Acórdão nº 2622/18.4T8CSC.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Objecto da Acção A “Herança Indivisa Aberta por óbito de AA” e a “Fundação Arcângela Teixeira Marques Couceiro” intentaram a presente acção, com processo de declaração e forma comum, contra BB, CC, DD, requerendo ainda a intervenção principal de EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN e OO.

Alegaram que AA faleceu em .../.../2005, sendo então herdeiro de PP, sua mãe, conjuntamente com o seu pai, QQ, e seu irmão BB, 1º Réu.

Por sua vez, QQ, falecido em 2003, deixou como únicos herdeiros os seus dois filhos (AA e BB).

Em testamento, PP deixou a quota disponível dos seus bens aos 2º e 3ª R.R.

AA não deixou herdeiros legitimários e, por um lado, instituiu legatários do usufruto de todos os seus bens, maxime de património financeiro e prédios urbanos, a 1ª chamada e do usufruto de todos os demais bens imóveis rústicos os ora 1º R. e os 1º a 11º chamados.

AA instituiu herdeira do remanescente da herança, uma “obra de assistência”, que é a 2ª Autora.

Sucede que em data anterior a ... de Abril de 2002, PP e seu marido QQ formaram a vontade de dispor de certos e determinados imóveis a eles pertencentes, exclusivamente, a favor dos seus dois únicos filhos, o ora 1º R. BB e o falecido AA.

Assim, por instrumento de procuração, PP nomeou seus procuradores AA “e/ou” BB, ora 1º R., tendo-lhes conferido “os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos…” os imóveis ali discriminados de que era exclusiva proprietária.

Naquele mesmo dia ... de Abril de 2002, PP e QQ nomearam igualmente seus procuradores AA e BB tendo-lhes conferido os poderes necessários para doar a eles mandatários, o prédio rústico aí descrito e uma quota na sociedade “S..., Lda”, de que era titular exclusivo o mandante.

Na partilha realizada no dia ... de Dezembro de 2002 entre o 1º R. BB, sua mulher RR, como “outorgante”, o falecido AA e o pai de ambos, QQ – este representado pelos seus dois filhos – todos os bens imóveis deixados por PP identificados na procuração de ... de Abril de 2002, ficaram adjudicados em “comum e partes iguais” aos filhos BB e AA. Em simultâneo com a outorga da escritura de partilha, a quota parte do direito de propriedade sobre o imóvel que pertenceu a QQ, veio a ser doada ao R. BB e ao falecido AA, em comum e partes iguais.

Pese embora tenha corrido o processo n.º 123/06...., as questões da validade da escritura de partilha realizada no dia ... de Dezembro de 2002, por conversão do negócio, e da revogação ou caducidade do testamento de ... de Julho de 1979, na parte que se refere expressa e concretamente aos imóveis identificados na procuração junta sob o nº 14, e só quanto a esses, mantêm-se em aberto e, na falta de consenso entre as partes, impõe-se que este seja dirimido.

Assim, sempre por via da conversão nos precisos termos previstos no artº 293º da Cód. Civil, a procuração emitida por PP, em ... de Abril de 2002, vale como revogação parcial do testamento outorgado em ... de Julho de 1979, como a escritura de partilha realizada no dia ... de Dezembro de 2002 vale como doação ao 1º R. e ao falecido AA dos imóveis identificados na referida procuração, e só quanto a estes.

Concluiu, peticionando: a) – Declarar-se a validade e eficácia da procuração emitida em ... de Abril de 2002 por PP, por conversão, como disposição de última vontade desta, revogatória, ou determinante da caducidade, da parte do testamento de ... de Julho de 1979 com ela incompatível; b) – Declarar-se a validade e eficácia da escritura de partilha outorgada em ... de Dezembro de 2002, por conversão, como doação de PP ao 1º R. e ao falecido AA dos bens imóveis identificados na procuração de ... de Abril de 2002; c) – Condenar-se os R.R. a reconhecerem a validade e a eficácia da procuração de ... de Abril de 2002 e da escritura de ... de Dezembro de 2002, por conversão, nos precisos termos referidos nas alíneas antecedentes, assim se respeitando a vontade de PP; d) - Ordenar-se o cancelamento de todos os registos relativos aos imóveis identificados supra em 25º, bem como na procuração emitida por PP em ... de Abril de 2002 que se mostrem efectuados depois de 17 de Junho de 2002.

BB contestou, invocando ser parte ilegítima na presente acção, dado não ter interesse directo em contradizer, porque da procedência da acção não lhe advém qualquer prejuízo.

Invocou ainda a excepção do caso julgado, por entender que a acção que correu termos com o n.º 123/06.... já decidiu sobre as questões essenciais agora em apreço, sendo a presente acção uma tentativa de reverter os efeitos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aí proferido. Pede assim, que se considere verificada a excepção do caso julgado, e em consequência, seja absolvido o Réu da instância.

