Acórdão nº 1076/17.7T8CSCG.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

No âmbito de uma acção tutelar comum proposta, em 11-01-2018, por AA contra BB foi pedida a alteração do nome do menor CC, filho da requerente e do requerido, para “CC”, acrescentando-se os apelidos da linha materna.

Na sequência da invocação pelo requerido da excepção de incompetência material do tribunal para o conhecimento da acção, com o fundamento de que o nome fixado no assento de nascimento só pode ser modificado mediante autorização do Conservador dos Registos Centrais, nos termos do disposto no art. 104.º, n.º 1, do Código de Registo Civil, por despacho de 09-07-2018, transitado em julgado, foi julgada improcedente tal excepção, considerando-se que a referida disposição se aplica apenas quando a alteração do nome de um menor é requerida de comum acordo pelos pais, o que não sucede no caso dos autos.

Depois de realizada audiência de julgamento, a 1.ª instância proferiu sentença, em 29-05-2021, na qual se decidiu pela procedência da pretensão formulada pela progenitora, adicionando o apelido “DD” ao nome do menor, passando este a ter a seguinte constituição: “CC”.

Inconformado, o progenitor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 07-07-2022, foi julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a pretensão da requerente.

  1. Em 16-08-2022, a progenitora interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «A. A recorrida, ora recorrente, apresentou uma ação tutelar contra o recorrente, ora recorrido, requerendo a alternação do nome do menor CC, filho da recorrida e recorrente, para CC, de modo a incluir os apelidos maternos.

    1. Coloca-se, portanto, em causa o direito à identidade e dignidade pessoal e identidade genética que estão consagrados pelo artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa dos quais é corolário o direito ao nome, à historicidade pessoal, bem como, o reconhecimento genético.

    2. Pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2005, processo nº 1133/13.9PHMTS.P1 aborda-se a questão da historicidade pessoal que tutela que o direito a este é sobretudo o direito à descoberta dos progenitores, e a partir deles, dos avós e demais parentes e afins.

    3. Acolhida a ideia da historicidade pessoal, é do superior interesse do menor que exista uma ligação ao clã familiar da recorrente, em conformidade com o conceito de historicidade pessoal.

    4. Ainda que, a lei não determine um critério de escolha de apelidos, mantendo-se neutra quando à predominância de qualquer das linhagens, a verdade é que, também não proibiu a presença de ambas as linhagens no nome.

    5. A verificação de apenas a permanência do apelido paterno zela unicamente a vontade do pai, o que em nada atende ao interesse superior da criança, conforme factos dados como provados.

    6. A constituição do nome individualiza o próprio e a família a que pertence, tando materna como paterna.

    7. É doutrina e jurisprudencialmente aceite que o nome seja uma forma de identificação na comunidade e, por forma a zelar pelo interesse superior da criança em conhecer as suas origens históricas familiares e genéticas, é necessário garantir que o mesmo se identifique como parte tanto do clã materno como paterno.

      I. Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 22/04/2010, processo n.º3718/08.6TBBRR-A. L1-2 que ao apelido do menor, através da adição do apelido paterno, no presente caso, materno, facilita a integração e identificação da criança no clã materno.

    8. Também no mesmo Tribunal no Acórdão de 24/08/2021, processo n.º 864/18.TT8CSC-2 refere que é também do superior interesse da criança que os laços familiares entre esta e a sua família devem manter-se, salvo nos casos em que a família se mostre indigna, o que não é o caso.

    9. A questão deste vínculo familiar equivale a cortar uma criança das suas próprias raízes, neste caso, sem justificação, pelo que a ausência dos apelidos maternos e consequente quebra não vai de encontro ao interesse superior da criança.

      L. Por forma a aditar apelidos no nome do menor, em caso de acordo com os pais, deve recorrer-se aos termos do artigo 278.º e seguintes do Código do Registo Civil, no entanto, em caso de existência de desacordo entre os pais deve aplica-se o regime tutelar cível do artigo 3.º al. j) do RGPTC, o qual foi criado para o efeito.

    10. O tribunal a quo escusa-se na definição da palavra “determinação” expressa no artigo 3.º, al. j) do RGPTC, sendo um conceito aberto que tanto pode significar a alteração/adição do nome ou a determinação inicial do mesmo e não limita as opções dos progenitores.

    11. No regime português, quando no regime aplicável, não havendo acordo, a decisão é tomada através de uma providência tutelar cível, nos termos definidos pelo Regime Geral de Processo Tutelar Cível.

    12. Salvo melhor opinião, a interpretação concedida no Acórdão a quo do artigo 104.º n.º 1 do Código de Registo Civil, restringe os poderes do juiz e o acesso ao direito por parte dos progenitores que estão em desacordo numa questão fundamental para a vida do menor.

