Acórdão nº 938/20.9T8ENT-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA E FARO
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. RELATÓRIO 1. Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa que, sob a forma de processo comum ordinário, lhe foi movida pela sociedade “Grenke Renting, S.A.

    ”, veio AA deduzir oposição mediante embargos de executado, invocando, fundamentalmente, que não autorizou o preenchimento da livrança dada à execução, na medida em que o equipamento objecto do contrato subjacente àquela livrança lhe foi entregue com defeitos, que se mantiveram mesmo após as intervenções dos técnicos de manutenção.

    Por esse motivo, não vendeu ao consumidor final, no seu estabelecimento, um único produto feito no equipamento em causa, tendo resolvido o contrato de locação celebrado com a exequente e devolvido o equipamento.

    Destarte, entende nada dever à exequente.

    A exequente/embargada contestou, impugnando a generalidade dos factos alegados pelo executado/embargante, descrevendo depois a – do seu ponto de vista incumprida por aquele - relação contratual que deu azo à emissão da sobredita livrança dada à execução.

    Realizada audiência final, veio, subsequentemente, a ser proferida sentença que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

  2. É desta sentença que, desaprazido, recorre o embargante/executado, formulando na sua apelação as seguintes conclusões: 1º. A questão fundamental objecto de recurso tange à admissibilidade ou não da resolução do contrato pelo recorrente, enquanto, locador e com as consequências jurídicas dela derivadas.

    1. Por isso, pugna, o recorrente que a decisão recorrida -ao concluir que a embargada não incumpriu o contrato em análise e que foi o primeiro ao não pagar os alugueres vencidos desde junho/2019 que legitimou o preenchimento da livrança dada à execução - fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 1022.º, 1031.º, 1032.º e 1033.º do Código Civil, merecendo, o competente reparo.

    2. Efectivamente, reza o artigo 1032.º do CC que quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada ou carecer das qualidades destinadas a esse fim ou asseguradas pelo locador, o contrato considera-se não cumprido: a) se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa; b) se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador.

    3. O regime previsto para os vícios da coisa locada constitui a consequência lógica da obrigação imposta ao locador pelo art. 1031.º de assegurar o gozo da coisa - se a coisa apresentar vícios (quer de facto quer de direito) que lhe não permitam realizar o fim a que se destina, o locador é responsável pelo prejuízo causado ao locatário, nos termos do artigo 798.º do CC.

    4. A doutrina ensina que o regime previsto nos arts.1032.º a 1034.º enquadra-se na figura geral do cumprimento defeituoso das obrigações, valendo em tais casos a presunção de culpa do art. 799.º do CC, presumindo-se a culpa do locador sempre que a coisa apresente vícios de direito ou defeitos cfr., “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos – Compra e Venda, Locação e Empreitada”, Almedina, 2ª ed., pag. 188.

    5. Bastará, assim, ao locatário demostrar a existência do vício, incumbindo ao locador a prova de que o vício não provém de culpa sua.

    6. No caso dos autos, entende o recorrente, sempre salvo o devido respeito por melhor opinião, que é patente e ostensivo o vício da coisa locada, que não servia para o fim a que estava destinada, tão pouco tendo a recorrida embargada sequer assegurado ao embargante recorrente o gozo da mesma. Corolário disto são as circunstâncias - provadas – das impressões nunca terem correspondido às expectativas do embargante e do mesmo nunca ter vendido ao consumidor final nenhum produto resultante do equipamento locado, mesmo após, pelo menos, 2 intervenções técnicas - provadas – para substituição de diversos componentes do equipamento e limpeza de áreas internas.

    7. Se juntarmos a isto, o facto - demonstrado - de que o contrato de locação teve por objecto um equipamento adquirido pela locadora, com o objectivo de o alugar no estado de NOVO (ponto provado em 4) ao locatário recorrente, mas que quando foi entregue ao mesmo em 28.03.2019 (ponto provado em 15) já contava com mais de MEIO MILHÃO de páginas impressas, mais precisamente 628.623 (seiscentos vinte oito mil seiscentos vinte três) páginas forçoso é de concluir pelo incumprimento contratual da locadora embargada.

    8. Até porque resulta NÃO PROVADO que aquando da recepção do equipamento o locatário declarou que o mesmo estava em perfeito estado de funcionamento e que correspondia exactamente às descrições constantes do pedido.

    9. É, pois, da mais elementar Justiça que não se dê guarida a um negócio jurídico que é um exemplo flagrante do “gato por lebre”, locando-se como novo, equipamento que já tinha produzido, no momento da entrega ao locatário, nada mais, nada menos, que 628.623 páginas impressas, que obrigou a várias reparações e de onde não foi vendido um único produto ao consumidor final.

    10. Não pode dar-se acolhimento, nem manter-se no comércio jurídico um negócio de semelhante natureza, claramente ofensivo da boa fé negocial, das expectativas da contraparte e dos direitos do recorrente enquanto locatário, a quem devia ter sido assegurado o gozo de uma coisa de que nunca usou ou fruiu.

    11. Até porque convém não esquecer, que, entretanto, o recorrente locatário - crédulo e cumpridor - foi fazendo o pagamento dos alugueres devidos por alguns meses, mas que confrontado com a contínua inoperacionalidade do equipamento se viu obrigado a resolver o contrato, de forma fundamentada, como melhor resulta da factualidade assente em 20 dos factos provados, ali tendo desde logo solicitado para que procedessem ao levantamento da máquina em causa, o que a embargada não fez, obrigando o recorrente a proceder à devolução do equipamento, consoante melhor resulta do ponto 22 dos factos provados.

    12. Ponto assente é que a recorrida nunca assegurou ao recorrente o gozo do equipamento, não sendo, por outro lado, minimamente credível, que ignorasse o dever de adquirir um equipamento novo para locar – e que era a escolha do...

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