Acórdão nº 1321/21.4T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROENÇA FERNANDES
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ...

I. Relatório.

AA, BB, CC, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra DD, pedindo a condenação desta a reconhecer que os autores são donos do imóvel descrito em 1.º da p.i, a abster-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade, e que a ré tem de o entregar devoluto de pessoas e coisas, e pagar indemnização de € 200,00/mês, por o estar a ocupar sem título, desde Dezembro de 2020 até à sua entrega.

Para tanto, e em síntese, alegaram que os 1ºs autores adquiriram a propriedade plena do prédio urbano que identificam por via de sucessão hereditária, por óbito do pai da 1ª autora mulher e que posteriormente doaram tal prédio ao 2º autor, reservando, porém, para eles, o usufruto.

Mais invocam a posse sobre o prédio, que caracterizam, e a aquisição por usucapião, bem como o registo a seu favor.

Finalmente alegam que a ré o ocupa sem título desde Dezembro de 2020, o que lhes causa prejuízo equivalente à privação do seu uso, em valor locativo de € 200,00/mês.

Devidamente citada, contestou a ré, invocando que ocupa o prédio legitimamente ao abrigo de contrato de arrendamento habitacional, pois que é filha de EE que faleceu em .../.../2020, à qual, há mais de sessenta anos, por acordo verbal com o então proprietário, foi cedido o uso e fruição do prédio, por tempo indeterminado, mediante o pagamento de uma renda mensal até ao dia 8 de cada mês, e com vista á sua habitação e da sua família.

À data da morte da mãe vivia com a mesma no prédio, onde vive desde que nasceu – .../.../1959- e onde tem organizada a sua vida.

Mais invoca que a 28.01.2021 deu conta do óbito e da intenção de manter o arrendamento por carta dirigida aos 1º autores, que desde Novembro 2020 se recusam receber a renda, sabendo do óbito e por isso não juntou com a carta a respectiva certidão.

Mais alega que é portadora de deficiência superior a 60%, encontrando-se reformada por invalidez, juntando informação clínica.

Entre a prova indicada, juntou documentos, indicou testemunhas e requereu perícia para prova do seu grau de deficiência, juntando quesitos.

Em 27.10.2021 foi proferido despacho onde, além do mais, se determinou a notificação “- os AA, a indicarem, querendo, questões e tomarem posição acerca da prova pericial requerida pela Ré (e na eventualidade de a mesma lhe ser deferida);”.

Quanto à matéria de excepção os autores não aceitam que a ré vivesse com a sua mãe desde que nasceu, bem como referem que na carta enviada a ré não se referiu a qualquer incapacidade e não a demonstrou através de Atestado de incapacidade, para além de não aceitarem que se verifique essa situação à data do óbito.

Invocaram ainda que o comprovativo da incapacidade se faz através de atestado médico de incapacidade multiusos emitido por uma junta médica, nos termos a que alude o D. L. 202/96, de 23 de Outubro, com as alterações introduzias pelo D. L. 174/97, de 19 de Julho, o que não sucede in casu; pelo que a prova pericial requerida é inócua para os efeitos pretendidos, pelo que deve ser indeferida.

Em 10/1/2022 foi proferido o seguinte despacho: “Exercidos os contraditórios, cabe já apreciar o seguinte quanto à questão da prova pericial: Como dão nota as AA, para efeitos de apreciação de incapacidade do beneficiário da transmissão de um arrendamento, releva o certificado de incapacidade multiusos, o qual é emitido por um colégio de peritos (junta médica) e observa formalidades e requisitos próprios.

A perícia pretendida pela Ré e visando confirmar o seu alegado grau de incapacidade não irá nem poderá substituir esse certificado.

Assim sendo, não se admite a mesma, por inócua aos autos.

Notifique.

Notifique-se a Ré para juntar o certificado de incapacidade multiusos e/ou os documentos que disponha sobre quanto ao mesmo para melhor instrução dos autos e em face do supra decidido quanto à pretendida perícia.” Nessa sequência a ré apresentou um requerimento onde refere que não obstante ter tentado não conseguiu a marcação de junta médica para o que requer ofício do Tribunal; pede ainda e por isso que seja mantida a prova pericial e que se ouça em julgamento o médico subscritor da informação clínica que juntou aos autos.

Entretanto junta aos autos Atestado Médico de Incapacidade Multiuso onde se conclui pela incapacidade de 60% reportada a Janeiro de 2021 (tendo o Atestado data de 31/1/2022).

E desiste das diligências de prova anteriormente requeridas.

Seguidamente, em audiência prévia, feito o saneamento, fixado o valor da causa em € 15.488,90 e delimitado o objecto do litígio, é proferida decisão que julgou parcialmente procedente a causa, e por via disso: “

  1. Reconhece-se que o 2.º Autor, CC, é dono, e os 1.ºs AA, AA e BB, são usufrutuários, do imóvel id. em 1.º da p.i.; b) Condena-se a Ré a restituir aos AA o imóvel id. em 1.º da p.i, livre de pessoas e bens; c) Condena-se a Ré a abster-se da prática de quaisquer atos que atentem contra os direitos reconhecidos em a); e d) Relega-se para após produção de prova o conhecimento do pedido formulado em d) da p.i. pelos AA.