Considera em causa o efeito preclusivo do caso julgado ou a preclusão da invocação de meios de defesa não apresentados pela aqui Autoras na primeira acção, em que foram demandadas como Rés. Assim, a autoridade do caso julgado impede o conhecimento do mérito desta acção, porquanto a anterior decisão judicial que com força de caso julgado recaiu sobre esta mesma relação material teria que ser contraditada e revertida no caso de uma decisão de procedência da presente acção. Mais se encontra precludida a possibilidade de as Autoras virem deduzir em novo processo qualquer fundamento novo contra a definição dada pela decisão judicial definitiva anterior à relação jurídica em causa. Requereu a respectiva absolvição da instância.

Invocou ainda, a ilegitimidade processual dos Autores, por preterição de litisconsórcio activo necessário - sendo pedida a conversão de um contrato de partilhas numa doação, têm que estar na acção todos os herdeiros, mormente o Réu contestante, que figura no contrato de partilha como adquirente.

Defende-se finalmente por impugnação, alegando ter ficado provado que, aquando da outorga da escritura de partilha, nenhum dos outorgantes tinha conhecimento do testamento de 1979. É falso que o ora Réu e o seu irmão tivesse pretendido dar execução à procuração, com a outorga da escritura de partilha.

Por último, peticiona a condenação das AA. em multa e indemnização, como litigantes de má fé.

DD e CC alegaram que a presente acção pretende a conversão de um negócio declarado ineficaz por decisão transitada em julgado, com o intuito de conseguir o contrário do decidido nesse processo. Alegaram a ilegitimidade dos chamados para intervir através do incidente da intervenção provocada, dado que a Fundação Arcângela Teixeira Marques Couceiro é a única e universal herdeira de AA, sendo que os legatários instituídos no testamento de AA não são a parte directamente interessada na presente acção.

O direito invocado mostra-se precludido, posto que a questão da conversão não foi oportunamente suscitada, não o podendo ser agora, verificando-se excepção de caso julgado, atento o já decidido pelo STJ no âmbito do processo n.º 123/06.....

Igualmente se defenderam por impugnação e pediram a condenação das Autoras como litigantes de má fé.

As Autoras invocaram a improcedência da peticionada condenação por via da má fé processual.

Os chamados vieram aos autos declarar que fazem seus os articulados apresentados pelas Autoras às quais se associam.

Por despacho judicial de 17/12/2020, o Tribunal decidiu julgar improcedente a excepção de ilegitimidade dos chamados e procedente a excepção de ilegitimidade passiva quanto ao Réu BB.

Todavia, as Autoras requereram a intervenção principal de BB, como seu associado, intervenção que foi deferida.

BB apresentou articulado próprio, nos termos do qual invocou a excepção de caso julgado, o efeito preclusivo do caso julgado e a ilegitimidade substantiva ou material dos autores, pugnando pela improcedência da acção e pela condenação das Autoras como litigantes de má fé.

FF e outros, por um lado, e a Autora Fundação Arcângela Teixeira Marques Couceiro, por outro lado, pugnaram pela improcedência das questões suscitadas pelo interveniente.

As Decisões Judiciais Em 23.06.2021, foi proferida decisão final em 1.ª instância, na qual se decidiu julgar procedente, por provada, a excepção de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolver os Réus da instância, mais se julgando improcedente o pedido de condenação das Autoras como litigantes de má fé.

De tal decisão recorreram de apelação quer a 2.ª Autora Fundação, quer os intervenientes FF e outros.

A Relação decidiu, no acórdão recorrido, julgar improcedentes as apelações e, por verificação da excepção dilatória do caso julgado, confirmar a decisão recorrida de absolvição dos RR. da instância.

Inconformada, a Autora Fundação Arcângela Teixeira Marques Couceiro recorreu agora de revista excepcional, admitida pela Formação deste Supremo Tribunal de Justiça, prevista no art.º 672.º n.º 3 do CPCiv, e ao abrigo da norma do art.º 672.º n.º2 al.a) do CPCiv, para o que aquela Fundação formulou as seguintes conclusões: 1º- O recurso de revista normal do douto acórdão da Relação de ... é admissível, por isso que, sendo a sua fundamentação essencialmente diferente da douta sentença da 1ª instância, não se verifica a “dupla conforme”; 2º - Caso se entenda que se verifica a “dupla conforme”, deve ser admitida a revista excepcional, por isso que a questão suscitada nos presentes autos (conversão de negócios jurídicos que não foi objecto de apreciação e decisão em acção anterior) é complexa e de difícil resolução no contexto actual, assumindo a sua apreciação uma relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito. Art. 672º, nº1, al. a) CPC; 3º - Entre a presente acção e a acção que correu termos pelo Tribunal Judicial ... não se...

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