Acórdão nº 4280/21.0T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução03 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo: 4280/21.0T8VIS.C1.S1 ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório MGL 2, Transportes Lda.

, com sede em Quinta ..., ..., instaurou ação declarativa comum contra Companhia de Seguros Allianz Portugal SA, com sede em ..., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a “quantia de € 52.011,19 €, relativa ao capital seguro, acrescida dos juros calculados à taxa legal desde 12.08.2020, que até à presente data se contabilizam em 2 445,28 € e os que se vencerem até efetivo e total pagamento, bem pela privação do uso do veiculo, uma indemnização correspondente à verba diária de 149,33 €, desde o dia 12.08.2020 até à data em que se tiver verificado a efetiva entrega a A. da indemnização devida e que até hoje se contabiliza em 63.913,24 €, acrescida dos juros à taxa legal desde a citação, até efetivo e total pagamento”.

Alegou que é dona do veículo automóvel, trator pesado, de marca Renault, com a matrícula ..-QG-.., tendo celebrado com a Ré, com respeito a tal veículo, contrato seguro que, para além das coberturas obrigatórias, previa coberturas facultativas relativas a danos próprios, designadamente, choque, colisão ou capotagem, com o capital seguro de 55.000,00 € (tendo sido estipulado a franquia de 1.100,01 €); sucedendo que, no dia 11/08/2020, pelas 14,45 horas, ao KM ... do A 8, em ..., quando o referido veículo ..-QG-.. era conduzido pelo motorista da A. AA, teve um acidente e ficou destruído.

Mais alegou que participou tal sinistro à R., que apurou não se mostrar aconselhável a sua reparação e lhe propôs, a título de indemnização, o valor de 10.852,00 € (correspondente ao valor de 13.000,00 € atribuído ao veículo, deduzido do valor do salvado de 1.888,00€ e do valor da franquia); proposta esta que a A. não aceitou, pretendendo e aqui reclamando uma indemnização de 52.860.00 € (correspondente ao capital seguro de 55.000,00 €, deduzido do valor do salvado e do valor da franquia) e, ainda, uma indemnização pela privação do uso da viatura desde a data do acidente (considerando que a A. é uma empresa que se dedica a atividade de transportes internacionais de mercadorias por estrada e que o trator pesado ..-QG-.. constituía um dos seus instrumentos de trabalho, o que lhe causa um prejuízo diário de 149,33 €).

A R. contestou, alegando que a A., “aquando da primeira inclusão do “QG” na apólice em análise, ocorrida em 20/11/2015, atribui-lhe um valor em novo de € 85.938,00, de forma a que, com a desvalorização, dado ser um veículo de 2012, o sistema da R. aceitasse que o valor venal do veículo fosse de € 55.000,00”[1]; “posteriormente, mais especificamente em 02/06/2016, a solicitação da A., este veículo deixou de estar incluído na apólice em crise”[2]; “em 19/12/2018, voltou a A. a solicitar a inclusão do “QG” na apólice, tendo nesse momento a mesma atribuído um valor em novo de € 161.765,00, (…) de forma a manter um valor venal igual ou seja de € 55.000,00”[3]; “facto que passou despercebido aos serviços da R. uma vez que com a constante inclusão e retiradas de veículos nas apólices de frota, como é o caso em análise, nem sempre é possível controlar os valores atribuídos pelos segurados”[4].

Invocando, com base em tal factualidade, que a A. atribuiu ao “QG” um valor muito superior ao seu valor comercial, o que a R. desconhecia e que, por isso, se verifica uma situação de sobresseguro, razão pela qual, “por força do princípio indemnizatório”, o valor que contratualmente a A. tem direito a receber foi o que lhe foi proposto e colocado à disposição.

E concluiu pela total improcedência da ação.

A A. respondeu, negando ter atribuído ao veículo (quando voltou a solicitar a sua inclusão na apólice) um valor em novo de € 161.765,00 (antes solicitando a sua inclusão pelo “valor de danos próprios de 55.000.00 €”) e invocando ser ao caso aplicável o DL 214/97, cujas regras a R. não cumpriu, razão pela qual “a R. responde com base no valor seguro apurado à data do vencimento do sinistro”[5], “não tendo aplicação ao caso dos autos o DL 72/2008”[6].

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém; tendo-se identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, “condenou a R. no pagamento à A. do total de € 35.000,00, correspondente às seguintes quantias: 1- € 17.099,99, a título de perda total do veículo; 2- € 17.900,01, a título de paralisação do veículo; 3- Juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.” Inconformados com tal decisão, interpuseram recursos de apelação, autónomo e subordinado, respetivamente, quer a A. quer a R., recursos a que, por Acórdão da Relação de Coimbra de 10/01/2023, foi “concedido parcial provimento, revogando-se, correspondentemente, a sentença impugnada, e condenando-se a apelante subordinada, Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, a pagar à apelante principal:

  1. A quantia de € 52 011,99, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva dos juros civis, contados desde 23 de Outubro de 2020, até pagamento; b) A quantia que se liquidar ulteriormente, com observância dos limites do pedido, relativo ao dano suportado pela apelante principal com a privação do uso do veículo automóvel ..-QG-...” Ainda inconformado, interpõe agora a R./seguradora o presente recurso de revista, visando a revogação parcial do Acórdão da Relação e que a indemnização devida a título de perda total seja reduzida para o montante de € 15.211,99 (€ 18.200,00, deduzido dos montantes de € 1.100,01 e € 1.888,00) e os juros contabilizados apenas desde a citação.

    Concluiu as suas alegações do seguinte modo: (…) 1. Não pode a Recorrente conformar-se com o douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra relativamente ao decidido quanto à perda total.

    1. Com efeito, o regime legal disposto no Decreto-Lei 214/97 de 16 de agosto não afasta o princípio do indemnizatório, o qual sempre será aplicável (a não ser que exista convenção expressa das partes em sentido diverso).

    2. Através da aplicação do princípio do indemnizatório deve a indemnização devida a título de perda total ser reduzida ao valor venal do veículo, nos termos contratualmente estabelecidos na cláusula 6.3 e legalmente previstos nos artigos 128.º e 132.º do DL 72/2008.

    3. Pelo exposto, sempre se dirá que a indemnização devida pela perda total do “QG” deve corresponder ao valor venal do veículo, deduzido da franquia contratualmente aplicável, e do valor do seu salvado - conforme decidido pelo Tribunal a quo ao abrigo do princípio compensatio lucri cum danno -...

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