Acórdão nº 19096/19.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Autores: AA BB Rés: Associação Humanidades CC DD EE FF Interveniente principal: Seguradoras Unidas, S.A.

* I – Relatório Os Autores propuseram uma ação declarativa, sob a forma comum, pedindo a condenação solidária das Rés a pagarem-lhes, após ampliação deduzida e admitida na audiência de julgamento, as seguintes quantias: - € 30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo filho dos AA., GG; - € 80.000,00, a título de indemnização pelo dano morte sofrido pelo mesmo GG; - € 30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos e futuros da Autora, AA; - € 30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos e futuros do Autor BB; - juros legais, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegam, para tanto e, em síntese, o seguinte: - que são os progenitores de GG, nascido em .../.../2015, o qual em 26.09.2016 frequentava o estabelecimento de creche dirigido pela 1.ª Ré, sito no Parque da Saúde em ..., destinado a crianças entre os 4 meses e os três anos de idade; - que em 26.9.2016 e na referida creche, a 2.ª Ré, CC, era educadora daquele filho dos Autores, e a 3.ª Ré, DD, era auxiliar de educadora de infância na mesma sala, exercendo a 4.ª Ré, EE, as funções de coordenadora e responsável da indicada creche e a 5.ª Ré, FF, as de vice-presidente do conselho de administração da 1ª Ré, encarregue dos assuntos de administração e gestão do estabelecimento, superior hierárquica das 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés.

- que na referida data de 26.9.2016, e não mais tarde que as 10h10m, o referido GG engasgou-se com um pedaço de banana que lhe estava a ser dado durante o lanche da manhã, quando se encontrava apenas na companhia de outras cinco crianças da mesma sala e da 3.ª Ré, tendo-lhe esta, e depois a 2.ª Ré, aplicado manobras de socorro insuficientes e sem qualquer sucesso, em lugar de solicitarem auxílio médico, pelo menos ao fim do primeiro minuto daquelas manobras, como seria mister, havendo, aliás, profissionais de saúde nas imediações (a creche situa-se no Parque da Saúde de ..., antes conhecido por Hospital 1), retardando assim a adoção de procedimentos adequados a preservar a sua saúde e a própria vida; - que a 4.ª Ré apenas pelas 10h22m01s estabeleceu contacto telefónico com o INEM e que só pelas 10h24m começou a praticar manobras de suporte básico de vida, segundo as instruções que lhe eram transmitidas pelo atendedor do INEM, as quais se destinavam a manter a função cardíaca da criança e não a restabelecer a função respiratória, o que só ocorreu com a chegada da equipa do INEM, pelas 10h32m, que procedeu à desobstrução das vias aéreas e, depois, à reanimação do menor GG; - que o filho dos Autores foi encaminhado para o hospital 2, onde recebeu os tratamentos médicos adequados à sua situação clínica, mas veio a falecer no dia 28.9.2016, sendo a causa da morte encefalopatia hipóxica-isquémica, na sequência de asfixia por obstrução intrínseca das vias aéreas - engasgamento com banana.

- que o processo causal adequado que levou à morte do seu filho é imputável às Rés que não agiram com a diligência devida naquelas circunstâncias, quer porque as crianças foram deixadas, durante a refeição, apenas sob a vigilância de uma pessoa, quer porque prolongaram inutilmente as manobras de socorro, desadequadas, sem recorrer, de forma pronta, ao INEM ou ao apoio médico existente nas imediações.

Contestaram as Rés, impugnando a factualidade alegada e sustentando que tudo fizeram para socorrer o filho dos Autores, de acordo com as capacidades e conhecimentos que lhes eram exigíveis, e que agiram com a prontidão devida, pelo que não existe nexo de causalidade entre a atuação das Rés e a morte do menor GG.

Requereram a intervenção principal provocada de Seguradoras Unidas, S.A., para quem a 1.ª Ré havia transferido a responsabilidade pelos acidentes ocorridos no exercício da respetiva atividade.

Concluíram pela improcedência da causa.

Admitida a intervenção, contestou a chamada, impugnando a factualidade alegada, mais defendendo que, sendo o capital seguro de € 25.000,00, a cobertura do dano morte é de € 1.000,00, por pessoa segura.

Mais alegou que, sendo o evento puramente acidental e não se demonstrando a responsabilidade da 1ª Ré e do seu corpo docente, de empregados e outras pessoas ao seu serviço, na sua produção, nenhuma outra quantia é devida pela Seguradora, além do pagamento dos referidos € 1.000,00.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, em 06.8.2021, proferida sentença nos seguintes termos: (...) julgo parcialmente procedente a presente ação e, em consequência: A - absolvo as Rés "Associação Humanidades", CC, DD, EE e FF, do pedido de condenação solidária no pagamento aos Autores das quantias de € 30.000,00, € 80.000,00, € 30.000,00 e € 30000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor GG e pelos Autores; B - condeno a interveniente "Generalis Seguros, S.A." no pagamento aos Autores da quantia de € 1.000,00, acrescida de juros legais de mora, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Os Autores interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação, tendo sido proferido acórdão que julgou improcedente a apelação, tendo confirmado a sentença recorrida.

