Acórdão nº 231/21.0T8SSB.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução18 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. Relatório A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) aplicou à sociedade denominada AA, S. A., com os sinais dos autos, a coima única de 9 000€, pela prática de duas contraordenações: a) pelo incumprimento dos requisitos gerais de higiene, cuja coima fixou em 8 5000€; e b) falta de documentos que evidenciam o cumprimento dos processos de controlo baseados nos princípios do HACCP, uma coima de 500€

    Inconformada com tal decisão a arguida impugnou judicialmente a decisão administrativa

    Recebidos os autos em juízo veio a ser proferida sentença, na qual se considerou que a decisão administrativa recorrida não continha factos relativos ao elemento subjetivo do tipo contraordenacional e também padecia de vício de falta de fundamentação, por ausência de indicação dos fundamentos factuais e jurídicos determinantes da fixação da coima, em consequência do que se declarou nula tal decisão

    A sentença que assim decidiu foi alvo de recurso por banda do Ministério Público, vindo este Tribunal da Relação de Évora a conceder provimento ao mesmo, revogando a sentença recorrida, determinando que se não verificavam os fundamentos da assinalada nulidade da decisão administrativa impugnada

    Baixaram os autos e veio a ser proferida nova sentença, cujo dipositivo é o seguinte: «decide-se conceder provimento ao recurso interposto por AA, S.A., declarando nula a decisão final condenatória proferida pela autoridade administrativa, a ASAE, e decide-se absolver a recorrente/arguida da prática das contraordenações (…)» Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso, rematando a respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença depositada no dia 23-05-2022, pelo Juízo de Competência Genérica de … – J…, do Tribunal da Comarca de …, que absolveu a arguida AA, S.A., por considerar que a decisão administrativa era nula; 2. Nula, porque, não continha a descrição do elemento subjetivo do tipo

  2. Não pode o Ministério Público concordar com tal decisão

  3. De facto, a decisão da Autoridade Administrativa explica de forma suficiente o elemento subjetivo do tipo, fazendo-o no ponto V daquela decisão

  4. É sabido que, no âmbito do Direito Contraordenacional, as decisões das Autoridades Administrativas não têm de apresentar o rigor de uma acusação criminal. Importa, isso sim, que contenha os elementos previstos no Artº. 58º, nº.1, do RGCO

  5. E a decisão em análise contém todos esses elementos

  6. Aliás, o próprio Tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão de 11-01-2022 (relator Edgar Valente), processo nº. 231/21.0T8SSB.E1, proferido no âmbito do presente processo, decidiu isso mesmo; 8. Ou seja, decidiu que a decisão da autoridade administrativa contém o elemento subjetivo, não obstante estar descrito, apenas, na determinação da medida da coima, ponto epigrafado “2. Da culpa do agente”; 9. Tendo, inclusive, referido que “É de um rigor excessivo (e sem qualquer justificação legal) afirmar um vício omissivo apenas porque determinado elemento da decisão condenatória em contraordenação não se encontra descrito no ponto da fundamentação de facto, sendo apenas descrito mais à frente num ponto posterior ao juízo subsuntivo.”; 10. Ou seja, esta situação já havia sido analisada e decidida, não podendo o Tribunal a quo vir lançar mão, novamente, do mesmo fundamento e fulminar de nulidade a decisão da Autoridade Administrativa; 11. Assim, tendo a Autoridade Administrativa incluído o elemento subjetivo do tipo na sua decisão, como o Tribunal da Relação de Évora já decidiu, então, não há lugar a nulidade; 12. Devendo o elemento subjetivo da contraordenação ser considerado como constante na decisão e dado como provado e, consequentemente, ser a arguida condenada; 13. Pelo exposto, deverá a douta sentença ser revogada e condenar-se a arguida pela prática de uma contraordenação, por incumprimento dos requisitos gerais de higiene, prevista no artigo 124.º, n.º 1, al. a) do RJACRS, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16.01. em conjugação com os artigos 3.º e 4.º, n.º 2 e Anexo II (Cap. I, V e IX), todos do Regulamento (CE) n.º 852/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril, e punível pela al. b) do n.º 2 do artigo 143.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 124º, ambos do referido diploma.» Admitido o recurso, a sociedade comercial arguida respondeu pugnando pela sua improcedência, aduzindo, em síntese (transcrição): «a) As alegações – e conclusões – do Recurso interposto pelo M.º P.º não beliscam o excerto decisório da decisão recorrida que decidiu anular a decisão administrativa da ASAE, com fundamento no facto de «nada se referindo quanto ao enquadramento jurídico concretamente aplicado, como devia a ASAE ter escrito no dispositivo», ou seja, «sem fazer qualquer alusão às disposições normativas que preveem as contraordenações em causa e a que punem a prática da recorrente pelas mesmas.», fundamento de anulação, pelo Tribunal a quo, da decisão administrativa, que aliás se reporta a ambas as contraordenações, b) Delimitado o respetivo objeto pelas suas conclusões, o recurso sub judicio está, assim, fatalmente vaticinado ao insucesso, na medida em que apenas ataca um dos fundamentos que levaram à anulação da decisão da ASAE e consequente absolvição da Arguida

    1. Por outro lado, ao contrário do que se pretende fazer valer nas alegações de Recurso apresentadas pelo M.ºP.º, a decisão recorrida não considerou a decisão da autoridade administrativa nula, por omissão da descrição dos factos integradores do elemento subjetivo, nem tal poderia ocorrer, atento o anterior Acórdão desta Relação, proferido nos presentes autos, seria «de um rigor excessivo (e sem qualquer justificação legal) afirmar um vício omissivo apenas porque determinado elemento não se encontra descrito no ponto da fundamentação de facto, sendo apenas descrito mais à frente num ponto posterior ao juízo subsuntivo», contando «que a “descrição dos factos imputados” (art.º 58.º, n.º 1, b) do RGCO) conste da decisão condenatória»

    2. Na realidade, o Tribunal a quo não anulou a decisão administrativa, tão só porque os factos relativos ao tipo subjetivo estejam erradamente “arrumados” nessa decisão na parte subsuntiva, mas sim – ao invés - considerou que «não está preenchido o respetivo elemento subjetivo», ou seja, o Tribunal a quo, considerou que não foram demonstrados os factos relativos ao tipo subjetivo, sendo consequentemente impossível imputá-los a título culposo

    3. Bem vistas as coisas, o Recurso interposto pelo M.º P.º é um recurso sobre a matéria de facto, e constituindo os presentes autos a natureza de contraordenação, não sendo possível o recurso da matéria de facto nos termos do art.º 412º nº 3 e 4 do CPC, tenta “fazer entrar pela janela o que não passa pela porta”

    4. Na verdade, em causa não está, apenas, a omissão de indicação de factos suscetíveis de enquadrar o tipo subjetivo da norma incriminadora, mas sim o facto de a decisão administrativa ter imputado a Contraordenação à Arguida a título doloso, sem para tanto dar como provado qualquer facto

    5. Sendo certo a menor a exigência de rigor formal das decisões da autoridade administrativa, em relação às decisões proferidas em processo penal, tal não justifica simplesmente obliterar toda e qualquer referência, nos factos provados, a tal elemento subjetivo, podendo tal acarretar, como consequência prático processual – como ocorreu – a inviabilização da prova desse elemento subjetivo

    6. É que, as infrações em causa foram imputadas, não a título de negligência, mas sim a título de dolo eventual, sem que da decisão administrativa conste, por...

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