Acórdão nº 4017/20.0T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Autor: AA Ré: Generali Seguros, S.A.

Interveniente acessório: BB * I – Relatório O Autor intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Seguradoras Unidas, SA., agora denominada Generali Seguros, SA, pedindo a condenação da mesma no pagamento da quantia de € 51.782,85, relegando para posterior liquidação a indemnização que resultar da IPP que lhe venha a ser fixada, tudo acrescido dos juros legais a contar da citação.

Alegou para tanto e em síntese o seguinte: - CC, acusando o Autor de se ter introduzido em sua casa, perseguiu-o, conduzindo a sua viatura automóvel segura na Ré e, ao avistar o Autor, desviou a trajetória da viatura que conduzia, invadindo totalmente a faixa de rodagem contrária, indo embater com a frente esquerda do veículo no corpo do Autor, que ficou caído na valeta, com os membros inferiores fraturados e ferimentos na cabeça.

- O Autor foi transportado para o Hospital ..., onde foi sujeito a intervenção cirúrgica, tendo tido alta alguns dias depois.

- Durante o período que aguardou a chegada da ambulância, o referido CC puxou-lhe as pernas e pontapeou-o.

- O Autor tinha celebrado um contrato de trabalho a termo que não foi renovado em virtude do acidente, pelo que reclama a quantia que indica a título de perdas salariais.

- As roupas e calçado que trazia consigo ficaram rasgadas e inutilizadas, teve despesas em transportes e no aluguer de cama articulada e em medicamentos.

A Ré contestou, por exceção, invocando a incompetência em razão da matéria dos tribunais cíveis e, por impugnação, dizendo, em síntese, o seguinte: - CC recebeu um telefonema da esposa, informando-o que se encontrava alguém desconhecido na sua habitação; - CC deslocou-se para aí, tendo encontrado um desconhecido que se veio a revelar ser o Autor, que fugiu; - CC utilizou a sua viatura automóvel de forma a alcançar o Autor; - Este ao sentir a aproximação da viatura, tentou fugir, tendo, para esse efeito, atravessado a rua na qual circulava, da esquerda para a direita, tendo ocorrido o embate devido a este comportamento súbito e repentino do Autor; - CC não conseguiu evitar o embate entre o veículo e o Autor; - Mesmo que se prove o atropelamento doloso do Autor, a Ré não está obrigada a indemnizar eventos nos quais a utilização de um veículo é manifestamente instrumental à atuação do agente, sendo aquele o único responsável.

A Ré requereu a intervenção acessória provocada de CC, que foi admitida.

CC apresentou contestação, dizendo, em síntese, o seguinte: - o embate ocorrido entre o Autor e o veículo por si conduzido enquadra-se na noção de acidente de viação; - o evento dá-se após uma mudança repentina do sentido de circulação do Autor, que ia a correr do lado esquerdo e, repentinamente, virou para o lado direito, tentando fugir para um monte que se encontrava do lado contrário àquele em que circulava, acabando por embater na viatura conduzida pelo Interveniente; - não utilizou a viatura para atropelar o Autor e causar-lhe dano, mas, com a intenção de recuperar os objetos que lhe tinham sido furtados, foi atrás do Autor de carro, porque estava a recuperar de uma cirurgia, estando com a mobilidade limitada, não podendo correr.

No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção da incompetência em razão da matéria.

O Autor requereu a ampliação do pedido, pedindo que se acrescente ao pedido já formulado a quantia de € 28.448,00 a título de perdas futuras.

Alegou, para tanto, que o relatório pericial fixou ao Autor um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%, o que gera uma perda de rendimentos que terão de ser indemnizados, tendo em consideração o salário base que auferia, a idade do A. à data do acidente e a esperança média de vida para os homens.

Foi admitida esta ampliação do pedido.

Realizou-se o julgamento, tendo vindo a ser proferida sentença que decidiu: Condeno a Ré, “Seguradoras Unidas, S.A.”, a pagar ao Autor, AA, a quantia de 352,85 Euros, a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença e vincendos até integral pagamento, sobre o capital de € 30.352,00, à taxa legal de 4%.

O Autor e o Interveniente Acessório interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação que, por acórdão proferido em 06.10.2022, decidiu julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo A. e pelo interveniente acessório e em consequência: - revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar a quantia de € 160,00, substituindo-a nessa parte pela absolvição da Ré desse pedido; - alterar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar juros de mora sobre a quantia de € 192,85 a contar da sentença, substituindo-a nessa parte pela condenação da Ré a pagar ao A. juros de mora sobre a referida quantia, à taxa de 4%, a contar da citação (08/09/2020) até à presente data e desde a presente data até integral pagamento à taxa dos juros civis que vigorar; - alterar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré seguradora a pagar a quantia de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais substituindo-a nesta parte pela condenação da Ré a pagar ao A.: i) a título de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros de mora à taxa dos juros civis que vigorar, a contar da data do presente Acórdão até integral pagamento; ii) a título de danos morais a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros de mora à taxa dos juros civis que vigorar, a contar da data do presente Acórdão até integral pagamento.

