Acórdão nº 664/22.4T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Évora, AA demandou BB, pedindo a declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da Ré em indemnização correspondente a um mês de salário por cada ano completo de serviço ou fracção decorrido até à data do despedimento, no valor total de € 9.000,00, acrescido dos juros legais.

Alega ter sido admitida ao serviço da Ré em 2007, para lhe prestar serviços domésticos, tendo sido despedida verbalmente em 15.04.2021, sem comunicação de justa causa.

Contestando, a Ré argumenta que a A. foi admitida ao seu serviço apenas em 2017, e que os fundamentos do despedimento foram comunicados verbalmente e por escrito.

Após julgamento, a sentença julgou a acção improcedente, pelo que a A. introduz a presente instância de recurso, concluindo: 1. A A. foi admitida verbalmente o serviço da Ré, em 20 de Agosto de 2007 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, e mediante retribuição, exercer diariamente as funções de prestação de serviços domésticos; 2. A A. manteve-se ininterruptamente ao serviço da ré, até ao dia 15 de Abril de 2021, auferindo nessa altura, e desde 01.01.2020, o salário líquido mensal de 600,00 €; 3. Em 15 de Abril de 2021, a autora compareceu ao serviço em casa da ré, cerca das 9H00, e perguntou-lhe porque razão os descontos eram feitos para a Segurança Social sobre o valor de 438,80 €, quando o seu vencimento líquido era de 600,00 €.

  1. A ré mostrou-se aborrecida com essa pergunta, exaltou-se e disse-lhe que não a queria mais a trabalhar na casa dela, pediu as chaves que a autora tinha na sua posse e apontou-lhe a porta da rua dizendo-lhe “rua, está despedida, não a quero voltar a ver aqui”.

  2. A Ré não comunicou os fundamentos do despedimento nem verbalmente nem por escrito à A. no momento em que a despediu; 6. Assim, a Ré violou o preceituado no artº 29º, nº 3, do Decreto Lei nº 235/92, de 24 de Outubro.

  3. O Tribunal a quo, considerou erradamente que apesar de o despedimento ser formalmente ilícito, é substancialmente lícito porque se consideraram provados factos que consubstanciam justa causa de despedimento; 8. Contudo, essa decisão é inequivocamente contraditória com a matéria de facto dada como provada nos Pontos 10., 11. e 12. dos Factos considerados como provados que se são por reproduzidos.

  4. Com efeito, a decisão de despedimento não decorreu dos factos considerados provados descritos nos pontos 18. a 21 da matéria provada mas sim da questão sobre o valor dos descontos para a Segurança Social.

  5. Ou seja, o motivo do despedimento apurado nos autos não constitui justa causa de despedimento; 11. O nº 3 do artº 29 do Regime das Relações de Trabalho Emergentes de Contrato de Serviço Doméstico, estipula que “No momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que o fundamentem”.

  6. No caso dos autos, não foi comunicado, verbalmente nem por escrito à Autora, no momento do despedimento qualquer facto ou circunstância que impossibilitasse a manutenção do contrato.

  7. Não tendo sido indicados os fundamentos do despedimento impõe-se que o mesmo seja considerado ilícito, com as legais consequências, sendo indevido e injustificado o recurso ao instituto do abuso de direito.

  8. Ao recorrer ao instituto genérico do abuso de direito, o Tribunal a quo violou o espírito e a letra do artº 29 do indicado diploma.

  9. Com essa decisão, o Tribunal a quo deixou entrar pela janela aquilo que não podia legalmente deixar entrar pela porta! 16. E abriu a porta à incerteza e à insegurança jurídica, 17. A decisão proferida é além do mais injusta e demonstra que o Tribunal a quo usou dois pesos e duas medidas para avaliar os comportamentos das partes.

  10. Pois, foi a Ré que agiu ao arrepio das suas obrigações, tendo procedido a um despedimento ilícito, contrário à Lei e aos bons costumes, omitindo as razões do despedimento e as obrigações que lhe estavam impostas; 19. O recurso à aplicação do instituto do abuso de direito no caso em apreço, considerando os contornos concretos do despedimento em causa, é injustificado e indevido; 20. Além disso, afasta a aplicação da lei em clara violação do princípio da certeza e da segurança jurídica, enquanto pilares do estado de direito implícitos na constituição da República Portuguesa.

  11. Sendo certo que a segurança e a certeza do direito são indispensáveis para que haja justiça e ordem.

  12. Não tendo sido comunicadas à autora no momento do seu despedimento, de forma escrita e expressa, os fundamentos do despedimento, conforme é determinado pelo artº 29 do Regime Jurídico aplicável, o mesmo deve ser declarado ilícito.

  13. Não tendo considerado o despedimento ilícito e condenado a Ré no pagamento da indemnização devida, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 29.º n.º 3 e 31.º n.º 1 do Regime Jurídico das Relações de Trabalho Emergentes de Contrato de Serviço Doméstico.

  14. A douta sentença recorrida deve ser revogada, julgando-se a acção procedente por provada, condenando-se a R. no pagamento da quantia peticionada; A resposta sustenta a manutenção do julgado.

    Produziu a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Évora parecer no sentido do provimento do recurso.

    Cumpre-nos decidir.

    O elenco fáctico considerado provado na sentença, e não impugnado, é o seguinte: 1. AA foi admitida verbalmente ao...

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