    Mais condena-se a Ré no pagamento das custas que sejam devidas, em função do seu já verificado decaimento, que se fixa em 80% de toda a causa (art.º 527.º do CPC).

    Notifique, registe e d.n..” Foram identificados os temas da prova, mas posteriormente os autores desistiram do mais peticionado o que foi homologado por sentença.

    *Inconformada com aquela decisão, a ré interpôs recurso, na sequência do que veio a ser proferido Acórdão, com o seguinte dispositivo: “IV DISPOSITIVO.

    Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dar provimento à apelação e revogando a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por despacho que determine o prosseguimento dos autos visando o apuramento e julgamento de toda a matéria relevante e indispensável à decisão da causa, nomeadamente os factos mencionados.”.

    Volvidos os autos à 1ª instância, foi proferido a 15.09.2022 despacho a fixar os temas da prova, a admitir prova e a designar julgamento para o dia 25.10.2022.

    A 20.09.2022, veio a ré requerer o seguinte: “1. Foi a Ré notificada do douto despacho que designa dia e hora para audiência de julgamento.

    1. No mesmo despacho foram, nos termos do art.º 591.º do CPC, fixados os temas de prova a discutir na audiência de julgamento, como sendo: a. Tempo de vivência da Ré com a mãe, no prédio objeto do arrendamento; b. Data do começo da incapacidade de 60% atribuído à Ré.

    2. Ora, para prova do grau de incapacidade atribuído à Ré encontra-se já junto aos autos atestado multiuso com data de 31/01/2022, emitido por Junta Médica presidida pelo médico Sr. Dr. FF.

    3. Naquele mesmo atestado multiuso foi fixado em 60% o grau de incapacidade da Ré e declarado que a incapacidade se reporta à data de 01/2021.

    4. Pelas informações que obteve a R apurou que a data de começo da incapacidade foi reportada àquela data por ter sido essa a altura em que a Junta Médica foi requerida pela Ré.

    5. No entanto, a Ré não se conformando com tal declaração de início de incapacidade procurou o seu médico psiquiatra que após análise da situação emitiu a declaração médica onde, com verdade fez escrever, o seguinte e que aqui integralmente se transcreve.

      “Declaração Médica GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria e Coordenador da Unidade de Psiquiatria Forense, portador da cédula profissional ...98, vem por este modo declarar que acompanha em consulta da especialidade a Sra. DD, nascida a .../.../1959.

      O quadro clínico da doente carateriza-se por uma oscilação patológica do humor sem sintomatologia psicótica enquadrável numa grave Perturbação Afetiva com gravidade clínica e funcional que motiva e justifica o seu acompanhamento em consultas da especialidade.

      O início dos sintomas remonta ao início da idade adulta, altura em que teve o seu primeiro episódio depressivo com características major e iniciou a sua patologia afetiva de características ciclotímicas de cariz incapacitante. Tal tem motivado o acompanhamento em consulta da especialidade com instituição de esquemas medicamentosos e com períodos frequentes de crise com descompensação do seu quadro psicopatológico de base.

      Desde há cerca de uma década, o seu quadro, já grave de base, tem vindo, de forma lenta, mas progressiva, a agravar-se de forma significativa em termos de intensidade e frequência dos sintomas afetivos. Tal clínica é caracterizada por crises de angústia frequentes associadas a sintomatologia psicossomática, humor depressivo, sentimentos de menos-valia, descuramento dos autocuidados, isolamento social, sintomatologia obsessiva com ruminações deliroides, diminuição da capacidade de concentração e alteração do padrão de sono com clinofilia e queixas mnésicas. Tais queixas motivaram um estudo são congruentes com um défice cognitivo multidomínio.

      As consequências da experiência deste quadro têm sido devastadoras do ponto de vista psíquico, condicionando um padrão estável de experiência interna e de comportamento, inflexível e invasivo, com interferência numa variedade de situações pessoais e sociais.

      Na avaliação clínica e ao exame de estado mental é notória a parca funcionalidade da doente. Atualmente os seus diagnósticos psiquiátricos são Perturbação Neurocognitiva não especificada (DSM V 799.59) e Perturbação Depressiva Persistente (DSM V 300.4).

      Atualmente a doente encontra-se a fazer Sertralina 50 mg 2+1+0, Lorazepam 2,5 mg 0+0+1, Victan 2mg 1+1+0 e Socian 1+0+0 com vista à sua estabilização psicopatológica e diminuição da angústia.

      Considero que o seu quadro clínico, globalmente, configura uma perturbação importante, com assinalável afetação do nível de eficiência pessoal ou profissional desde há mais de uma década. Efetivamente, as suas rotinas diárias, o funcionamento ocupacional e vida social encontram-se bastante prejudicadas desde então e encontra-se já reformada por invalidez na sequência das...

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