o caso, entendendo-se ser a deliberação do Conselho de Administração de 24/Nov/2022 o acto administrativo a impugnar, importa salientar que tal deliberação foi notificada à Recorrente através do ofício n.° ...22 de 28/Nov/2022 [documento n.° ...9], pelo que, tendo a acção principal dado entrada no prazo de 3 meses, mais precisamente no dia 28/Fev/2023, tal como o requerimento inicial cautelar, não ocorre nos presentes autos qualquer caducidade.

    d.5) Mas, ainda que assim não se entendesse - ou seja, que o aludido ofício n.° ...22 poderia hipoteticamente configurar um acto administrativo, tout court, o que não se consente -, a verdade é que, ao abrigo dos princípios da boa fé, justiça e da tutela jurisdicional efectiva, sempre seria de considerar impugnável as decisões objecto da providência e da acção já instaurada e, em consequência, admitir requerimento inicial cautelar, pois que, no mínimo, sempre seria de considerar que foi a própria entidade Recorrida que induziu em erro a Recorrente, ao expressamente naquele se referir que esta dispunha do prazo de dez dias úteis para se pronunciar em sede de audiência prévia.

    d.5.1) Efetivamente, não poderia a Recorrente adivinhar que a figura jurídica de audiência prévia ali literalmente escrita e para a qual foi expressamente notificada não seria, a final, aplicável ao caso, tratando-se, outrossim, de um acto administrativo, alegadamente impugnável e lesivo externamente, ademais quando quem assina aquele [ofício n.° ...22] é a Diretora Jurídica da entidade Recorrida, que certamente sabe e conhece os termos que aplica e para os quais notifica os particulares interessados.

    d.5.2) Há, pois, no entender da Recorrente e claramente, uma razão justificativa [literal e expressa, de resto], e sem qualquer culpa sua, para esta ter interpretado aquele ofício como uma notificação para o exercício do direito de audiência prévia, pelo que sempre a será de a considerar lícita e digna de protecção jurídica, violando a decisão em crise, ao interpretar o ofício em causa como interpreta.

    Por...

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