Acórdão nº 203/23 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 203/2023

Processo n.º 90/2023

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., Lda. e recorridos B., S.A. e C., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 28 de setembro de 2022, que negou a revista excecional interposta pela ora recorrente, bem como do aresto prolatado em 9 de novembro de 2022, que indeferiu o pedido de reforma e desatendeu a nulidade por omissão de pronúncia imputada àquela primeira decisão.

2. Através da Decisão Sumária n.º 113/2023, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«[…]

3. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

O recurso incide sobre o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 28 de setembro de 2022, que negou a revista excecional interposta pela ora recorrente, e ainda sobre o aresto prolatado pelo mesmo Tribunal, em 9 de novembro de 2022, que indeferiu o pedido de reforma e desatendeu a nulidade por omissão de pronúncia imputada àquele primeiro.

4. Conforme reiteradamente recordado na jurisprudência deste Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais em si mesmo consideradas, ou dos termos em que nelas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional. Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é ainda necessário que a(s) norma(s) impugnada(s) haja(m) sido efetivamente aplicada(s) na decisão recorrida, como sua ratio decidendi, e, bem assim, que a respetiva inconstitucionalidade haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cf. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC). É útil lembrar que, para além de vincular o recorrente à antecipação da questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso, exigindo-lhe que a defina antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida, o requisito da suscitação atempada tem uma evidente dimensão formal, impondo ao recorrente um ónus de delimitação e especificação, perante o tribunal a quo, da norma ou interpretação normativa que entende não poder ser aplicada sob pena de violação da Constituição.

5. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente afirma pretender que este Tribunal aprecie as seguintes «normas/cláusulas impugnadas»:

a. Artigo 1536.º do Código Civil, no seu número primeiro, alínea f) - atento o facto de se considerar causa extintiva do direito de superfície a "expropriação por utilidade pública";

b. Artigo 1538.º do Código Civil, no sentido de ser aplicável apenas e só quando a extinção do direito de superfície é fundamentada pelo decurso do prazo, estabelecendo o seu número dois que o superficiário pode prescindir da indemnização a que teria direito (interpretação a contrario sensu de "salvo estipulação em contrário").

c. Cláusula Nona, número um, do contrato de constituição do direito de superfície, que atribui à B. o direito (absoluto) de fazer sua a obra construída;

d. Cláusula Nona, número dois, do contrato de constituição do direito de superfície, que exclui o pagamento de uma qualquer indemnização/contrapartida à superfíciária pela aquisição forçada do implante ».

Explicitando o objeto do recurso, a recorrente alega que «[a] leitura e interpretação de tais normativos/clausulados constituem a ratio decidendi da decisão alvo de recurso, encontrando-se […] em flagrante desconformidade com os elementos literal e sistemático da Lei, especialmente do plasmado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa». Como se vê, é a decisão judicial que constitui objeto do recurso e não qualquer norma ou interpretação normativa nela efetivamente aplicada, como ratio decidendi. Na verdade, à posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 28 de setembro de 2022 — segundo a qual, «tendo as partes estabelecido ao abrigo do princípio da autonomia da vontade e liberdade negocial que lhes assistia, os termos e as consequências da extinção do contrato de constituição de direito de superfície, prevendo-se aí, expressamente, a ausência do ressarcimento do superficiário, sendo tal cláusula perfeitamente lícita face ao disposto nos artigos 1536º, nº2 e 1538º, nº2 do CCivil, [e não] consubstanciando a extinção do direito de superfície a equivalência a um ato expropriativo e/ou de espoliação ilegal ou indevida», nem «tendo qualquer aplicação o disposto no artigo 62º da CRPortuguesa» a recorrente contrapõe a posição defendida no parecer que cita — segundo a qual é nula, por violação da ordem pública, a «cláusula Nona, número dois, do contrato de constituição do direito de superfície, que exclui o pagamento de uma qualquer indemnização/contrapartida à superfíciária pela aquisição forçada do implante», havendo lugar à aplicação do «art. 62. º, nº0 2, da Constituição [que] determina que a expropriação só pode ser efetuada com o pagamento da justa indemnização» —, solicitando ao Tribunal Constitucional que dirima esse litígio. É o que muito claramente resulta da inclusão no objeto do recurso do próprio clausulado contratual, que não pode ser evidentemente sujeito a um controlo normativo de constitucionalidade, como é aquele que se encontra atribuído ao Tribunal Constitucional.

6. Em qualquer caso, quanto às normas referidas em a. e b. do ponto I do requerimento de interposição do recurso, sempre obstaria ao conhecimento do objeto do recurso a circunstância de nenhuma delas ter sido aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi: a primeira, correspondente ao «[a]rtigo 1536.º do Código Civil, no seu número primeiro, alínea f) - atento o facto de se considerar causa extintiva do direito de superfície a "expropriação por utilidade pública"», na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça, como se viu, considerou não ser essa, mas a estabelecida no título constitutivo ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo, a causa de extinção do direito de superfície verificada no caso sub judice; e a segunda, correspondente ao «[a]rtigo 1538.º do Código Civil, no sentido de ser aplicável apenas e só quando a extinção do direito de superfície é fundamentada pelo decurso do prazo, estabelecendo o seu número dois que o superficiário pode prescindir da indemnização a que teria direito (interpretação a contrario sensu de "salvo estipulação em contrário")», na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça, em linha com a doutrina mais recente, entendeu que tal regime é analogicamente aplicável a «todos os casos de extinção do direito de superfície», desde que «observadas as especificações do preceituado no artigo 10.º, n.º 1, do CCivil».

Quanto às referidas normas, obstaria ainda ao conhecimento do objeto do recurso a inobservância do ónus imposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, uma vez que, nas conclusões formuladas nas alíneas S) e AA) do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, indicadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente limitou-se a imputar a violação do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição à «ausência de justificação» para a exclusão contratual do «pagamento de qualquer contrapartida à A.» e a acusar o acórdão então recorrido de ter interpretado «de forma errónea as disposições legais constantes do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa». O que, como é bom de ver, não consubstancia a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, única suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade.

Justifica-se, por tudo o aduzido, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admitiu o recurso não é vinculativo para este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC)».

3. Inconformada com tal decisão, a recorrente reclamou para a Conferência, com os seguintes fundamentos:

«A., LDA,

Autora/Recorrente nos autos de processo comum em epígrafe, tendo sido notificada em 24/02/2023, da douta decisão sumária em referência, e não se podendo conformar com o teor da mesma, dela vem, ao abrigo do estatuído no artigo 78.º A, n.º 3, da LEI ORGÂNICA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

RECLAMAR

PARA A CONFERÊNCIA DO T.C.

O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1 A aqui expoente foi notificada da douta decisão sumária n.º 113/2023, a qual nos termos do n.º 1 do art. 78.º-A da LTC, decidiu “não conhecer do objeto do presente recurso”.

2. A Egrégia Srª. Juíza Conselheira relatora fundamenta a sua decisão, invocando, fundamentalmente, que, “quanto às normas referidas em a. e b. do ponto I do requerimento de interposição...

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