Desta decisão recorreu o Interveniente Acessório para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: (...) Em primeiro lugar 13. A impugnação da produção de um novo meio de prova - utilização da ferramenta google maps street view – pelo Acórdão recorrido, pois considera que o dito meio de prova viola as normas materiais contempladas nos artigos 3.º n.º 3 e 415.º (princípio do contraditório), 4.º (principio da igualdade entre as partes), 410.º (princípio do dispositivo), 411.º (princípio do inquisitório), 412.º, 413.º (princípio da aquisição processual) e 620.º (princípio da intangibilidade do caso julgado), todos do CPC, e ainda, os artigos 2.º, 20.º n.º 1 e 4, e 282.º n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa. Pelo que deve ser declarado ilegal a utilização daquele meio de prova.

  1. Sob este enfoque importa referir que o Acórdão Recorrido entendeu que não existia prova documental junta aos autos que permitisse elucidar o Tribunal quanto à dinâmica do acidente: “De referir que a prova documental em nada nos elucida quanto à dinâmica do embate em causa nos autos, sendo certo que a reconstituição efectuada pela Polícia Judiciária, junta aos autos pelo A. não pode ser utilizada como prova, pois não foi produzida num processo com audiência contraditória das aqui contrapartes (art.º 421.º do CPC)” (pág. 66 ).

  2. Na mesma senda, da prova testemunhal carreada para os autos, o Tribunal recorrido concluiu que não existiram testemunhas oculares do acidente: Testemunha DD: “não viu o atropelamento” (pág. 55); Testemunha EE: “o que aconteceu antes de estar no chão não sabe” (ou seja, chegou após o acidente) (pág. 55); Testemunha FF: “ia a descer a rua, viu um rapaz deitado no chão, encostado a um muro, estava muita gente e um carro do outro lado da estrada” (pá. 56); Testemunha Paulo GG, militar da GNR: “quando chegaram ao local o veículo interveniente no embate já estava parado do lado direito” (pág. 57); Testemunha HH, militar da GNR: “não sabe como ocorreu o embate” (pág. 58); 16. Assim, como que se substituindo às partes, mormente ao Autor, e sem juntar qualquer documento ou imagem que comprove o que é referido no dito Acórdão, não fazendo sequer menção à data em que efetuou a consulta do google maps, deu como provados factos relativos à dinâmica do acidente com base nesse meio de prova, nomeadamente: i) a seguir á casa do interveniente acessório, a estrada tem uma curva acentuada à direita e a seguir desenvolve-se em sucessivas curvas ligeiras á esquerda; ii) a mesma não tem qualquer demarcação no pavimento; iii) no final a mesma existe, do lado esquerdo, um posto de transformação de electricidade, apelidado, ao longo do julgamento, de “cabine” ou “poste de transformação”, cuja parte frontal já se situa na zona em que a rua “afunila” para o lado esquerdo, como que deixando de ter lado direito, passando, a partir daí, a ser uma rua estreita; iv) a casa antes desse posto transformação tem o n.º 218; v) em frente ao posto de transformação, ou seja, do lado direito da estrada, existe um declive e um terreno vedado com rede e um portão” (pág. 66) (negrito e sublinhado nossos).

  3. Ora, como é consabido, a aplicação google maps vai sendo frequentemente atualizada e nada nos garante que o que o Tribunal Recorrido viu na data em que consultou aquela funcionalidade correspondia precisamente às imagens da data do acidente, até porque, conforme informação que consta nos autos, o local do acidente, desde a data sua ocorrência, já sofreu obras – cfr. fotografias juntas aos autos pelo Recorrente por requerimento datado de 24.11.2022, com a referência ...79.

  4. Ao proceder dessa forma o Acórdão recorrido violou o princípio do inquisitório previsto no artigo 411.º do CPC. Porquanto, apesar de ser poder-dever de o juiz proceder à realização de diligências probatórias que importem a justa composição do litígio, cumprindo-lhe exercitar a inquisitoriedade, este não poderia deixar de preservar o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.

  5. De igual modo, violou o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º n.º 3 e 415.º do CPC, constituindo a produção daquele meio de prova uma “decisão surpresa” para o Recorrente, porquanto este não foi chamado a pronunciar-se sobre o mesmo.

  6. Ora, o Princípio do...

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