Os Autores interpuseram recurso de revista normal e, subsidiariamente, recurso de revista excecional.

O recurso de revista normal não foi admitido, tendo sido, contudo, admitido o recurso de revista excecional.

Os Autores concluíram as suas alegações do seguinte modo: (...) c. quando uma actividade (categoria) implica múltiplas sub-actividades, (espécies) momentos, acções (sub-espécies), como é o caso da actividade de infantário, ou creche ou jardim de infância até aos 3 anos de idade, mesmo entendendo que nem todas as sub-actividades se podem qualificar de perigosas, seguramente que o são, pelos menos, aquelas que consistem em proporcionar refeições ou brincar com objectos pequenos pois que segundo o INEM, ciência e os dados estatísticos, a maioria das situações de Obstrução de Via Aérea nas crianças ocorre durante a alimentação ou quando as crianças estão a brincar com objectos de pequena dimensão; d. se uma actividade considerada na sua generalidade implica diversos actos, aportando distintos riscos, a perigosidade deve se determinada na análise atomística das sub-actividades que implica sob pena de se essa qualificação não resultar de uma verdadeira análise concreta, pelo que apenas é possível bem aplicar a lei (artigo 493/2 do CC) “descendo, na árvore taxonómica, à sub-espécie mais cerca da concreta (sub)actividade a que se imputa ou se relaciona, especialmente, com uma perigosidade suscetível de causar dano a outRém; e. o grau de concretude da actividade a que é necessário descer para aquilatar da sua (não)perigosidade há-de ser, necessariamente, aquele conjunto de sub-actividades ou tarefas levadas a cabo e/ou necessárias levar a cabo nas idênticas circunstâncias em que ocorreu o dano, pois é nesse confronto que se pode avaliar a perigosidade da actividade no decurso da qual esse dano se verificou; por outro lado, essa possível perigosidade há-de coincidir, também, com um maior número de ocorrências danosas, estatisticamente conhecido; f) as elevadas exigências de vigilância impostas a quem exerce actividade creches de menores de 3 anos e a quem nelas presta actividade com e junto dessas crianças são, precisamente, porque essas actividades encerram um acréscimo de perigo e de perigo grave, ergo, devem ser qualificadas como perigosas; g. decorrente desta qualificação - que este Venerando Tribunal ad quem deve consagrar in casu - incumbia e incumbe à 1.ª R. e demais R.R. alegar e provar que empregaram todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos causados a outrem - ao GG e seus progenitores ora revidentes - no exercício de uma actividade perigosa, ónus esses que não preencheram, como se determina no art. 493/2 do C.C., pelo que, à míngua da prova de tais factos, determina o direito invocado que as R.R. respondam solidariamente pelos danos decorrentes da sua conduta omissiva do preenchimento de tal ónus e cuja reparação é peticionada; h. também por via da aplicação do art. 491 do C.C. - que estabelece uma presunção de culpa das pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras e apurando-se que um incapaz sujeito a tal obrigação sofreu danos, cabe à pessoa obrigada à vigilância o ónus de demonstrar que não houve omissão daquele dever ou que, mesmo que cumprido, os danos se teriam igualmente verificado - se alcança a mesma conclusão, a saber, um especialmente elevado grau de exigência do cumprimento do dever de vigilância sobre menor de idade, com cerca de 18 meses, por modo a, em última linha, prevenir as consequências de um engasgamento com um pedaço de banana; i. em resultado da singela audição cronometrada da gravação da chamada telefónica da 4.ª R. com o INEM (doc. 4 da p.i.) deve ser alterado o julgamento do facto 36 e do facto não provado da alínea i), naquele se consignando que quando o INEM atendeu… o GG …não estava a receber manobras de suporte básico de vida e quanto a este se deve passar a julgar provado que apenas às 10h:24’:18’’ a R. Iniciou manobras de suporte básico de vida ao menor GG; j. o julgamento dos factos contidos nas sub-epigrafadas alíneas k), l) e n), deve, perante a adequada ponderação e valoração do depoimento da enfermeira HH (a 0:39’’ e de 4’:29’’ a 4’:40’’) ser alterado no sentido de ser julgado provado que entre as 10h e as 10:30h, de 26/9/2016 encontravam-se pelo menos um ou dois médicos e outros tantos enfermeiros, no Parque da Saúde e particularmente, no Centro ..., no Centro de Saúde ...; k. o facto 63 enuncia as consignas (algoritmos) a observar num caso de obstrução de vias aéreas (v.g. engasgamento) dele decorrendo que a primeira e mais importante instrução consiste pedir o auxílio de profissionais de...

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