    13. Resultante do artigo 104.º, n.º 2, al. e), do Código do Registo Civil, é aceite a alteração resultante do exercício dos direitos previstos no artigo 1876.º do CC, que por sua vez é a atribuição dos apelidos da mãe.

    14. Se é possível acrescentar os apelidos do marido da mãe, por maioria de razão, também é possível acrescentar os da mãe em si, por intermédio da interpretação extensiva do artigo 1876.º do CC.

    15. Mais, também é possível a adição de apelidos com fundamento na al. a) e c), n.º 2, artigo 104.º do Código de Registo Civil, pela verificação de filiação.

    16. Por força da coação do pai, a decisão final do nome não incluía os apelidos da mãe, conforme consta dos factos dados como provados.

    17. Por lei não é exigível a existência dos apelidos maternos e paternos simultaneamente, mas é do superior interesse da criança a existência de uma relação e identificação genética, histórica, pessoal e social do menor com a linhagem materna, e tal só é possível através dos apelidos da mãe, por forma a fortalecer os laços familiares.

    18. Assim, a identificação e ligação de pertença com a linhagem materna é fortalecida através da adição aos apelidos da recorrente, sendo essencial ao menor o reconhecimento e identificação como membro pertencente do clã materno, aceitando que aqueles também são seus parentes.

      V. Sendo o menor português e residente em Portugal, e atendendo à cultura portuguesa, em que o nome da criança é constituído pelo nome do pai e da mãe, a adição dos apelidos maternos é uma questão de identidade pessoal e pertença dentro da família da recorrente.

    19. Para a aplicação das providências tutelares cíveis deve atender-se aos princípios orientadores expressos no artigo 4.º RGPTC, os quais têm como fim a proteção dos jovens e crianças.

      X. O princípio base orientador é o superior interesse da criança, nomeadamente deve atender-se à continuidade de relações de afeto e qualidade significativas do menor.

    20. Por o interesse superior da criança, ainda que seja um conceito indeterminado, entende-se “o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”, conforme perfilha Almiro Rodrigues in “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude n.º 1.

    21. É deste modo um conceito vasto, de forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade.

      AA. Este superior interesse só será respeitado quando exista a salvaguarda efetiva dos direitos entre os quais se insere o direito à ligação familiar e filial com a linhagem da mãe, o que é uma relação afetiva a preservar.

      BB. As providências devem ser necessárias e adequadas à situação da criança no momento da decisão, apenas interferindo na vida desta e na família mediante o necessário.

      CC. Facto é que a mãe, ora recorrente, se encontrava extremamente debilitada emocional, física, económica e socialmente perante o pai, o que a impediu de discutir com mais veemência a inclusão dos apelidos “DD” no nome do filho, conforme factos dados como provados.

      DD. O menor em questão tem uma irmã uterina, e restante família materna com a quem mantém uma relação histórica, genética, emocional e social que seria fortalecida com o acrescento dos apelidos maternos em causa.

      EE. No momento da separação, a recorrente pediu ao recorrido para alterar o nome de CC por forma a incluir os nomes “DD”, pedido a que o pai sempre se opôs, conforme factos dados como provados.

      FF. O Tribunal da 1ª instância considerou, e bem, que seria ao abrigo do princípio da proporcionalidade necessário e adequado colmatar esta insistência do pai, ora recorrido, através da adição dos apelidos da mãe ao nome do menor.

      GG. Como o Prof. Dr. Jorge Duarte Pinheiro dispõe, e com base no artigo 1796.º CC distingue-se o estabelecimento da filiação quanto à mãe e quanto ao pai, sendo a filiação materna resultante do nascimento, o qual se estabelece nos artigos 1803.º a 1825.º CC.

      HH. Em contrapartida, o n.º 2 do artigo 1796.º CC, dispõe que a paternidade se presume em relação ao marido da mãe e nos casos de filiação fora do casamento é estabelecida por reconhecimento.

      II. Sucede, pois, que o presumido pai, que não era casado com a recorrente que apenas vivia no regime de União de Facto, tem o seu apelido no nome da criança, e a mãe, ora recorrente, cuja filiação resulta do nascimento, não tem o seu apelido no nome da criança.

      JJ. Verifica-se assim, uma inexistência paradoxal de igualdade de direitos.

      KK. A mãe, ora recorrente, vê-se inibida de exercer o seu direito, não porque a lei restringe, mas porque o recorrido assim o deseja.

      LL. É do superior interesse da criança, e necessária, estabelecer a ligação com a mãe de gestação e nascimento, bem como, com a família materna.

      MM. Por se verificar uma relação de filiação com o filho CC e o recorrido, os deveres paternofiliais incluem as categorias de...

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