Acórdão nº 3300/15.1T8ENT-A.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.

Os executados AA e BB deduziram embargos de executado, contra a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo que seja julgada extinta a execução.

  1. Alegaram, em síntese, que a Exequente interpôs a execução com base em Título de Abertura de Crédito com Hipoteca celebrado entre a sociedade “J... - Sociedade de Construções, Lda.”, sendo que a identificada garantia foi prestada no seguimento da aquisição, pela indicada sociedade aos ora Executados, do prédio urbano sito na Rua ..., ... e Rua ..., ..., em Rio Maior, para garantia de mútuo por aquela prestado. A aquisição do prédio dado em hipoteca à Exequente foi titulada por escritura de permuta, escritura essa por via da qual os Embargantes receberam, em troca, três fracções autónomas, a integrar no referido prédio urbano a construir, e a identificar na futura propriedade horizontal. E aperceberam-se que a Exequente não fez constar da hipoteca que foi constituída a seu favor, que as fracções autónomas por si adquiridas não se encontravam abrangidas pela hipoteca e nunca a hipoteca poderia abranger tais fracções (que foram cedidas livres de ónus e encargos).

  2. Notificada para o efeito, respondeu a Exequente, sustentando, em resumo, que os embargantes não impugnaram a legitimidade e validade do negócio jurídico celebrado com a mutuária J... – Sociedade de Construções. Lda., e que, em momento algum, defendeu que os Embargantes fossem pessoalmente devedores da quantia peticionada nos autos, mas que, sendo proprietários de bens onerados com hipoteca para garantia do crédito concedido à referida sociedade J..., Lda., estes bens respondem pela dívida, independentemente de os embargantes não serem devedores da quantia peticionada nos autos. Mais disse que os embargantes sabiam que seria constituída hipoteca sobre o prédio objecto de permuta e que, não só não escudaram as fracções autónomas futuras, como expressamente autorizaram a constituição de quaisquer hipotecas.

    Concluiu, assim, pela improcedência dos embargos.

  3. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, identificado o objecto do litígio e enunciados dos temas da prova.

    Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “Em face do exposto julgo procedente a oposição mediante embargos de executado deduzida por AA e BB e, em consequência, determino a extinção da execução e o levantamento de todas as penhoras realizadas no processo de execução.” 5.

    Desta sentença veio a Exequente interpor recurso, o qual concluiu pedindo a revogação da sentença recorrida.

  4. A apelação foi julgada procedente, por acórdão prolatado em 10/10/2019, que revogou a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição à execução e determinando o prosseguimento desta.

  5. Inconformados os Embargantes/Apelados interpuseram revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por Acórdão proferido em 16/06/2020, concedeu a revista e anulou o acórdão recorrido, determinando o reenvio dos autos ao Tribunal da Relação de Évora para que se apreciasse a questão do abuso de direito invocada pelos embargantes/apelados.

  6. Em cumprimento deste aresto, nesta Relação, foi proferido o acórdão de 24/09/2020, no qual se entendeu, além do mais, que “… tendo a aquisição das fracções penhoradas nos autos, pelos embargantes, ocorrido em data posterior à constituição da hipoteca e apenas com a constituição da propriedade horizontal, a hipoteca, porque beneficia de registo anterior, prevalece sobre esse direito de propriedade, ou seja, tendo sido registada em primeiro lugar a hipoteca, validamente constituída a favor do credor hipotecário, no caso a recorrente/exequente, esta pode opor aos embargantes, adquirentes das fracções penhoradas, o direito de prioridade que lhe advém do registo (art. 6.º, n.º 1, do C. R. Predial)”, e que não ocorria o alegado abuso de direito.

  7. Inconformados, os Embargantes/Apelados interpuseram nova revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 06/04/2021, decidido: «1. Determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora para que nela (ou, por determinação desta, na 1.ª instância, sendo necessário) se apreciem os factos, oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito, procedendo a novo julgamento nos termos supra referidos quanto a esta matéria; 2. Mantém-se tudo o mais decidido, sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurado no novo julgamento, ora determinado.» 10.

    Recebidos os autos nesta Relação, veio a ser proferido o acórdão de 23/09/2021, no qual se decidiu «… determinar a remessa dos autos à 1ª instância para ampliação da matéria de facto, para apreciação dos factos oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito, como determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça».

  8. Após a baixa dos autos à 1ª instância, foi determinada a reabertura da audiência de julgamento e notificadas as partes “indicarem a prova que entendam pertinente para efeitos de ampliação da matéria de facto quanto à questão do abuso de direito” (cf. despacho ref. 89028898), tendo as mesmas apresentado os respectivos requerimentos probatórios, que foram admitidos (cf. despacho ref. 89418835).

  9. Produzida a prova e encerrada a audiência, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu: «Em face do exposto, julgo procedente a oposição mediante embargos de executado deduzida por AA e BB e, em consequência, determino a extinção da execução e o levantamento de todas as penhoras realizadas no processo de execução» Esta sentença foi imediatamente antecedida do seguinte trecho: «No seguimento do decidido em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Abril de 2021 e em Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Setembro de 2021 (onde se determinou a remessa dos autos à 1ª instância para ampliação da matéria de facto, para apreciação dos factos oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito), foi reaberta a audiência, nos termos e com os fundamentos constantes dos autos.

    Atento o estado dos autos e o teor e âmbito dos recursos interpostos e acórdãos que sobre os mesmos recaíram, reproduzirá o presente Tribunal a sentença anteriormente proferida, aditando-lhe os factos, motivação e fundamentação de direito considerada pertinente apenas quanto à questão do abuso de direito. (sublinhado nosso) 13.

    Inconformada, recorreu a Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos e com os fundamentos seguintes [não obstante as conclusões apresentadas não observarem as exigências de concisão legalmente exigidas (como, aliás, alertam os recorridos, que, ainda assim, incorreram no mesmo vício), desde logo pela sua manifesta prolixidade, não se convidou ao aperfeiçoamento das mesmas, porquanto se entendem as questões que pretende ver apreciadas e os recorridos também as entenderam]: 1.ª A douta sentença recorrida, proferida nos autos em 22.07.2022, a fls…, em suma, julgou procedentes os embargos de executado deduzidos por AA e BB e, em consequência, determinou a extinção da execução e o levantamento de todas as penhoras realizadas nos autos principais, de execução.

    1. Como é expressamente referido na douta sentença recorrida (pág. 1), o douto Tribunal a quo volta a proferir decisão acerca da validade e eficácia da hipoteca constituída a favor da Exequente CGD sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos Embargantes.

    2. Contudo, tal decisão contraria o douto Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos autos em 06.04.2021, nos termos do qual foi determinada a anulação do anterior Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, de 24.09.2020, apenas na parte respeitante à apreciação da excepção do Abuso de Direito, mais se decidindo expressamente que se mantém tudo o mais decidido (naturalmente, sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurado no novo julgamento).

    3. O doutamente decidido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça não oferece quaisquer dúvidas: o decidido por parte deste Venerando Tribunal da Relação (doutos Acórdãos de 10.10.2019 e de 24.09.2020) acerca da validade da hipoteca constituída a favor da CGD e a sua oponibilidade aos Embargantes, por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário, mantém-se.

    4. Excepção feita, naturalmente, caso tivesse sido feita prova de factos atinentes à actuação da CGD em pretenso Abuso de Direito – prova que, exclame-se, não foi feita! 6.ª Por isso mesmo, a reabertura do julgamento não implica uma repetição, in totum, dos Embargos de Executado, mas apenas produção de prova quanto à ampliação da matéria de facto, no tocante ao pretenso abuso de Direito – como se decidiu expressamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.04.2021 [«(...) procedendo a novo julgamento nos termos supra-referidos quanto a esta matéria»].

    5. A apreciação dos factos, relativamente ao pretenso Abuso de Direito, é o único objecto do litígio, na presente fase dos autos, como, de resto, resulta igualmente do teor dos despachos de 28.01.2022 e de 08.03.2022, proferidos pelo Tribunal a quo.

    6. Assim, não poderia o douto Tribunal a quo, sem mais, simplesmente voltar a proferir nova decisão sobre a questão da validade e eficácia da hipoteca constituída a favor da Exequente CGD sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos Embargantes, por força do direito de sequela que lhe assiste.

    7. Primeiro, porque tal questão é objecto de decisão transitada em julgado [douto Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, de 06.04.2021, ao decidir «mantém-se tudo o mais decidido»], pelo que, decidir novamente sobre a mesma questão viola o caso julgado formal criado pela douta decisão de 06.04.2021, transitada em julgado.

    8. Segundo, porque a lei processual civil prevê o trânsito em julgado parcial, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 635º, n.º 2 do CPC. Neste sentido, veja-se, entre outros, o decidido por douto Acórdão do Venerando Tribunal da...

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